REINOLDO ATEM
(Teresina, 1951) é publicitário e autor, entre outros, de 1971 (novela, 1978), Eterna primavera (contos, 1973), O aprendizado da vida (poemas, 1997) e Sob o céu dopais (poemas, 1999).
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná) Ex. bibl. Antonio Miranda
A MADRUGADA
Os apartamentos cometem suicídios desconhecidos
e jogam pessoas sedentas pelas janelas.
As prostitutas mostram as pernas aos indefesos
e dizem valer mais que cachorros ou morcegos,
As calçadas engolem o escarro e sua raiva.
Os mendigos escolhem os seus esgotos.
Os últimos bêbados entoam a impotência.
O frio da noite os faz sentir melhor.
Os homens se evitam e às sombras apressados
entram nos bares, medrosos de agonia,
temerosos das janelas assassinas
que dão migalhas aos ratos e aos gatos pobres.
O caminhão do lixo recolhe seus tonéis
e as mocinhas escapam, fugitivas,
para que a noite não lhes levante as saias
ou para que os homens não lhes arregacem os dentes.
As luzes dos prédios. Luzes suicidas.
As luzes perigosas, num tempo pelo avesso.
Um beijo cansado. Beijo ressequido
que faz cantar o galo e adormecer a ferida.
EXÍLIO
Por ora, vivemos no exílio
que deste mundo se dá.
Pátria, mares, campos, tudo
é bem literário em mim.
Vivo como um guerrilheiro
que bem combate até o fim.
Não há que sair do caminho,
nem outros eu hei de achar.
Há muitas estradas na vida
— reta, curva, encruzilhada -
e, quando eu quiser dormir,
nunca vou poder deitar.
Vou como quem se pergunta
aonde irá pernoitar.
Serei recebido na vila?
Deitarei meu corpo vil?
Terei toalhas e banho?
Ou não há como escapar?
A MURALHA DA CHINA
Eu sei que os chineses vão dizer
que os teus olhos mais belos que o luar
que à minha janela pode estar.
Mas meu assunto é outro, minha amiga:
No outro lado da lua, oculto e velho,
vou guerrear as hostes inimigas.
De tudo ..que me é desconhecido
o outro lado do muro é o descampado,
onde não se vai, por não sabido.
O que tem além mar, além muralha,
vai estar reservado para mim,
quando eu possa passar,
já bem no fim.
SUPER-HEROIS
A mulher-gato
vem nos salvar
nesse nosso dia
insuportável?
O homem-aranha
vem nos redimir
quando tentamos
coisas irremediáveis?
Não.
Apenas um gato e
uma aranha
surgem rasteiros
no meu telhado
no meu telhado cheio
de goteiras
cheio de passados
que não se importam
se estão
do meu agrado.
ESPELHO
Quando a gente
se olha no espelho:
os sinais da velhice
os cabelos na pia
os sinais na planície
armada pelo corpo
plácido bonito
amado e esquecido
um dia na memória
página relida
como se nunca visse
o vidro e sua vida.
Página publicada em setembro de 2015
|