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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto/fonte: http://www.academiapr.org.br/

 

JOÃO MANUEL SIMÕES


(Mortágua — Portugal, 1939), radicado em Curitiba, é

advogado e autor de dezenas de livros de poemas, crítica, ensaios, contos e crônicas, entre os quais, Parágrafos escritos nas páginas do vento (poemas, 1982), Rapsódia europeia (poemas, 1983) e Trovas que minha mãe me inspirou e outras quadras (poemas, 2013).

 

 

101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959)  antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI.  Seleção de Admir Demarchi.  Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.  404 p. 15X 23 cm.  (Biblioteca Paraná)  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

EXORTAÇÃO

 

Não digas nada. O teu silêncio basta

para exprimir o que, dito, não chega

a ferir o ouvido que ouve e apenas

se contenta em ouvir e logo esquece.

As palavras já nada dizem, gastas

de tanto serem ditas. Silencia,

que o silêncio é a única mensagem

que o coração humano entende e cumpre.

Faz do silêncio a língua universal.

Já basta que os canhões não mais se calem

e que os gritos persistam nas gargantas.

Faz do silêncio a lâmina que vença

o vão clamor do mundo inteiro. E reza,

reza em silêncio e em silêncio chora.

 

 

SANCTA POESIS

 

Luz que se tece

de sombra

e claridade.

Sua textura,

só quem a acende

sabe.

Flor no silêncio.

Seu colorido,

só quem a colhe

enxerga.

Explosão irisada

de metáforas.

O seu fascínio,

só quem a deflagra

entende.

Cruz implacável

sobre cujos braços

me prego, sangro, morro

e ressuscito

 

para a vida efémera.

 

 

VARIAÇÕES SOBRE O DESERTO

 

Les milices du vent

sur les sables de l'éxil.

Saint-John Perse

 

Deserto inúmero, infinito mar

de sílica: deserto congelado.

E os homens? Transeuntes nas areias,

dromedários de sombra carregando

no dorso o fardo antigo da esperança.

Deserto sob e sobre, dentro e fora

de nós como um cilício inominável:

fulvo e árido sempre, como a vida

que se escoa depressa na ampulheta.

 

2.

Aqui e ali, agreste, a imprecação

de um cacto verde, verdemente ereto.

(Deserto ubíquo, de ondas cor de tédio

que de Sodoma as chamas enxugaram).

Além da linha pura do horizonte

(se próxima ou longínqua, pouco importa),

espera-nos a zona proibida

de areias movediças, sorvedouro

infausto e sem remédio. Ora pró nobis.

 

3.

Depois deste deserto, mais deserto

sob o mármore vão dos epitáfios.

Sim, deserto. Se côncavo ou convexo,

ninguém sabe. Perpendicular, não.

Horizontal? Talvez. Talvez oblíquo.

 

4.

E todos naufragamos no deserto

insaciável como o tempo onívoro.

 

 

NAVIO FANTASMA

 

No meu leito de cinzas e de olvido

eu sinto e penso que fui barco outrora,

um barco naufragado, mas que agora,

no mar da carne singra, adormecido.

 

Algo de mim me conta o impressentido

segredo do que fui. Como que aflora

na minha mente a ideia redentora

de que talvez eu seja inconcebido

 

pensamento, corpóreo só no vulto,

mas de estrutura interna indecifrada,

de que talvez por sob o que há de sepulto

 

no mar onde há mil anos naufraguei,

eu tenha ainda a bússola encantada

à proa do fantasma que me sei.

 

 

SONETO COM TIGRE DENTRO

 

Construiu Mallarmé belo soneto

com rima em "yx". O meu será em "igre"

De Bengala, ou sem ela, louro e preto,

haverá nele (é necessário) um tigre.

 

Será um tigre lento, circunspecto,

sedentário: farei que nunca emigre

para Cabul ou Tebas ou Mileto,

Ur, Samarcanda (que o vulgo denigre).

 

Feitas as duas quadras falta agora

concluir os tercetos, um por um.

E se possível for, com chave de ouro.

 

Está próximo o fim. Pouco demora.

(Tigrina inspiração, tigre incomum:

chifres na testa, muge como um touro).

 

 

REVISTA DE POESIA E CRÍTICA. N. 12 -  Brasília, maio 1987*.  Diretor  Responsável: José Jézer de Oliveira.
* Esta data aparece como uma errata, mas no exemplar impresso aparece Dezembro 1986.                           Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 ELEGIA PARA JORGE LUIS BORGES
ENTRE OS ANJOS E OS SANTOS

I

 

 Se não me falhe a memória, foi
no "Elogio da Sombra" que disseste um dia:
em breve saberei quem sou. Enfim,
chegou a hora: sabes. Hoje sabes. Findo
o périplo de Ulises, eis-te de regresso
à Ilíaca natal. Não te aguarda Penélope
com sua teia sibilina. (O sibilino és tu).
Vais achar apenas, bem o sabes,
o que desde sempre procuraste:
a tua Clave, a Álgebra, o Espelho.
Prestidigitador e alquimista,
levaste num baú as tuas joias raras:
os símbolos, as metáforas, os arquétipos.
As fábulas. Os mitos. O ouro dos tigres
e o informe de Brodie. Tudo, tudo.


II

 

 +Eis-te exilado agora para sempre
da tua Buenos Aires luminosa e vaga,
com seus jardins de sendas bifurcadas
(quem sabe se não há outra
lá em cima, no País dos Anjos?)
Finda a tua viagem no vertiginoso
trem aéreo entre infinitos túneis
espelhados, eis-te enfim no Dédalo
no Labirinto-todos-os-labirintos,
aspirando o perfume clandestino
da Rosa-todas-as-rosas.

 III

Não mais hás de sentir, roendo-te as entranhas,
essa fome pungente das metáforas
inúmeras. Não mais te queimará
a tatuagem de foto do Aleph. Não mais
te afogarás nas águas do Mem ou do Shin
ou na febre de gelo da Cabala.

 Não mais hás de sentir na carne
o cilício do sono e da vigília.
(O Sonho, o Sonho apenas te bastará, desde
que seja eterno). Não mais a noite,
punhal de trevas insensato,
virá ferir-te a alma.


IV

 

 Agora, só a luz te habita, aguda
como um gládio: a Luz do Etéreo
(e a luz, talvez, do meigo olhar
da tua mãe Leonor). Vais ser de novo
o cândido menino que ela embala
no colo de alabastro. E nunca, nunca mais
ficarás cego, no meio de tanta luz.


V

Podes agora visitar, sempre que queiras,
Gnossos, em Creta, buscando sobre as pedras
o rastro azul do Minotauro.
Agora, a Eternidade inteira é tua.
Lá, todos os caminhos são retilíneos.
Lá, todas as ruínas são circulares.
Lá existe a placenta, a matriz de tudo:
Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Babilônias
e todas as espécies de Bibliotecas.
Lá tudo é perfeito e claro como o sol
e a criptografia foi extinta por decreto.
Lá, o xadrez é um mero jogo lúdico
e todos os signos são transparentes:
os tigres, as espadas, espadas.
Enfim, Borges, voltas a ser o Mesmo
depois de teres sido (perpetuamente) o Outro.

 

 

 VI

Não há dúvida, agora sabes quem tu és:
tigre a saltar no fundo dos espelhos
o teu rosto é teu próprio labirinto
sem saída.

 


REVISTA DE POESIA E CRÍTICA. N. 10 -  Brasília, maio 1987.  Diretor  Responsável: José Jézer de Oliveira.          
                                                           Ex. doação do livreiro Brito – DF

 


        
PENÉLOPE

      
Enquanto a noite cresce e a lua brilha
       faço e desfaço sem descanso a teia
       no tear infinito da quimera.
       Ulisses há de vir da sua ilha.
       Mas enquanto não vem, minha odisséia
       é ir tecendo, em pranto, a longa espera.


       OFÍCIO

      
Poeta, lavrador.
      
Charrúa, pá, semente:
       o verbo construído
       (em alegria e dor)
       no minifúndio isento
       e largo do silêncio.
       O trigo não demora
       a germinar no ventre
       da terra (em sua hora).
       urgente como o pássaro
       do tempo inexorável.
       Feita de verbo e espanto,
       enfeita-se a seara
       inconsútil do canto.


       THE MATER OF TIME

      
Mar em miniatura,
       finita imensidão:
       apenas água pura
       e cloreto de sódio,
       cheiro de solidão
       e sabor acre de ódio.
       Sem perdão.


       INTERSTÍCIO

      
Entre o silêncio macio
      
e a aspereza da palavra
       deslizam águas de um rio,
       como um enigma que lavra
       nas entranhas do momento,
       breve clareira encantada
       onde o látego do vento
       arranha os flancos do nada.


       SONETO DAS CARÍCIAS PLENAS

      
Nem beijos nem canções. Eu quero apenas
       sobre o leito da pele a tua mão
       fluindo como um barco de serenas
       ondas do mar mordendo a solidão.

       Desejo só, das tuas mãos morenas,
       andorinhas em busca de verão,
       o aceno iluminado de sirenas
       que no gesto de dar-se já se dão.

       Quero sentir teus dedos navegantes
       atravessando o mar de minha carne,
       em horas que são rápidos instantes,

       tão somente senti-los, breves sombras
       no silêncio da noite, sem alarde,
       antílopes sonhando sobre alfombras...


       UM PROFETA DO ALEIJADINHO

                    
De repente
                           iluminou-se
                    o gesto
                          de pedra
                    fria:
               como se a mão
                              se tornasse
                   álgida lâmpada
                                  acesa!
                            (maquinação,
                    alquimia
                          da beleza
                                  sem disfarce.)

 

[Poemas do livro A Sintaxe do Silêncio,
       ainda inédito em 1984...]
      

REVISTA DE POESIA E CRÍTICA    No.  17 – Brasília – São Paulo – Rio  -
Setembro  1993    Conselho Diretor: Afranio Zuccolotto, Cyro Pimentel, Waldemar Lopes.    112  p.
                                                       Ex. doação do livreiro Brito - DF

 

       POEMAS DE UM LIVRO INÉDITO

 

1

Cacto,
grito agreste
entre as areias fulvas
do deserto.

Lá onde a chuva
é seca, oblíqua.

E sonha que se afoga
no rio inumerável,
sob o olhar unânime
das estrelas
notívagas.

2

Metáfora
de Deus,
poema
concreto,

o mundo.

(Em sua avaliação,
estética, a crítica
diverge.

3

Pássaro implume,
canto.

Meu canto
é meu voo.

Minha mão exorciza
o espectro do silêncio,
esse clamor uníssono
de gargantas cortadas.

Canto, canto.

4

A areia breve      
da ampulheta exígua
nos sepulta.

A água
de clepsidra
nos afoga.

De qualquer modo, importa
resistir.

À lápide
e no naufrágio
inomináveis.

 

5

Oblíqua, a mão
Curvilíneo, o gesto
aceso como um gládio
em movimento.

6

Não procuro nos pássaros
em trânsito
a forma informe
as penas, os remígios,
o bico quase adunco,
passageiro.

Nem sequer busco aquele canto
grave que encontra o mundo
enquanto o mundo rola.

Quero achar neles,
simplesmente, a calma,
a pura essência alada,
o claro voo.


7

Silêncio: é alaúde morto
ou trompa congelada?

E dói nos tímpanos.
estilete de sombra
arcaico.

Longe,
um clarim,
de tule.

8

Abelha inquieta,
eu busco o pólen
da flora que és,
poesia.

9

Nômade faminto
de oásis,
cavalgo o dromedário
do sonho que em mim sinto,
estranho e vário.

Por toda parte
encontro só desertos
para dar-te.

E uma ou outra miragem
de um deserto menor,
ilha breve de areia
entre a areia que encontro
na viagem
que sei de cor.


10

A poesia não é água, é sede
antiga como o tempo
que uma ampulheta mede.

Deserto incerto,
o mundo
(longe ou perto)
em que me afundo.

Durmo desperto?

Agora,
como um abutre,
a sede me devora.

E nutre.

11


Mais que epitáfio
ou urna,
cada poema
é berço.

Embalando
uma voz
sempre menina.

12

Fazemos ao céu
a pergunta terrível
que estrangula
a garganta
dos pássaros

Nenhum anjo de Rilke
nos responde
com a voz de platina
e de cristal,
antiquíssima.

(Passa de leve
a tua doce mão na minha frente
febril, amor.)

13

Afogo-me no verbo
como quem se afoga
no mar:
pacificado
náufrago.

Algas, conchas, anêmonas, corais,
hipocampos macios de silêncio.

Busquem meu canto incólume
no fundo
do coração dos búzios.

14

Charco
minúsculo,
guardo
dentro de mim
um cardume de estrelas.

É visível, à noite,
o seu tremor
cardíaco.

(São elas que estremecem
os meus olhos que piscam,
inquietos?)

15

A noite medra.
No mundo
frio,
vão
me inundo
de vazio
e solidão
de pedra.

Aguardo o arrebol
que há de chegar,
tão certo como o sol
por sobre o mar.

(A volúpia
infinita
de estar só
contigo, amor.)

16

O meu olhar
medúseo
congelou
no éter as galáxias,
pirilampos.

E, lenta estalactite
semovente
uma lágrima
escorre
sob a pálpebra.

Que ânfora de jade
em mãos de porcelana
será para colher
sua essência volátil?

 

 

*

Página ampliada e republicada em março de 2023



      
 *

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023

 

 

*

 

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Página publicada em maio de 2021

Página publicada em setembro de 2015


 

 

 
 
 
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