MÁRIO BORTOLOTTO
É dramaturgo, diretor e ator de teatro. Colaborou com os jornais Folha de Londrina, Correio Londrinense e A Notícia, de Joinville-SC, escrevendo sobre cinema, literatura, teatro, música, histórias em quadrinhos e futebol. Produziu e apresentou durante três anos o programa Estação Blues na Rádio Universidade FM de Londrina. Publicou os contos Balada Cruel de Big Gordon e Aquele Olhar Estudado de James Dean nas coletâneas Jovens Contos Eróticos e Contos Jovens, pela editora Brasiliense. Publicou os livros Mamãe não voltou do supermercado (romance policial), Para os Inocentes que Ficaram em Casa (poesia), Seis Peças de Mário Bortollotto e Seis peças de Mário Bortolotto – Volume II. Gravou o CD Cachorros gostam de Bourbon com composições suas. Foi indicado para o prêmio Shell como melhor autor e ator em 1997 e 1998. Atualmente mora em São Paulo.
Ela Veio da Paraíba com Duas Libras
Eu espero pacientemente que ela apareça
com suas tatuagens, seus selos canadenses,
o último cd do Jeff Buckley
sua aliança de noivado
sua sede inextinguível
sua amnésia oportuna
seus pecados mais que mortais
Eu espero que ela permaneça por aqui
com seu silêncio devastador
com frieza lendária
sua dança da chuva
sua fome de groupie
eu espero que ela se movimente pra mim
com seus anéis
seu pescoço animal
seus lábios de gasolina
seus dreadlocks
eu espero que ela gaste todo o seu dinheiro comigo
que me apresente a suas amigas
que me leve pra vê-la dançar
que me transmita suas doenças
Eu espero que ela venha cantando um balada
do Lenny Kravitz
que venha confundindo o tráfego
com seus truques de malabarismo
com seu cinismo incompreendido
ela vai pisar com suas sandálias de névoa
em meu coração
ela não vai aparecer
eu a amo
então chamo um táxi e volto pra casa
Enquanto Ela Range os Dentes
Eu Espero os Fantasmas
Os fantasmas bebem comigo quando a lua vem
Eu abro a minha porta todas as noites
Eles aparecem e se apropriam das poltronas
coçam meus pés e bebem meu vinho
Não falam da vida os fantasmas
nem comentam as fotos que guardei
Eu me sinto bem com os fantasmas
Eles apenas gostam de ficar por ali
assoprando nas orelhas do cachorro
o cachorro se acostumou com os fantasmas
já não tira os chinelos das poltronas
percebeu o quanto os fantasmas são
importantes pra mim e o cachorro também
não quer me ver triste e eu sei que de
uns tempos pra cá o cachorro também ficou
dependente deles pois uiva de dia enquanto
eu leio Frost no telhado
o dia passou a ter 72 horas
o dia passou a ter grossos livros de poesia
o dia passou a ter Whitman, Thoreau e Bashô
o dia agora é um osso esquecido no assoalho
o dia agora é uma longa espera da noite
que é quando os fantasmas aparecem
Eu espero já sem muita paciência
não há nenhuma suavidade ou delicadeza em meus gestos
os fantasmas são a melhor companhia pra
quem descobriu que está realmente sozinho.
Ópera dos Pombos sem Destino
Eu moro no sótão onde os pombos morrem
Eu deixo a janela aberta
e deixo que eles venham morrer a meus pés
Eles entram voando e me olham
com seus olhos tristes de pombo
Como eu posso ser feliz com todos esses pombos mortos
abandonados por Deus
Gostava quando eles se chocavam contra o pára-brisa
Pombos desgovernados sempre me fascinaram
Esses pombos com destino certo
eles me deixam com os olhos cheios de lágrimas
vez ou outra um avião passa no céu
e os pombos sonham com lugares nunca visitados
Um dia os pombos desaparecerão
terão voado para algum lugar inatingível
não haverá mais pombos
e alguém irá contar histórias sobre pombos
os seus cadáveres espalhados no chão do meu sótão
receberão visitas apaixonadas
mas pra mim o que vai ficar
será a lembrança dos pombos na minha caixa de correio
pombos que se recusaram saber o caminho
pombos que Deus há de acolher
pombos dos quais sempre vou me lembrar
ouvindo ópera no sótão
meu sótão de pombos sem destino
Poemas extraídos da ANTOLOGIA DE POETAS LONDRINENSES - 12 – Org. e produção de Christine Vianna. Londrina, Paraná: 2000 - ISBN 124.943-194-105
Página publicada em novembro de 2009
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