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JAIR FERREIRA DOS SANTOS
(Cornélio Procópio, 1946) está radicado no Rio de Janeiro desde a década de 1970. Foi editor da revista Veredas, do Centro Cultural Banco do Brasil. Publicou, entre outros, Kafka na cama (contos, 1980),faca serena (poemas, 1983), O que é pós-moderno (ensaio, 1986) e Cybersenzala (contos, 2006).
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná) Ex. bibl. Antonio Miranda
CASACO ATRÁS DA PORTA
Um corpo foi tormento nestes ombros
caídos, seguros pelo prego
que saqueia o coração
no ponto morto
da casa.
Acordam, com a manhã, em tua sombra
e estrias o terrível e o vadio
em certa história: aqueles ombros
despertando o pio da gralha coxa
com o velho Ford afogado na neblina
um alforje onde se ria
o relógio sem ponteiros
um revólver intrigando galos
e agapantos no terreiro da vizinha
até a chance tardia
que rabisca o relâmpago
num rosto emboscado.
Sou um gato na marquise.
Não me cabe nem me espelha
a pele que vestiu com fastos
um jaguar agreste na agonia.
A equação do Pai nunca é simples
nem sensata.
O TURBANTE
(Um objeto cripto-kitsch, como Édipo)
Magna e morna minha mãe
sai dos mistérios do banho.
Outra, não minha, regressa
mescla de iara e cigana.
No rosto traz rosa e pinho
no rebanho dos cabelos.
A pele não pulsa, prisma
no livre e lívido joelho.
A tarde aninha-se nela
vaga e verde na íris.
Da pelve nascem anéis
clãs de cellos clandestinos.
Em seu quebranto lacrados
meus olhos não são meu olhar
de salteador de toalhas
e cúmplice de peignoir.
Entre figos, seixos, pólen
e dois galos celebrando
ela se senta enredada
em recitais de turbante.
Jalousie toca no rádio.
Sobre a cabeça ela lança
retiária de sua aura
em rito a rede que dança
até que seus dedos tramem
com laços de secreta teia
três elipses de serpente
na sua fronte de ovelha.
E rubra ela para. Rente
à bissetriz do seu peito
move-se um lobo jovem
que não avança, enleia-se.
Leis no meu corpo volteiam.
Um beijo em mim se alastra
enquanto vigio cativo
da sua nuca encarnada.
Mas a sombra de emissários
com faca, acha e esgares
se ergue, quando um já me fere
e outro me faz: vai trai.
Quem? Eu, só pagem apenas
ao Rei? Tais todos estetas,
corsário, no olhar condeno-me
a imolar os dons da pele.
Sim, I am not prince Hamlet.
Sou sua lança impassível
indo a futuros turbantes
tomar tributos antigos.
Que este turbante em duas pontas
no pomo dos ombros se abre
em cem moedas ardentes
no branco sol da sua carne.
CERIMÔNIA EM SONHO
O arco e a lira medi
medi a corda à garganta.
Palmos de pátio medi
na crença de ser sumário.
E sem adágios eu disse:
Pai, pai, é grosso o galho.
Tambores e flautas em riste
latejam no meu cansaço.
Ele, finito, me disse:
Menino, aqui fique
quando a cadeira eu tirar.
Quero a mortalha tranquila
no riso do seu olhar.
CARTAS MATERNAS
As margaridas brotam
as salsas não e Bruto
fugiu. Diabo de cão.
Tia Emília me visita
mas de hipocondria e vida alheia
chega Maria, a lavadeira.
Fui à missa, fiz feijão,
costurei sem importância
e agora à noite a ventania
me atrapalha a televisão.
Neuza está grávida,
graças a Deus.
Eu tive sete,
começando com você.
Quantos netos acha
que devo querer?
Ninguém apareceu
na Semana Santa.
Nem você,
seu fariseu.
Como é longe o Rio
do Paraná.
Já se foi abril.
É com a geada
que sua carta
chegará?
Pego no álbum
ligo o picape
ouço o Moulin Rouge
de saudade
do seu pai.
E da roseira brava
na nossa casa
da minha tina
do balanço quebrado
dos meus turbantes
as lavandas velhas
e da esperança
nos anos 50.
Li o livro
que você esqueceu.
O tal Lady Amante
de não sei o quê.
Mas que livro horrível
de tão físico,
meu filho.
De tarde
ligo o rádio
ligo a tv
e canto sozinha
lá na cozinha
fazendo bolo
só de quimono
japonês. Aquele
que seu pai trouxe
da viagem aquela
a Assunção. Minha
boca beija
todos os santos
da casa.
O PINHEIRO
Encanta ou dana-me denso Pai.
Página publicada em setembro de 2015
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