Autoria da foto: Gilson Camargo
LUIZ FELIPE LEPREVOST
Nasceu em Curitiba, Paraná, em 1979. Ator e poeta, lançou o livro/CD Fôlego (2002) e Tornozelos deitados (2005) e livro Ode mundana (2006)
caiu
com cadência
da estrela cadente
decadente
caiu
pra sempre
Fôlego (2002)
BIBLIOTECA DE NAVIOS
Colecionador de fragilidades náufragas
confio no passado
confisco da lembrança
destino abismado
abuso do acredito
o que de único
infinito
vespertino me repito repito repito
espelhado em mais cegueira
desassossego remetido secularmente e sono
nas marés
não durmo em sonho
não tenho ponto
cais
espalhado em quais memórias tanto sou mar
biblioteca de navios?
longínquo...
nunca importa um cais
sim praia
areia fina
onde fibra deito oceano
em paz
eu teria sabido enxergar as coisas sujas
sem me sujar com elas?
em caso de incêndio na alma?
também teria evitado o precipício por meio das veias
eis que me olha enevoado um dente
me mastiga cegamente um olho qual eu fosse coisa
não mais do que coisa
Ode mundana (2006)
depois desta neve o ferro dos ecos pingará
vamos respirar sempre com dificuldades
mergulhados no espesso óleo do caráter dos homens bons
a espinha dorsal Será âncora
e morrerei jamais no primeiro round
ainda não cansei de comer bocas e narizes maiores que navios
quando a maldade redemoinha em minha chama
em mim todo grelo é rosto e todo resto gretará
as catacumbas de meus urros sussurram
e túmulos passeiam entre as dinamites de meus desejos
também as estrelas se arrastam disformes
quando peixes claríssimos
respiram tubos de oxigênio
101 POETAS PARANAENSES (V. 2 (1959-1993) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Ademir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 398 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná)
NEVE DE 75
tantos anos já a neve de 75
após, nunca mais
e se vive à espera de renovado branco e gélido
despencar dos céus
(a neve de 75 é só o que se tem, ai)
mas e os demais dias que
seguiram daquele, digamos, alpino
(norte-americano natalino, ou de inverno europeu)?
por que não foram consideradas
estreladas noites outonais
chuvas lavando odor das primaveras
a fina brisa balançando o amarelo dos ipês
as vermelhas luas tropicais?
(não houve o que na História já não há)
ah a vocação para melancolia
o gosto do masoquista recolhimento
ah a Neve de 75... entretanto
que bela manhã de verão hoje está fazendo
LUTADOR
entrei nas pernas com uma baiana
derrubei o cara
ele me colocou na guarda
passei a guarda
comecei a estrangular
ele conseguiu se safar
foi pra minhas costas
encaixou um mata-leão
escorreguei dali
nem sei bem como apliquei minha melhor chave de perna
ele se safou de novo
então fui pra cima
ele me colocou na meia guarda
tentou me apagar com um triângulo mal colocado
ali mesmo comecei a enfiar uns socos no nariz
fiz o filha mãe cuspir o protetor
comecei a estrangular o pescoço outra vez
daí ele me beijou... na boca
COYOTE – REVISTA DE LITERATURA E ARTE. No. 20. Curitiba, PR: KAN EDITORA, 2010. Editores: Ademir Assunção, Marcos Lesnak, Rodrigo Garcia Lopes. Ex. bibl. Antonio Miranda
SILÊNCIO SEM HEMA
11
mas o fim da vida
não implica no fim do dia
o fim do dia
não implica no fim da chuva
o fim da chuva
não implica no fim do frio
o fim do frio não é o fim do cinza
e alguém com febre
não tem todo o tempo de mundo
o mundo dura mais
do que a febre das pessoas
mas o mundo de alguns
acaba quando acaba sua febre
e a beleza pode que não tenha
relação nenhuma com sua febre
embora muitos sejam capazes
de converter febre em beleza
mesmo que beleza e febre
sejam insuficientes para compor
toda uma vida
assim, o fim do sexo
não é o fim do amor
o fim do amor
não é o fim da doença do amor
a doença do amor
pode vir a ser o começo das metáforas
sobre doença, amor, febre, frio e chuva
e não há antídoto
capaz de neutralizar uma metáfora
12
três básicos resultados obtemos
dos encontros em nossas vidas
podem ter sido péssimos
dando motivos pra arrependimentos
podem ter sido indiferentes
e a indiferença sempre é algo péssimo
dando motivo para arrependimentos
e podem ter sido ótimos
mesmo assim
dando motivos pra arrependimentos
eu não me arrependo
13
derrubar paredes é uma bobagem
que que elas se abram
com o leve toque de dois dedos, assim
dois dedos
e paredes não são
o enrodilhado das coxas das mulheres
paredes se curvam feito os subalternos dos príncipes
ou como heróis julgados injustamente
condenados à guilhotina
paredes se ajoelham
e assobiam pra que passem em suas carruagens
os primeiros ministros da rainha
lançando moedas pros famintos
consolos de borracha pra beatas
feno e ração pros criadores de máquinas
todos um só coro de sátiros
tocando folk coma rabecas chamejantes
e tamancos dando choque na planta dos pés
*
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´Página publicada em novembro de 2021
Página publicada em dezembro de 2009. Página ampliada em maio de 2016. |