EDUARDO SIQUEIRA
Poeta paranaense (de Maringá), nasceu em 3 de Julho de 1984.
O VENTILADOR E A BACIA
o ventilador dissemina umidades pelo quarto
os poros gradativamente resfriados não
escutam os rumores de água na bacia
escamas que se formam na memória
enquanto se morre entre os cogumelos d
e mais um novelo de sono
e uma velha, uma bruxa, uma valquíria
lady macbeth dormia debaixo da cama
ao lado de um machado que arrastava
pelas ruas com receio de que a noite
fosse muito maior que seus olhos mudos
e frios como as pessoas que se
cruzavam pelas esquinas nubladas
trocando cumprimentos apenas
percebidos no movimento árido
das pálpebras
submersas num lago de olheiras
que lembra muito uma bacia de
onde não se escutavam os rumores
de água turvada por um ventilador
que dissemina umidades pelo quarto
PRESENTE
o pensamento
querendo tocar o objeto
paredes que se rompem
ao contato de uma luva
o embrulho nas mãos
se desnuda dos laços
e revela o vazio
em que se vê
perplexo
você rega a fluidez
da própria pele
um naco de metafísica
sobre a cama
um cadáver manipulado
a silêncio e bisturi
espaço de uma sala
incontinente
RETRÁTIL
respirar nas folhas do álbum
o gosto de casa velha dos avós
quando eram vivos e nos
enchiam de sorrisos quentes
com manteiga
bolinhos de chuva
no telhado
[eu sentia cada golpe]
o escuro estreita as paredes
e um senhor desenterra da boca
uma lâmina mais fria
que o inverno em seu rosto
o tempo
repousa nos móveis
revoada em papel de seda
passos minerais
no relógio de alguém
que se aproxima
o sem fim de
se apagar os olhos vítreos
[não sou mais o mesmo]
solidez-de pó sobre a cadeira
[sou ainda e tantos outros]
o infinito e
a sucessão dos mesmos quadros
Página publicada em março de 2020
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