Foto: www.bemparana.com.br
DOMINGOS PELLEGRINI
(Londrina, 23 de julho de 1949) é um escritor brasileiro.
Entre as suas obras destacam-se Terra Vermelha, que conta a história da colonização do Paraná, O Caso da Chácara Chão e O Homem Vermelho, tendo por estas duas últimas obras ganho o prêmio Jabuti.
Nasceu e vive em Londrina, onde estudou Letras. Trabalha com jornalismo e publicidade. É autor de contos, poesias, romances e romances juvenis.
Vive atualmente na Chácara Chão, em sua cidade natal, de onde envia colunas para o Jornal de Londrina e para a revista Globo Rural, entre outras publicações.
O livro de contos O Homem Vermelho, sua primeira publicação, lhe valeu o Prêmio Jabuti em 1977. Em 2001 foi novamente agraciado com o Prêmio Jabuti (juntamente com Milton Hatoum e Patrícia Melo) pelo romance O caso da Chácara Chão.
Fonte: wikipedia
CALMA, ANA
Goteira
na escuridão da casa
pingo
sangue de virgem
no colchão
pingo
mas ninguém é virgem não
ninguém, Ana, ninguém
todo mundo já sangrou na vida
nascer é sangrar a mãe
viver é uma sangria
pingo
engraçado, Ana, a gente
simplesmente esquece
que tem isso dentro
esse caldo vivo
correndo
pingo
sangue, Ana, sangue
o mesmo sangue vermelho
que renasceu na cruz
e escreveu o Evangelho
condenou Jesus
depois caiu de joelhos
pingo
e alguém, Ana, agora
pingo
agora mesmo
despeja nos bueiros do mundo
o sangue do desespero
pingo
espreite
nos becos e encruzilhadas do tempo
a palavra sangue
escrita a sangue
pingo
os arbustos inclinam
em emboscadas
o vento se organiza
em coro de condenados
os galhos dramatizam
forcas foices espadas
a árvore se equilibra
em borrões coagulados
pingo
as goteiras trespassando a casa
baionetadas
pingo
o amor sangra a primeira vez
para lembrar:
sempre há de sangrar
sem a gente perceber
pingo
eu te olho, você
me olha, Ana, nos olhos
me cai um pingo no peito
e te sai sangue do colo
pingo
não fique assustada
é sangue, não é nada
somos vítimas vampiros
nas veias da vida
bebe nosso espírito
Extraído de
O SACO – 4º. CADERN0 – No. 4 – SETEMBRO – 1976. p. 9
Revista mensal de cultura. Fortaleza, CE: OPÇÃO Editora Promoções e Publicidade Ltda.
Poemas de Domingos Pellegrini Jr.
DIAS DE CHUMBO
Dia de chumbo, espinhas de peixe
na madeira da mesa, rios de sono bruto.
Pardais são uma praga. O leite azedou.
O dia desentope devagar as janelas.
Levanta, mulher. Conforme Alice.
Hoje é dia do nosso desaniversário.
Não teremos festa e não sorriremos.
Pesam toneladas nossos calendários.
QUADRAS
Num porão cantei sozinho a multidões.
Num pedaço de muro aprendi o alfabeto.
Recebi as moedas do salário
mas nunca tive tempo de contar dinheiro.
Fiz o coração de cera, olhem
como amasso e desamasso o coração.
Nos túneis da noite berraram os povos
e meu filho desceu de manhã.
Estive ao lado de quem me abandonou.
E decerto alguém ficou me esperando.
Trabalhei sem ver meus companheiros:
para que estava eu trabalhando?
Engoli a sopa das cebolas roxas.
Mastiguei o bife dos bois assustados
— talvez por isso me acordava,
agora estou pronto: amar, se odiado.
Vim vindo o que procuro, cheiro no ar,
que não me falte medo nem coragem.
E, por tudo que errei, tenho certeza,
mesmo sem passaporte ainda farei viagens.
INSETOS
Os pernilongos sumiram.
Nas noites de tempestade
aonde vão os insetos
que nada tem a quebrar
e tudo pra ser quebrados?
A boca da calha esgota
água em golfadas. Parece
a casa escarrando, lavrador tuberculoso.
Pai do Céu, eu que não te conheço
nem te procuro na noite arregaçada,
vejo o céu que está arrebentando
e os pedaço amontoam mas suponho,
como num sonho sem saída. Todos
os insetos decidem defender a vida
e procriam ferozmente nas enxurradas.
Tempestades não são feitas de relâmpagos
nem de chuva, trovões nem ventos,
mas da morte coletiva dos insetos.
Amanhã estarão no dia limpo
de novo corroendo e equilibrando a vida,
roendo a barba e os ossos dos elementos
numa insistência humana, o povo dos insetos.
PÁGINA ABERTA – REVISTA DE LITERATURA, ARTES E CIÊNCIAS. 1 / 2010 Diretor: Arnaldo Paiva – Editor: Rosalvo Acioli Júnior. Maceió, Alagoas: 2010. 62 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
O cansaço das rimas
Quando estrondou um trovão
o poeta enfiou a mão
no velho cesto de rimas
— e as rimas energizadas
fugiram de seus artelhos
— Não me junte com Açoite!
(anunciou a Noite)
Eu me recuso! — e as rimas
em debandada caprina
pularam por todo canto
para ficar espiando
o poeta a se coçar
— Por que está se coçando?
(perguntou Amor à Dor)
— Deixem ele se coçar!
(falou a Flor). Companheiras!
A mania de rimar
é uma sarna coçadeira...
Concordo, falou o Dia
Eu também, gemeu o Mar
mas o que dizem as ondas?
Estamos aqui quietinhas
(cantaram em coro as ondas)
cansadas das velhas rimas
Responde. Esconde e Aonde
Vocês são uma bobinhas
(rapeou o Coração):
pior é a sina, meninas,
de quem rima com perdão
com vontade de enganar!...
Aplaudiram se odiando
rimas muito desgastadas:
Madrugada e Alvorada
Ilha, Quilha, Maravilha
Joelho, Velho, Evangelho
Alma e, claro, Calma,
Vagalume, Perfume e...
— Ei, (gritou Estrume) por que
nunca me rimam vocês?
Bosque sussurrou o Quiosque:
— Saudade de quando havia
rimas rimas e preciosas...
— Cala a boca, sua fresca!
Rima rica é horrorosa!
(as rimas pobres gritaram
em coro, e silenciaram)
E no alvoroço geral
escondidas pelos cantos
pensaram rimas tonantes:
todos fosse João Cabral
haveria na poesia
rimas novas e bastantes
— Rima é coisa romântica
(diz a poesia concreta)
é como usar picareta
em vez de física quântica!
— Mas você rimou, cretina!
(sibila a palavra Rima)
Foi sem querer, sem querer!
(defende-se o concretismo)
e então o Abismo aproveita
para ressoar com eco: )
— Que chatice-ce, que saco!
Deixem às rimas viver
deixem as rimas cansar
e renascer! Quem quiser
que rime, quem não quiser
não rime, como o dia
é dia com céu nublado
como um céu azulado,
só não pode faltar sol
nem pode faltar poesia...
*
Página ampliada e republicada em abril de 2023
Página publicada em junho de 2010; página ampliada em junho de 2018 |