JOANA CORONA
(1982-2014)
(Pato Branco, Paraná, 1982-2014). Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, transitou entre a poesia e as artes visuais. Coeditou, com Ricardo Corona e Eliana Borges, a revista de literatura e arte Bólide. Realizou exposições individuais no Brasil e no exterior. Publicou Crostácea (poemas, 2011) e rastros (livro-objeto, 2013).
PETRÓLEO
a Claudio Parmiggiani
sombra:
carne incorpórea colada no tempo.
corpo imaterial, ou a fisicalidade do ausente.
o negativo de uma materialidade anterior —
silhueta de fumaça na parede branca.
(o que se fotografa são fantasmas)
eu sou o livro-fogo que queima, negro.
estive sempre aqui (mas isso não é visível).
agora há o resquício,
e há também a imagem que me cria,
para que eu siga sendo
este outro.
agora sou um traço de pólvora
a fotografia-fuligem, a imagem-pó,
o livro espectro.
[poema publicado na revista Lado 7 - Editora 7Letras, outubro, 2012]
101 POETAS PARANAENSES (V. 2 (1959-1993) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Ademir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 398 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná)
COMPRESSÃO
zona esponjosa (de perigo), porosa, absorve: cresce, agrega limite, além. cantos aproximam paredes (nos lados) e teto (assim como chão, abaixo), sem abertura ou fresta, lugar impenetrável, a não ser. orifícios sinuosos, agrestes, espinhosos feito pele ouriçada, é preciso aprender fluidez de plasma, gosma. rastro doce de leSmA
que solta seu rastro doce. na superfície de pedra — inflexível.
tem outro jeito, um segredo vivido, é que de dentro, única forma, quando junto ao sangue, percorre o corpo todo, contagia, solidifica-se aos poucos, feito cálcio, magma congelando, esfriando gradativa fervura de latência, organicamente, corpo que cresce dentro do corpo, comprime.
DISFALGIA
cabeça dentro de cabeça dentro de. entre as pernas: desaparecem.
corpos adentrados, em confronto, simétricos, ombro colado n'ombro.
braço e mão, cruzados, fusão orgânica.
carnal, corpórea, e sobretudo íntima, construída.
primeiro apagamento: da cabeça, memória afetiva, mulas-sem. morte simultânea, instantânea, retículas de história.
um n'outro, entranhados.
lançar-se. fugir por onde matéria pode ser projeção. fundir vidas.
sobrepor, visceralmente.
em tempo fictício, forjado, passageiro.
talvez como ancestrais, engolir, fagocitar. do adquirir qualidades,
do morto.
comeram-se.
*
mão dupla, via de. vai e vem. via a dois. nheco-nheco. par
benfeito. me quer, bem. amor-perfeito, desfeito, beijo: beija-flor.
balança e dança, me quer, mal. leva e traz. outra, uma mão leva
(lava) a. bem, eu te quero, de dois em dois. cada qual, um igual,
olho no olho. boca por beijo, amores sobrepostos no tempo, outro,
um dia após o. come-come. mata -mata. de bens, comunhão total.
*
ruga no rosto minúsculo de pele porosa, vãos que marcam a rasante
do tempo no corpo imóvel, condescendente, e flácido, sobrevoo
obsoleto, miniatura artificial, criação imperfeita, lugar de mover-se, descamar, imposições abruptas desconexas, fluxos inconstantes,
abismos incuráveis: invisíveis, andar tonteado, tropeçando em
pequenas insistências, teimosias necessárias, envelhecer é coisa
que não se vê, porque se ignora. e a morte calça-te antes de
morreres, nos desvãos da tua cegueira.
Página publicada em maio de 2016
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