Fonte da foto: arquivo.jmnews.com.br
MIGUEL SANCHES NETO
Escritor paranaense (nasceu em Bela Vista do Paraíso, interior do Paraná, mas foi criado na pequena Peabiru) e crítico literário. Responsavel pela coluna semanal do maior diário do Paraná, a Gazeta do Povo (Curitiba), tendo publicado só neste jornal mais de 350 artigos sobre literatura, fora as contribuições para outros veículos, como República, Bravo!, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (São Paulo, Poesia Sempre, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)e Jornal d`pontaponta - coluna mensal (Ponta Grossa- Paraná), cidade onde reside.
“Crítico e ficcionista de reconhecida importância, Miguel Sandhes Neto (1965) publicou no ano de 2000 um livro de poemas notável, Venho de um país obscuro, em parte biográfico, mas onde também se encontra uma excelente série de sonetos sobre o Aleijadinho, ou reflexões metalinguísticas como esta:
CAÇADOR E VÍTIMA
Escrever é caçar caranguejos
à maneira do guaximim.
Enfiando o rabo no buraco
onde se aloja o crustáceo,
ele espera que este o morda
como suas impiedosas tesouras
para sacar logo em seguida
a presa cravada em sua cauda.
O próximo passo é saboreá-la
— a memória da dor em carne viva.
Enquanto espera, o guaximim chora,
sofrendo de antemão a investida.
Caçador e vítima, é sua própria isca.
Contorcendo-se nesta emboscada,
o sabor e a cicatriz ele preliba
— a água na boca é a mesma das lágrimas.
Extraído de BUENO, Alexei. Uma História da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2007. ISBN 978-85-98815-06-0, p. 404
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De
Miguel Sanches Neto
ALUGO PALAVRAS
Ilustrações de Carlos Dala Stella
Erechim, RS: Edelbra, 2010. ISBN 978-85-360-1085-4
www.edelbra.com.br/hotsites
Encontrei o livro de Miguel na gôndola de uma livraria. Capa sugestiva, com textura na impressão. Já "conhecia" o autor,e a leitura de alguns versos revelavam um estilo fluído, de um lirismo bem humorado, sobre questões corriqueiras, do dia a dia, mas com desenvoltura nada óbvia, prova de domínio do ofício. Já no café, observei as ilustrações sugestivas e bem ajustadas ao contexto. Não é fácil ser simples, sem cair na mesmice, no pieguismo. Miguel Sánchez Neto depura as imagens, constrói situações que escapam do lugar-comum. Domina o ofício das palavras. "Alugo palavras" é um título sugestivo e ambíguo mas apropriado para recordatórios que estão mais na atualidade do que no passado, pelas inesperadas reflexões finais: "perderam-se de mim", "ela se recolhe ao retrato", "ninguém o espera na antesala"... Não é que ele se dedique à metaposia, mas não deixa de referir-se à poesia e à sua intimidade com as palavras.
Incrível país em que se publica tanto e os livros não circulam. Não sei como este título, de uma editora do interior do Rio Grande do Sul, chegou a uma livraria de Brasília! Em boa hora. A seguir, dois poemas do livro (mais poemas, só se o autor ou o editor permitirem). Mas quem quiser ler mais deve acessar a página da editora. ( A. M. )
ÚLTIMO DOMICÍLIO CONHECIDO
Habitar a sombra
sem janelas de sol.
Residente e domiciliado
no impreciso, no intervalo,
na entrelinha, no avesso,
o poeta não dispõe de endereço.
Procurado no último
domicílio conhecido,
só encontrarão palavras.
O poema estará vazio.
Morar o poema
apagando pegadas.
COMUNHÃO
Uma de minhas namoradinhas
era pobre de pé no chão
casebre de madeira e manhã
e tinha tanto piolho
que acabei herdando-os.
Quando brigamos,
eu quis romper para sempre.
Com pente fino
expulsava os piolhos
de minha cabeleira
e ia, um a um,
estalando-os nas unhas.
(O sangue que saía era meu e dela.)
SANCHES NETO, Miguel. Venho de um país obscuro. Curitiba: Travessa dos Editores, 2000. 83 p. 13x19 cm. Capa Bench Mark. Foto da capa: arquivo do autor.
O que fui em menino
é hoje um baú lacrado
que, alheiro à minha história,
tenho como inquilino.
Em vão tentam arrombá-lo
as raízes da memória.
LIGAÇÃO
Súbito me lembro de um antigo telefone.
Seu número irrompe em minha memória
e não sei de quem é, nem quando nem onde,
sei apenas que é um endereço que dói.
Disco sem esperança estes dígitos antigos
e então ouço chamar numa casa no tempo
à qual me prendo pelo cordão do umbigo
que não pôde ser cortado a contento.
Através de um fio imaterial me religo
às ruínas de uma infância só mito.
Do outro lado, alguém atende o telefone
e a voz que me chega por este conduto
é a da criança que tem o meu nome,
é a que perdi quando me tornei adulto.
Página publicada em agosto de 2007; ampliada e republicada em fevereiro de 2011; ampliada e republicada em janeiro de 2012.
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