http://www.epigrafias.blogspot.com.br/
MIRIAM PAGLIA COSTA
Poeta e jornalista, nasceu em Londrina (Estado do Paraná) em 1947. Em 1969, ganhou o primeiro prémio de poesia do Festival Universitário de Londrina. Publicou poemas em jornais e revistas. Em junho de 1981, lançou a plaquette de poesia "Sete eus", edição de autor, com que participou do IV Congresso Interamericano de Escritoras (Cidade do México). É editora de Cultura da revista "Visão".
De
Miriam Paglia Costa
COLAR DE MARAVILHAS
Ilustrações de Darcy Penteado
São Paulo: Massao Ohno – Roswitha Kempf Editores
s.p. ilus. col. Formato 22x15 cm
I
contra sarampo é
pijama vermelho de bolinhas
chá colhido no quintal
meninas enjoadas saram
num zás-trás
mamando leite com hortelã
mas no colo
nos óculos do avô
reflexos distraem o medo
de retratos, mortos e fantasmas
bichos noturnos não resistem
a história bem contada
a mão roda a colher
roda, roda
evita derrames de fervura
três vezes na panela
e verte a massa esfumaçada
no prato sem desenho
mingau de aveia esquenta o bucho
mão de ferro não esquenta
ainda
os traseiros dos levados
nervos nem fervem nem derramam
de manha
olhos amorosos são remédio
e rezar o santo anjo anoitecendo
luz amarelenta
vela febres contra escuro
um jeito no lençol, dobra no cobertor
tudo consola
tudo são certezas
(...)
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná) Ex. bibl. Antonio Miranda
DE COLAR DE MARAVILHAS
| VI |
a procissão caminha
passos, meninas do colégio
à frente, minha prima
bela e lampeira
em sua caixa de boneca
já não chora, já não diz — "Mamãe"
muda
desfila o dia de gala
seu medo passou completamente
vão todos sombrios
em uniforme de luto
só ela está de cor-de-rosa
fantasiada
anjo até os pés
minha prima vai à tumba
ela que não entrava em canto escuro
nós a seguimos entre flor e choro
porque dói
o pé no sapato de verniz
a festa interminável
é grande o cemitério nos confins
tristes seus pássaros de bronze
empoleirados sobre túmulos
há retratos, letras, saudades
mas a procissão avança
rápida para olhos que soletram
a freira manda cantar
sai trôpego o hino
tudo é lento, engasga
ninguém quer enterrar a caixa
fechada com boneca
pela primeira vez tocamos terra
com mãozinhas enluvadas
lançando punhados no buraco
é roxo o pó que cai
empedra o som, batendo na madeira
sujo inteiramente
como as luvas
um homem feio vem
chapéu de feltro velho, abas ensebadas
e com pá completa seu serviço
a procissão desaba nas aleias
dia seguinte
embaixo da limeira
uma voz de prima não brinca de carniça
não canta introito de pega-pega
— balança caixão
—balança você
— dá um tapinha na bunda e vai esconder
|XI|
ô meu deus, quero de volta
minhas colegas de escola
blusa engomada picando nó sovaco
o castigo de gala
freiras chatas, revistando tudo
e reza antes da aula
dia de ser anjo prolongado
ô meu deus, quero de volta
O fogo daquele inferno
com diabo de tridente
e vermelho
| XX |
a noite é quente e ruinosa
onde plantou meu avô sua barba
e sua honra
das paredes da casa
restam madeiras
eretas e modificadas
dos filhos espalham-se os destinos
a vizinhança já foi chácara
campo de pelada e batalhas
zona do meretrício
caminho de tropa e lama
rua asfaltada e buracos
já houve horta, bichos esquisitos
mortes, desespero e festas no local
não há mais espírito pioneiro
tudo se disciplina e urbaniza
hoje meu avô está plantado
no chão que ele desbravou
e sua semente de pobre
macaroni e aventureiro
vingou nessa terra roxa
lado de cá do Tibagi
onde continuará havendo
trabalho, desespero e festa
BAR SELETO
vagas mensalistas aqui estacionam
pernas rodadas, caras batidas
buscam, quem sabe?
a vitamina que devolve a juventude
do vento do pastel aspiram sonhos?
sentam moles bundas nos banquinhos
olhos soltos sobre incertos objetos
e bebem
engolem o suco de tantas frutas
como se fosse lava
engolem tudo
diz-que vagabundas nunca morrem
pelo menos, só vivas aparecem no jornal
diz-que também não fazem falta
trocam de peruca
engordam, emagrecem
estão sempre no lugar sabido
mas
na hora vaga que precede o dia
bebem vitamina e comem
como crianças
o pastel que despenca seu recheio
— pendura a conta, ainda gritam
os saltos gastos já batendo na calçada
baiana, luzia, inalda, roseni, palmira
elas têm pressa
quando amanhece
todas as putas viram fadas
AD PERPETUAM REI MEMORIAM
maus
versos e bons planos
faço isso há anos
é chumbo o alfabeto que aprendi
escrevo
tenho todos os dentes
peso até excessivo
adoeço raramente
nasci no brasil
logo, não existo
cólicas líricas seguidas de vómito
meu diagnóstico
proletária do espírito
salário não paga minha fome
pedem pão, dou verbo
vergonha não rima nem resolve
às vezes desejo o terror
ilusão do justo restaurado
mas quem garante?
se o tapa é a lei da mão
instaura a selva
eu queria ser inocente
Página publicada em julho de 2011; ampliada e republicada em setembro de 2011.
|