MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA
Poeta, letrista e dramaturgo, nasceu em Londrina (PR), em 1964, onde vive. Traduziu poemas de Guido Cavalcanti, Ezra Pound, Cummings e Po Chu-I, entre outros. Publicou o livro de poemas Eu andava assim tão distraído (Sette Letras, 1997), e participou da antologia Outras praias (Iluminuras, 1998). Em parceria com Rodrigo Garcia Lopes, publicou, pela Iluminuras, Sylvia Plath — poemas (1991) e Iluminuras (gravuras coloridas), de Rimbaud (1994), e, pela editora Ciência do Acidente, Trilha forrada de folhas — Nenpuku Saro, um mestre de haikai no Brasil (1999), com haicais de Nenpuku Sato. Para o teatro, adaptou o Edipo de Sófocles, traduziu Out cry, de Tennessee Williams e escreveu a peça Sob o sol em meu leito após a água, em parceria com o diretor Paulo de Moraes.
CASTELO DE SONHOS
o rio no mês das chuvas
oculta rochas
ecos entre as árvores da mata •
uma garça
dança seu butô e espirala
suas asas cambraias —
levitam nossos sonhos
desmaiam
nessa diáfana fumaça
o reflexo
dos olhos fixos
parte rumo às cascatas
BULEVAR JARDIM DE DELÍCIAS
Aquilo foi o eterno se materializando
o filme da primavera deslizando na retina
conversaremos mais tarde sobre o pensamento das flores
o sex appeal das gardênias — lá na esquina
onde fui ver se estava sacando a nossa vida.
Assim como a luz se fez linda naquela festa rupestre,
com seu vestido de treva, sua tiara de auroras,
deslumbrando nossas consciências plebeias,
gata borralheira, vou te dizer agora:
a lua se perfumou na penteadeira da corista,
tudo é cool, Colombina, e ficamos chics
e eu te abracei bem forte,
enquanto bêbados cantavam "Che Gélida Manina".
Foi algo magnífico poder ficar na nossa,
no bulevar Jardim de Delícias,
lendo os nomes latinos das borboletas
neste episódio.
BRISAS
roçar a pele, Van Melle, esta madrugada
sugeriu o perfume de seus grandes lábios
esses lagos mornos em que remamos num monet
entre flores vaporosas, brisas de marijuana
que neblinam essa passagem silenciosa
por margens que surgem do vazio e retomam
na intersecção desses estados de alma que é você,
um Ukiyo-e, com seus instantes cleptomaníacos
que aspergem as pétalas do sexo
sobre uma eternidade que nossos olhos
mal podem sustentar,
ejaculando estrelas, musgos, ninféias
e a superação dos climas que nos sedam,
soberbos, e sangram a tênue manhã,
e o depois dela, tarde úmida onde,
lívidos de frio, brindamos o tempo vivido,
fugidio, e desaparecemos sem lembrar de nada
CANTIGA LUSA
- Ao irmão d'armas Jaques Brand
Levita-me d'alva em ar dorido
e doa-me excelsas mãos para amparar-me
que deslizo leve, sem porvir, premido,
pelas malsinadas rotas do desastre —
Pois que me fio em tua incorpórea arte
de cintilar, pairando, no horizonte,
Estrela - pois só teu ardor faz-me domar
o mar c'o pensamento.
Poemas extraídos de NA VIRADA DO SÉCULO: poesia de invenção no Brasil, organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa. São Paulo: Landy, 2002. 348 p. ISBN 85-87731-63-7
MENDONÇA, Maurício Arruda. Eu caminhava assim tão distraído. Poemas. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997. 55p. 14x21 cm. Capa: Claudio da Costa. ISBN 85-7388-013-9 “ Maurício Arruda Mendonça “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
VIAGEM PHILOSOPHICA
Descreve a sombra mato a dentro
A descoberta sempre lerda desse bicho,
Num caminhar cósmico unguento
Profundamente a dois meu velho nicho.
Ao revés essas folhagens, secas tetas,
Mas eternas viagens vegetais,
Colhem indefinidas certas metas
Dos que mais mal lhes fez mais.
Ordenha a seiva luto do profeta
Ateu meu grande deus mente completa
O ato impuro desses vastos seres,
E se à fraca força deles por menos deres
Deem mais e mais, veros vegetais,
Já à presença do bem não bebeis mais.
FLUTUANTE
Em tua púbis, vagalumes.
spray de estrelas e vapores
de flores sem nome
ou imagens do mundo efêmero.
enquanto Cravo meu sexo no seu
e flutuamos em brumas de gemidos,
gozando na areia azul do sem sentido.
O replay de línguas Hiroshigue,
espumas de saliva em seios róseos
e a brasa dos lábios lambendo a pérola
nas velocidades sublimes do coração
do êxtase, quando chegamos juntos
a uma outra região, eterno entre,
onde nos devoramos.
Página publicada em janeiro de 2009 , ampliada e republicada em agosto de 2014.
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