MARCO AURÉLIO CREMASCO
Marco Aurélio Cremasco nasceu em Guaraci, interior do Paraná. É professor titular em engenharia química na Unicamp, Campinas, onde reside. Foi um dos fundadores e coeditores da Babel, Revista de Poesia, Tradução e Crítica. Cremasco traduziu poemas de Langston Hughes, Robert Lowell, Enrique Lihn, Mário Benedetti e Oscar Wilde. Tem poemas publicados em antologias, ressaltando os contidos nas coletâneas Passagens, Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do Paraná, Curitiba, 2002), Moradas de Orfeu (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011), nas antologias digitais Vinagre - uma antologia dos poetas neobarrocos e Pi2, nas revistas eletrônicas Germina Literatura, Mallarmargens, O Bule, Revista Biografia e nas revistas impressas Babel Poética e Ciência Er Cultura.
Obteve prêmios em concursos de poesia, tais como o Femup (Paranavaí - PR), Escriba (Piracicaba - SP), Mário Quintana (Porto Alegre - RS), Raimundo Corrêa (Rio de Janeiro - RJ) e Universitário de Poesia (Antofagasta - Chile). Em 1997 publicou a coletânea de poemas A criação, fruto do Prémio Xerox/Livro Aberto. Foi o vencedor do primeiro Prêmio Sesc de Literatura, em 2003, com o romance Santo Reis da Luz Divina, publicado em 2004 e finalista do Prêmio Jabuti em 2005. Além dos livros A criação (Cone Sul, São Paulo, 1997) e Santo Reis da Luz Divina (Editora Record, Rio de Janeiro, 2004), Cremasco tem publicado os livros de poemas Vampisales (Editora da Universidade Estadual de Maringá, 1984), Viola caipira (edição do autor. Campinas, 1995), fromlndiana (em inglês, edição do autor, West Lafayette, EUA, 2000) e o livro de contos Histórias prováveis (Editora Record, Rio de Janeiro, 2007). Em 2010 foi contemplado com a Bolsa Funarte de Criação Literária para a escrita do romance Evangelho do Guayrá.
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CREMASCO, Marco Aurélio. As coisas de João Flores. São Paulo, SP: Patuá, 2014. 131 p. 14x21,5 cm. Prefácio de Ademir Demarchi. Capa dura.Editor: Eduardo Lacerda. Projeto gráfico e capa: Leonardo Mathias. ISBN 978-85-8297-087-4 “ Marco Aurélio Cremasco “ Tiragem: 200 exs. Ex. bibl. Antonio Miranda
MONÓLOGO DE UM PÉ-VERMELHO
amanheci o céu na grama amarelecida
só para comê-lo com pão e margarida
já bem tarde, cansado de ser caçado por uma sombra,
rejeitei as sobras de ser ninguém para ser sol na face de alguém
meio urbano meio caipira tangi vinte liras
fora de moda, pois a moda não é violeta, é de viola
fiz-me assim para ser celestino longe do nepal
caçar rimas e colher sons é uma preferência nacional
nesta noite, quando muitos brigam por sobremesa,
fico de tocaia no prazer de virar a mesa
esfomeado, aguardo a saci astronauta
para completá-la na perna que lhe falta
saciado, adormeço no seio de um riacho
para acordar numa cama de capim
e assim tudo será como sempre foi:
olhar de índio velho sorriso de curumim
ACASO
sou um pintor
de escasso talento
lanço tintas ao vento
pra ver se dou colorido
a um pássaro distraído
SANTOS E LOUCOS
fiz de tudo um pouco
fui santo fui louco
tive o prazer do mundo
de poder encher
um copo sem fundo
BABEL Revista de Poesia, Tradução e Crítica. Ano IV - Número 6 - Janeiro a Dezembro de 2003. Editor Ademir Demarchi. Campinas, São Paulo Ex. bibl. Antonio Miranda
URBANA
1.
uma hora para nunca mais
é daqui a pouco ou jamais?
2.
a cidade brilha
na face caipira
cintila ilhas
de fantasia
sorri sereia
ao náufrago
encantado
em cimento
cal areia
3.
a pedra na estrada
espera o vento
para se ver talhada
e do dia assim
a noite inteira
a rua do silêncio
continua iluminada
4.
a noite tece
labirintos
no vão de estrelas
a cidade
em vão
anoitece
5.
compêndio noturno
o guarda-roupa
sorriso da ladra
o idílio soturno
da luz pastel
ofusca o sol
madrugada
conta paga
restaurante chinês
hora de ir
recomeçar pela cama
o dia por ter
6.
o sol anuncia
começo fim
de mais um dia
a luz (se) revela
intervalo das trevas
7.
meninos meninas
ratos ratazanas
gárgulas
anjos grotescos
povoam esgotos
da cidade barroca
8.
meninos apanham
detritos no lixo
chaminés elevam
glórias a Deus
9.
praça guardada
pastor
livro sagrado
palavras profanas
cristo mendiga salário
na greve dos bancários
10.
os pombos colhem
nos bicos cálidos
as chagas dos inválidos
os seres exatos
equacionam o trajeto inesperado
dos vôos rasantes
sobre logradouros e logrados
11.
são cidades homens
alternados
nos esquifes berçários
a noite guarda
resquícios
da manhã
seria tudo isso
nosso delírio?
12.
não escravizem o sol
deixem-no vadiar em nossos rostos
enquanto passeamos despretensiosos
pelas avenidas desta cidade poluída
prendam-me se quiserem
mas deixem liberto o sol
para que no mínimo acaricie
as mentes vadias desta cidade sem sal
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Página ampliada e republicada em janeiro de 2023
Página publicada em setembro de 2014
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