Foto: http://www.aroldomura.com.br/
NILSON MONTEIRO
Nascido em Presidente Bernardes (SP), em 26 de outubro de 1951, Monteiro soma mais de quatro décadas de atuação como jornalista, desde que se radicou no Paraná, no final da década de 1970. Trabalhou em diversos veículos de comunicação nacionais, como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Istoé, além de paranaenses, como a RPC TV.
Tem nove livros publicados: “Simples” (poesia); “Curitiba vista por um pé vermelho” (crônicas); “Ferroeste, um novo rumo para o Paraná” (reportagem); “Itaipu, a luz” (reportagem); “Pequena casa de jornal” (crônica); “Madeira de Lei, uma crônica da vida e obra de Miguel Zattar” (biografia); “Pedaços de muita vida – os 122 anos da Associação Comercial do Paraná” (história); “40 anos transformando vidas” (institucional/Sebrae) e Mugido de Trem, pela editora Banquinho, em que narra a saga errática de uma família de sitiantes. É membro da Academia Paranense de Letras. Fonte: ww.gazetadopovo.com.br
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná)
POEMA DA CIDADE
Eu te aprendi cidade
teus carregadores de marmitas frias
teus trilhos de estômagos vazios
teu relógio cardíaco
teu templo de potes de ouro
tua barriga de lombrigas
teu fogo gélido
torrando o pão.
Eu te conheço e saúdo
a manhã vazando teu pulmão
de ônibus bufando lama e óxidos,
a manhã lavando calçadas
e o sangue que grudou no asfalto e em tua história.
Digo bom dia, com medo da resposta,
e caminho entre conhecidos
caras, casas, árvores,
no meio da praça um lambe-lambe
pede sorrisos para o pássaro ferido.
Eu te conheço cidade
e sei de teus meninos
fumando e levantando voo.
Sei também de teus patrões
domando dias e noites
escarrando em toda dignidade.
Sou irmão de teus bandidos famintos
de tuas meninas prostitutas
de teus meninos
arrebentando vidraças.
Sei teu cheiro
teu cheiro de barracões entupidos de café
de bares ferventes
de bolsos entupidos de dinheiro
de cinturões apertando corpos famintos.
Eu te conheço e sinto todos os poros
te sentirem roxa e visceralmente roxa
por toda a parte. Dentro do cinzeiro
ardendo o calor de tuas noites
vadias
em teus becos
favelas, esquinas e botecos
em tua vida.
Sou testemunho, cidade
Engraxo meus olhos
com bueiros entupidos
e nos trilhos da estação
repleta de saudade,
uma viola de ternura
sola ao peito nomes de amigos
e a cara triste de roceiros no vai e vem.
Eu te conheço cidade maldita e querida cidade
Teu chão, tua lei, a lei
dos que não cedem espaço
dos que vendem diariamente,
camelos engravatados.
Seu naco, à revelia e rebeldia
de tua vida
gerada por cafeína a esperma,
pioneiro e cadáver de tuas horas,
a febre que te engravidou,
esta poeira endiabrada,
as tetas desta lama.
Conheço tuas fábricas
que arrotam estrumes
e operários amassados,
sei deles.
Sei de tuas mulheres
que esfregam e espremem
seus salários
e nos acenam mãos vazias.
Cidade, cidade,
saúde teus loucos
me dizendo
bom
triste, inflacionado, esperançoso dia,
impresso em manchetes policiais
no embrulho das feiras e verduras.
Não, cidade, não nos deixemos
liquidar em bazares.
Jogo uma moeda
ao fundo do teu lago
e confesso:
só queria te fazer um poema.
LIÇÃO
estes dentes de leite
caramujos na barriga inchada
aprende com eles a lição
da cárie doida de sonho
de sonho brinquedo esburacado
a vida, lição de pedra,
ave em voo noturno ferida
é difícil dentro e fora da cartilha,
brota dentro e fora da tabuada,
aprende filho.
O TEMPO
O tempo
enfiou-me o cansaço
das bíblias e dos ídolos
sob as retinas.
Cristalizou-me a esperança
e volatizou-me o medo
costurando o amor
e o ódio
no rebanho de luas.
O tempo
deu-me filhos
amigos, inimigos,
pessoas que rondaram meu coração
como lobos
como cordeiros
ou ainda como
companheiros.
O tempo negou-me paz e pressa
rabiscou-me rugas e cicatrizes
soprou-me alegrias e tristezas
dependurou-me sobre a vida.
O tempo enxergou-me
espiando pelas lascas das teorias
e metendo o dedo em feridas
encharcadas nos bairros.
O tempo
deu-me cabelos brancos
e paciência.
Deu-me
a certeza da dúvida
como motor do mundo.
Página publicada em junho de 2016
|