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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GLAUCO FLORES DE SÁ BRITO

 

Glauco Flores de Sá Brito nasceu na cidade gaúcha de Montenegro, mas se mudou para Curitiba em 1937, aos 18 anos, onde se destacou na atividade teatral, tendo sido, com Ary Fontoura, fundador do Teatro  Experimental do Guaíra. Começou a publicar poemas nos anos 1940 e é autor de O marinheiro (1947) e O cancioneiro de amigo (1960). 

 

101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959)  antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI.  Seleção de Admir Demarchi.  Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.  404 p. 15X 23 cm.  (Biblioteca Paraná)  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

PERPETUUM MOBILE

 

Em ti começa o mundo

Vêm depois os acessórios: a luz

O verde murmúrio de pássaros

e o mar

 

O mar da vida nasce de ti

Vendaval e ternura, risos

de espuma, angustiosas vagas

Vida

 

Se te ausentas é tudo

morte, solidão

anulando o sol, árvores

riachos

 

A vida és tu

Começa em ti o mundo

consciente e a música

 

 

APARIÇÃO DE RIMBAUD NA OFICINA

 

Não foi sobre a nuvem

que o anjo apareceu, nu

seu busto, jasmim e maçã

curvado sobre a máquina

e a tinta da noite

tingia seus dedos

 

Dentro dos olhos uma borboleta

Rio de luar desciam os cabelos

 

Desde a aparição, que temo

e procuro

perdi-me da terra, anseio

nebuloso acorre-me

a cada instante, vivo

de pressentimentos

 

Porém longe do espaço

o anjo tem o céu na terra

e me sorri calado

entre sonho e carne

entre a tinta e o ferro

 

BALADA DE BELSEN

 

Mais forte que a voz dos vivos

e a voz dos soldados mortos

Na grande libertação

O clamor dos mortos, mortos

Nos campos de concentração

Incinerados nos fornos

Cadáveres contorcidos

Numa alucinação.

Os mártires da vitória

Que exigem reivindicação

Não podem ser esquecidos

Não, por muita geração

Fantasmagóricas sementes

De toda a libertação.

 

Oh, tu, das mãos decepadas

Oh, tu, sexo rasgado

Oh, tu, crânio esfacelado

Nas câmaras de "purificação"

Menino enterrado vivo,

Não esqueceremos, não!

Oh, ressequidas sementes

Semeadas nos fundos valos

Dos campos de concentração

Sóis as raízes fecundas

Da grande libertação.

 

Onde existir um tirano

Houver uma inquisição

Vossa lembrança na mente

Dos que viram nossos corpos

Convulsos, contorcionados

No estático ballet

A mente que vos lembrar

Derrubará o tirano

E a sua inquisição.

Membros desarticulados,

E rostos intumescidos

A imensa podridão

A que fostes reduzidos

Será bandeira, uma flâmula

Guiando à libertação.

 

Vós dolorosa semente

Do trigo da liberdade.

Que a todos dará o pão.

 

De Quatro motivos de crime passional

 

Para Dalton Trevisam

 

Terceiro

 

João esperou duas horas

a esposa

 

Maria chegou apressada

da rua

 

O jantar não estava pronto

A casa não estava arrumada

 

João não falou palavra

ficou de cara amarrada

Seguia a mulher pela casa

(Maria não notou nada)

 

Maria foi lavar as mãos

e disse: António,

me alcança a toalha

 

 

QUARTO

 

A angústia visitava o homem

três vezes por dia

o homem não sabia

o que fazer

da sua angústia

 

Bateu na casa do vizinho

A mulher deste atendeu

O homem contou da angústia

A mulher era compreensiva

Serviu chá com bolinhos

Ele disse que era só

Ela disse que também

se sentia muito só

 

A angústia deixou o homem

Mas ele vai muito seguido

tomar chá com bolinhos 

 

Fonte: http://eneaslour.blogspot.com.br/

 

BACK, Sylvio.  Cinquenta anos. Díário do Paraná. Edição fac-similar.  Capa : Guilherme           Mansur.  Reprodução fotográfica: Cadi Busatto. Coordenação gráfica: Rita de Cássia Solieri Brandt.  Projeto gráfico: Adriana Salmazo Zavadniak.  Curitiba, Paraná:  Itaipu Binacional, 2011.  S. p.  Inclui 7 folhas dobradas  94 x  1,26  cm., com imagens de páginas do suplemento literários dos anos 1959 – 1960, acomodadas numa caixa de papelão 35x 48 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda. 

 

 

integração

    glauco sá brito

 

Ele queria ser o sol e as formigas
com suas migalhas de pétalas e folhas
E ser a terra e os pássaros
que constroem os ninhos
Queria ser água  córrego  rio  oceano
e os peixes silenciosos
Ser a pequena rã que salta
e os círculos no lago
Ele queria ser o vento

Queria ser a relva florescida
e ser o orvalho
Ser o gado que pasta e a abelha
e o pólen  a colmeia  e o mel
Queria ser o operário na oficina
e a criança na escola e a merenda
no recreio

Ele queria ser o desvelado amor
da mãe ao é do berço
e a canção de ninar e o menino
que dorme e o próprio sonho
Queria ser o cuidado da avó
feito de mansidão e fabulosas histórias

Ele queria ser o coração do amigo

a palavra de compreensão e estímulo
E a ansiedade do amante desprezado
que espera através da noite
e da angústia
E ser a calma da afeição correspondida

Queria ser as barcos que partem
e o sulco que proa abre em líquido
e ser o marinheiro
e a canção que sobre para a noite
e ser a noite em tempestade de estrelas
Ele queria ver a locomotiva e os aviões
e a multidão em viagem

Queria ser a máquinas e os teares
O linho alourado  a messe e os ceifeiros
E ser o fio e o lenço que acena
e a toalha na mesa e os lençóis de noivado}
e ser os noivos

Ele queria ser as emoções
do povo e ser o povo
com sua energia e esperança
Ser a mão que abre a prisão e semeia
o trigo e ser o trigo
a farinha  a faina junto ao forno
e ser o pão

 

E assim, um dia — deslumbrado
e humilde  — escreveu seu primeiro verso

 

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Poema publicado no domingo 20 de dezembro de 1959

 

 

problema do cão

 

Tenso e silente
o cão espreita
a cauda móbil
que lenta acena
Estranho órgão
a que me prendem
por certo pensa
e assim mordê-lo

Gira e reagira
e nem tocá-lo
pode, pois o rabo
o acompanha
nos rodopios
sobre si mesmo
Eis para tensos
e olha silente
o estranho apêndice

Depois uiva, gene
e enfim se deita
e os olhos pensam

 

Poema publicado no dia 29 de janeiro de 1961
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do esperar

Sem ternura ou procela
no ato, isento
do que não seja espera

Nem aberto ao muito
ou descrença
edifica-se o mundo

com um quase nada
de vidro
e de silente pedra

Revestir a face
com o impassível
limo da espera

 

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Poema publicado no 12 fevereiro de 1961
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Página publicada em fevereiro de 2021

Página publicada em setembro de 2015


 

 

 
 
 
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