DIAS DA ROCHA FILHO
Joaquim Dias da Rocha Filho (1862-1895): seus poemas só foram publicados em um único livro Poesias (1916).
É
considerado o mestre parnasiano no Paraná. Foi tradutor dos poemas do Lord Byron (Parasina e Ponte de
Abidos).
ROCHA FILHO, Joaquim Dias. Poesias. Curitiba: Edição do Centro de Letras do Paraná, 1916. 322 p 13 x 18 cm Ex. bibl. Antonio Miranda
OS ARGONAUTAS
"Nos recortados golphos da Morèa
Vae a monção propicia aos navegantes,
Emquanto o sol com raios flammejantes
Mares e ecos de purpura incendeia.
A marinhagem vigorosa alteia
Da larga vela os pannos triumphantes;
A quilha, ao som dos ventos sibilantes,
Ringe, de leve recortando a areia.
A multidão, no porto agglomerada.
Segue a manobra, — a vista embaciada.
Represa a voz nos Ímpetos do choro...
Sôa o momento extremo da partida:
E a aventureira barca audaz e ardida
Move a esperança da tosquia de ouro.
MARINHA
" É sumptuosa e esplendida a moldura
De ouro lavrado: embaixo, a um canto della,
O nome desse que traçou aquella
Obra de mestre e enlevo da pintura.
Vê-se no ultimo plano um barco á vela,
A distancia em que o azul do ceo mistura
A plúmbea côr á corda vaga escura...
Esplende a lua scismadora e bella.
Na linha torva o inhospita das fragoas
A multidão colérica das vagas
Salta, espadana, e os vagalhões espraia.
Ao silvo atroz das ondas, que parecem
Coroadas de chammas, estremecem
Nervosamente os ângulos da praia.
CAMÕES
"Entre as novas do reino que trazia
A não possante, mal chegada ao porto,
Diziam que ella (horrível desconforto!)
Que ella ficara inanimada e fria.
Com o coração minado de agonia,
Elle ficou allucinado, absorto,
Triste como Jesus scismando no Horto,
— Aquella nova aspérrima, sombria.
E á larga voz santíssima das aguas
Que se espalhavam perto sobre as fragoas
Num soluçar metrificado e triste,
Gemeu então com voz entrecortada
Essa nenia de lagrimas banhada:
—Alma minha gentil que te partiste.
CHOREI SONHANDO
"Chorei sonhando: sonhara
Que tu penderas sem vida...
Despertei, e pelas faces
Correu-me o pranto, querida.
Chorei sonhando: sonhara
Que me deixavas, tão linda...
Despertei, e amargamente
Chorei longo tempo ainda.
Chorei sonhando: sonhara
Que ainda me amavas, mulher...
Despertei, — de então meus prantos
Não cessaram de correr.
FLORES MURCHAS
Un souvenir heureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur.
A de Musset.
Estas rosas desbotadas
Que eu possuía guardadas,
E que guardadas mirraram,
Vêm-me trazer á lembrança
Meus amores de creança,
Dos tempos que já passaram.
Quando partiste — essas flôres
A pouco e pouco os odores
Foram perdendo, coitadas!
E agora venho encontral-as
Já sem viço e já sem galas
Nas seccas hastes mirradas...
Ai! como eu amo estas flores,
Que me vêm falar de amores,
Que me vèm falar d'alguém!
Sim! que o ramo sem perfume
O meu passado resume
E o meu futuro também.
Escola Millitar, Novembro de 1880
DE MANHÃ
Como noiva, que tímida pretende
Sob os véus occultar a face amada,
O dia pelo espaço a luz estende
Entre as turvas neblinas da alvorada.
Myriades de pássaros na estrada,
Soltando endeichas que ninguém comprehende
Cortam o ether, rindo á madrugada,
A madrugada que os escuta e entende.
Como esta hora a passeiar convidai
Sente-se a alma embriagar de vida
Ao frio sopro das profundas grotas.
Como fôra 9uave, ó minha amada,
Junto comtigo, ao frio da orvalhada,
Pela relva correr... ás cambalhotas.
Parahyba do Sul, Julho de 1881.
EPITÁPHIO D´UM PARIÁ
. . . je ne suis qu'tín enfant qui soutfre,
A. de Musset.
Quando eu chegar á desejada meta
Do destino cruel, que deu-me a sorte,
E na morada plácida, quieta,
Da vida as fontes sopitar-me a morte...
Quando alfim descançar minfralma inquieta
Do rude padecer ingrato e forte,
Não chorem o que foi talvez poeta
Do amor nos estos, no febril transporte..
Escrevam me na pedra mortuária,
Na misérrima lousa solitária.
Limpa de prantos, de sentidos ais:
"Não despertem o louco: está sonhando!
Fez jús á campa quem viveu amando
E que ninguém comprehendeu jamais...
Parahyba do Sul, 12 de Julho de 1881
A ESPERA
O silencio campeia sobre a villa,
Mudo, pesado e triste. O sol que morre,
Do rio se revê nagua tranquilla.
O vento a matta a soluçar percorre.
A rua está deserta. Vè-se á estrada
As barrentas montanhas colleando
Como uma fita suja, amarellada,
Um grupo de bebés vagabundando.
Um bm meditabundo furta á grama
Os macios, os trémulos raminhos:
Uma gallinha cacareja e chama
A ninhada de ariscos pintainhos.
Pensativa á janella, costurando,
A flôr da villa, em negra anciedade,
Saudosa espera; para a estrada olhando,
O noivo que se foi para a cidade.
Parahyba do Sul, Junho de 1881.
PLENO AZUL
Corresse a nossa vida assim continuamente!
Isto, sim, é viver, e isto consola a gente.
Tendo-te a mão segura entre as minhas, cravando
Os meus olhos em teu olhar tímido e brando.
Como que os laços vis da matéria rompendo.
Vou. do espaço atravez, ascendendo, ascendendo.
Morre abaixo de mim, como um trovão distante,
0 confuso rumor, o murmúrio arquejante
Do que a existência tem de pequenino e immundo.
Luctas, revoluções que assoberbem o mundo.
Paixões que o coração dos homens dilacerem,
São indistinctos sons. amor! que me não ferem
0 ouvido, onde só ha logar para o que dizes.
Tendo-te ao lado, sou feliz entre os felizes:
Como que, quando, a sós, posso ouvir-te e falar-te,
Abre Amor para mim uma existência á parte.
Cuido que este divan toma outra forma: agora
É um navio que foi pelo oceano fóra
E parou, porque o vento escaceiou nas velas.
Toda a tripulação, junto á murada, aquellas
Profundas solidões do infinito oceano
Olha. Nos mastros cáe, silencioso, o panno,
Movem-se as ondas numa indifferença quieta.
O meu sonho é tão vivo, a illusão tão completa,
Que me parece ver, no resplendor macio
Do sol no occaso, o ideal e distante navio
Quedo, immovel, no mar, da róta descuidado.
Como grande albatroz que o corpo fatigado
Detivesse no azul, sobre o oceano immenso,
— A Africa a um lad« e do outro a America, suspenso!
Encruzilhada, 1887.
Página publicada em setembro de 2019
|