Fonte: http://revistaumconto.wordpress.com
ADRIANO SCANDOLARA
Adriano Scandolara, autor do livro Lira do Lixo, nasceu em 1988. É tradutor e sente a necessidade cármica de compensar com poesia as coisas sujas que faz por dinheiro. Formado em Letras, utilizou o mestrado como desculpa para traduzir Shelley. (Des)contribuiu já para revistas como Babel Poética, Mallarmagens e Germina. Ganhou uma menção honrosa no Prêmio Off-flip 2012, mas não sabe o que fazer com ela. Mora num prédio feio de Curitiba, com vista para um fosso e um recorte mínimo de céu.
SCANDOLARA, Adriano. Lira de lixo. São Paulo: Editora Patuá, 2013. 100 p. 14,5x20 cm. ISBN 978-85-64308-90-9. Projeto gráfico, capa e ilustração de Eduardo Lacerda. Col. A.M.
Do progresso nas profissões
Não se vê daqui, mas sei
que a prostituta na rua
tem um olho de vidro,
É mais aparente o gancho
na mão esquerda
ou, mais à luz, sob o poste
a prótese
da perna.
A insaciedade da fome de carne
que tem que se satisfazer
com borracha.
É tempo de fetiches, pessoas
que se fazem fetiches.
Servir-se
da prostituta na rua
não era tanto sexo com gente
quanto era sexo
com coisa
tevê, geladeira,
sonho transerótico do transumanista.
A arte de governar
O que segura o mundo,
represa o mar de escombros
da queda de edifícios
pilastras governos
revolta e violência popular
deserto de pó e ossos
sob um céu tombado
barbárie e penúria,
(de resto,
burocracia)
é barbante e fita-crepe.
Eurídice
Até o tempo se perde
nesses negros córregos, vias
pálidas entre os prados
amontoados de lixo.
Embora rápido, o olhar
jamais voltado pra trás
em muito se confunde com o de um
cabresto.
Até encontrar o sol
e se dar conta
de estar só.
E ela?
Muda sombra, o que disso tudo achava
ninguém jamais perguntou.
Id(iot)eologia
...that common, false, cold, hollowtalk
Which makes the heart denythe yes it breathes
Shelley
Pobre
ou mata ou se mata
pra ser rico,
rico mata
pra manter-se rico,
monges marxistas expiam pecados do mundo
batendo o Manifesto na testa, i
Sem revolução
sem juízo final
os mortos mantêm-se mortos
e os vivos os invejam.
BABEL poética. fronteiras Ano 1, no. 3 – junho/julho de 2011. Tradução e Crítica. Editor Ademir Ademir Demarchi. Santos, SP: ISBN 2179-3662. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
CINCO GLOSAS SOBRE PICHAÇÕES
QUE AS IDÉIAS VOLTEM A SER PERIGOSAS
tripas sacerdotais enforcando
deputados
dependurados
como piñata que estoura de tanto ouro
som
de balões e homens-bomba
pela cabeça
ribomba
viola
a violência do silêncio
Mas nestas mãos
estertorantes prestiditadoras
de multidões estupefatas
ecoa a Palavra
de um pacifista cabeludo e vagabundo
— e olha no que deu.
ESSE EPISÓDIO
DA REALIDADE
QUE CHAMAMOS IMAGINAÇÃO
mais obrigatório que
cinto de segurança nessas
ruas cinzentas — ou o cinza
se espalha — malabaristas
de calças coloridas
deixam o terrenos dos sonhos
e mendigam.
O OUTRO É O ECO DO EU
não há limites para
o ensimesmar-se enfurnado nos carros.
e os ônibus
cavernas
de tantos ecos se
mesclando — meditando
se elimina o mundo
— o despertar
de buzina e xingamento.
ENRAGEZ-VOUS
que je suis déjà emputé de la visage
faz um tempão
flama controlada de boca de fogão
que apaga e acende
e ninguém age, nem faz nada.
deixando a besta sozinha
ensandecida a bate
a cabeça contra os muros.
CRISTO REINA
mas não governa.
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Página ampliada e republicada em março de 2024
Página publicada em setembro de 2013.
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