OTÁVIO DUARTE
(Campo Mourão, Paraná, Brasil, em 1953_ )
Jornalista e autor, entre outros, de Alice (poemas, 1982), Fanfarra infante (poesia e contos, 1988).
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná). Ex. bibl. Antonio Miranda
O agora é o imenso agora
O que se foi é recordação e teoria
O que virá não existe e será outra coisa
Mas o agora é só por ora
As abelhas que investigam as lavandas
Sob o sol brilhante de outubro
Me ignoram, trabalham e vão em frente
A água deste andar não veio por aquedutos
Nem o tijolo, a madeira, a cerâmica
Aqui se estabeleceram pelo acaso
O poeta morto que leio me deixa melhor vivo
E se me imaginou foi em si próprio
O que foi o seu agora
É o meu agora
E não o será mais Daqui a pouco
*
A grande perda, dizem, é o ponto de inflexão do romance
Mas a grande perda é soma e não destaque
Tudo o que conquistamos também vamos perdendo
Os amigos idos não voltam
Tua mãe não te fará mais nenhum carinho
E a tua cabeça não tem onde repousar direito
Aquele filme não comove agora
O grande livro resvala no virar das páginas
A revisão das sinfonias não confirma o esforço
Mas algo ficou
Em algum lugar você chegou
Em que têmpera se formou, afinal
Na educação dos sentimentos?
*
Estou precisando
De um samba bom
De alguém que me aqueça
Com uma canção
Maria Leonora,
Por que levou meu cachorrinho?
Você me gelou
Muito abaixo de zero
]
E sou bem sincero ao dizer
Que o Rex faz falta
Maria Leonora,
Ele não mastiga mais
A barra da calça
Maria Leonora,
Por tantos momentos
Traga o Rex de volta
*
O poeta trabalha gravemente.
Mede as palavras, escande as sílabas, planeja os sonetos
Os trípticos, os quartetos, os sextetos
Os dodecassílabos, a música matemática.
O poeta que se pensa assim pensa em temas importantes. Quando condescende em brincar, brinca gravemente.
Leve não brilha o seu sorriso.
Maroto, o canto da boca nunca fica.
Dissonâncias não entram em seu esquema.
Aqui, o caso é sério. E o poeta grave
Premiado e louvado pelas academias
resigna-se a ser assim
Sem graça.
JOANA SANTA
Conheci uma Joana muito linda
A Walker atrás dos Johnnies
Tanto blue quanto red label.
Joana DArcool guardava visões do Delirium
Pois do sono fundo
Os doces sonhos não retinha.
Joana, na noite de uma quarta-feira,
derrubou o gravador com as mensagens do Etílico
Bem na água quente da banheira.
Entre choques, barulho e chiadeira
Queimou-se de fervor a nossa santa.
Adeus, Joana, adeus
Foi bom vê-la por aqui, desse jeitinho maneiro.
Apareça ou poste, se puder, o seu recado
Que a grande rede acolherá para sempre o enunciado
*
Hoje abriram-se as valetas
na Brasílio Itiberê
Por causa da chuva
os buracos, a lama e as pedras na calçada
a todo passante dificultam a travessia
Menos para nossa deusa Laodiceia
De lindas sandálias havaianas
shorts azul e camiseta da Casa da Barbada
triviais as coisas lhe parecem
de cima de sua majestade
1974, na panificadora, com Nogara
Com ou sem vinho
Em cadeira acolchoada,
mesa de mármore e belos aparelhos de digitação
Agachado ou sentado em pedra
a rabiscar uma parede com carvão
Ao alcance do copo de água fresca
Ou sob o ataque do sol e de moscas a povoar cadáveres
O poeta sabe sempre
Da terra devastada, cultura vã
E mais nada
Se de mais desfruta
Pensa que sabe ou intui
E no nada que se engana
E do nada que trata E mais nada
*
Em nosso vizinho
No irmão querido
No mendigo petulante
Não nos reconhecemos
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Página publicada em janeiro de 2021
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