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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GILMAR LEAL SANTOS

 

Gilmar Leal Santos é paranaense e vive em Maringá – PR, autor dos livros de poemas Trapezista (2006), Carmesim (2010), Cartas Poéticas (2017) e Hoje o Mar Está Calmo (2018); publicou, também, a tradução com notas explicativas do poema “The Waste Land” de T. S. Eliot, A Terra Árida, em 2018.

 

 

 

 

Ex-voto suscepto

 

“A uns, Deus os quer doentes,
a outros quer escrevendo.”

                              Adélia Prado

 

A pé,

lanço-me pelo acostamento da Dutra,

 

desde São Paulo até Aparecida,

de fio a      pavio.

Num frio desajustado de outubro

                expio meus pecados recidivos,

remoendo os registros, e gritos,
e pensamentos que tenho
para desenlaçar este embaraçado,

este nó na garganta que me sufoca,

                desde há bocado,

que não tem remédio nem sentido.

 

Quando eu era criança,

há meio mundo atrás,

já sentia essa dor na alma,

dor doída que dói não se sabe onde,

difusa, confusa,

obtusa dor de remendo de coração;    

talvez por causa de meu coração doce

num mundo duro.

Depois eu cresci, mas outra dor me espetava:

Aquela que vinha pela falta de brio
para testemunhar minha fé
para um mundo duro;

então, as dores fizeram-se de cão velho e ficaram.

 

Nesta romaria,

faço-me de parvo, não carrego ex-voto algum

porque não sei como fazer um que se pareça com as
dores que sinto.

 

Sonho pela mão de um outro que não fui,

aprendo pela mímica e pelo exemplo.

As intenções, penso, valem mais;

me convenço disso pouco a pouco,

desde que comecei a ensaiar essa desculpa.

 

Meu Deus! Esta estrada não acaba nunca!

Minha roupa é meu traje de luto e meu traje de festa.

Quando chegar à sala dos milagres,     

com traje de festa, deixarei minhas dores,

deixarei de perguntar se Ele não quis que sua obra nascesse;

deixarei minhas outras dores e, por fim,

improvisarei uma reza, dessas de romeiro,

para valer de ex-voto.

 

 

 

Eu não sei a tua caligrafia

 

Eu não sei a tua caligrafia!
Não sei se sabes fazer
um volteio a mais na letra g maiúscula,
não sei se saberia ler as tuas letras.

Mesmo assim,

das artes todas, eu escolho o teu manuscrito,

que seja uma lista de supermercado

feita por tuas mãos

ou, mesmo sem laços extras,

um texto breve

sobre a distância, a recordação e o consolo;

sobre o tempo

que amansa o amor,

que amarela as folhas caídas no pátio,

que acumula poeira nos batentes das janelas,

que me fez desse jeito t(m)eu.

Se quiseres,

eu te dou todas as palavras que conheço,

as cinzas para serem colocadas sobre as palavras e

os poemas que moldam as cinzas

de um tempo tardio e descompassado dos nossos anseios.

Senão, escreve apenas:

“Esta noite você não vai me esquecer,
suas mãos suportam o peso da minha cabeça,

meus pés o dos nossos ossos.”

E eu decifro tu.

 

 

 

 

Atalaia

 

                Andante Moderato

 

Neste país, imensidão

onde vivo,

onde meus pés, em suas costas,

salgam-se no Atlântico,

onde, em suas fronteiras secas,

o português é atalaia atento

que separa nossa latinidade

e nos sentencia à solitude.

 

Neste país múltiplo de múltiplos países

onde vejo, onde vejo
as Três Marias e vejo

Antares – a dama de vermelho

no coração de Escorpião –

destacada em seu lábaro

que é palavra sem pista de significado.

Neste país, futuro mais-que-perfeito,

multicaos, multitudo;

sem freio, sem plano b:

eu escolho ser cordial!

Eu escolho rejeitar a herança genética de Macunaíma.

Eu escolho rejeitar o jeitinho

e rejeitar a mandriice...

(Bom!, não após a feijoada de sábado!)

 

 

                                                       Adagio

 

Neste país, onde vivo,

o céu – lá onde mora um conterrâneo –

às vezes se esquece de ser azul, ainda assim

“Dizem
que em alguma parte

parece que no Brasil
existe

um homem feliz.”

 

 

 

Dia dos Pais

 

                                Para Theo

 

Quando eu era moleque novinho

eu achava meu pai o homem mais bonito;

seu rosto com o cheiro azul turquesa da Aqua Velva

foi o que me deu o aroma do gosto de infância.

Hoje, crescido e senhor do meu fado,

volto a percorrer o inverso desse caminho

– já sem vestígio de lágrima ou dor –

e reencontro, sem ter previsto, aquela lembrança

que vivia dentro de mim, adormecida,

sem pulso, sem hálito e sem arrependimento.

O cheiro azul da Aqua Velva foi como um susto

para despertar o coágulo de saudade.

 

E fui me sabendo por aquilo que eu perdera
e fui me perdoar pelo olhar que ganhei de meu menino.

– Quem eu quis enganar, a não ser eu mesmo?

Nenhum pai é mais bonito que seu filho.

 


As coisas querem viver

 

As coisas querem viver,          
Pedras, grama, bactérias, leões marinhos…

E eu, sabedor de anseios, lhes atiro,

Sem piedade,

Uma poesia à queima-roupa;
E se um me pergunta:
“Por quê?”

Digo:

“Para que vivam!
Nem que seja pela duração de um suspiro.”

 

 

 

 

 

Página publicada em julho de 2020


 

 

 
 
 
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