RODRIGO MADEIRA
(Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil, 1979) tem poemas publicados nas revistas Oroboro, Coyote, Babel Poétiaca e Germina. Teve o poema “Balada da Cruz Machado” adaptado para o cinema por Terence Keller (2009). É autor dos livros Sem pálpebras (poemas, 2007) e Pássaro ruim (poemas, 2009).
101 POETAS PARANAENSES (V. 2 (1959-1993) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Ademir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 398 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná)
POR FAVOR, IRMÃO
sábado brutal.
no vento o perfume do pneu
queimado.
desviando da poça de sangue baço
(incapaz de refletir a lua
ou contar a história do homem
que a verteu)
as pessoas tentando mais uma vez
chegar em casa,
mais uma vez tentando esquecer
o caminho de casa,
e um cara me para
na rua
e pergunta
(depois das 21:00, há sempre um louco
atrás de um cigarro):
— como eu chego lá, irmão?
pera aí, deixa eu ver...
faz asso,:
segue reto duas quadras
até o outdoor da unimed, beleza?
daí vira
à direita e caminha mais 2 quadras,
na esquina você vai ver um mendigo
(o sem cobertor,
bebendo pinga de garrafa plástica),
quebra à esquerda e depois,
duas quadras depois, onde fica um traveco
(o loiro, de minissaia preta
de couro falso),
de novo
à esquerda, daí você vai até
o segundo farol, não o do malabar
de 10 anos de idade,
o segundo, o segundo,
onde faz ponto uma puta e um traficante...
não tem erro, irmão,
logo em frente cê vai vê:
IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA
EXERCÍCIOS BANAIS 3
Há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, se exerce com método:
nos bancos de praça, pelas janelas
do quinto ao sétimo andar, diante do mar
nos alpendres dos sobrados, no interior do goiás
dentro dos ônibus interestaduais
e nas penitenciárias.
há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, não encontra passagem:
na rua XV do zênite, no pega-pra-capar do trânsito
na fila do banco, pelas escadas carregando compras
em frente aos muros pichados, nas lojas de sapatos
celulares e ares-condicionados
dentro de túneis, elevadores e mictórios.
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OROB0R0 revista de poesia e arte. Curitiba, PR Editores Eliana Borges e Ricardo Corona N. 8 - - jun. – julho – agosto 2006
Ex. bibl. de Antonio Miranda
ARGONAUTA
quem disse que em curitiba não existe mar?
olhai para cima, para cima! o céu azul.
vai daí a araucária súplice,
não quer outra coisa que mergulhar.
olhai as nuvens!
são netunos amansados, apascentados pelo vento,
espuma às avessas
(uma camisa pelo avesso não deixa de ser uma
camisa).
é a mesma masturbação, sem o leva-e-traz apenas,
em silêncio.
o sol é feito de areia.
um mar, enfim, curitibano.
a maresia é este nosso esgoto,
esta nossa primavera de ipês e chorões.
façamos o seguinte: barquinhos de papel
das corchas e das seivas todas...
lanço a âncora para cima e, claro,
ela cai em minha cabeça
EPIFANIA
deus criou o mundo em seis dais.
no sétimo
o Homem criou deus.
talvez ele exista
a qualquer momento, nesse agora.
talvez, adeus,
morre nossa única morte.
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Página ampliada e republicada em novembro de 2023
Página publicada em maio de 2016
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