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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Fonte: sapo.pt/radionovela/

ZE RAMALHO

 

(José Ramalho Neto) — Brejo do Cruz, PB, 03-10-1949.

 

Livros: Apocalypse (1975), A Peleja de Ze do Caixão com o cantor Zé Ramalho (1981) e Carne de Pescoço (Ed. do Aulor, 1982) Compositor, cantador, cantor popular e estudioso do romanceiro nordestino, iniciou sua carreira artística participando no disco e filme de Tania Quaresma, Nordeste: Cordel, repente & canção. Intérprete de vários LPs, Cds e Dvds desde Avohai (1977).

 

 

se fosse fácil, lodo mundo era.

se fosse muito, lodo mundo tinha.

se fosse raso, ninguém se afogava.

se fosse perto, lodo mundo vinha.

 

se fosse graça, todo mundo ria.

se fosse frio, ninguém se queimava

se fosse claro, todo mundo via.

se fosse limpo, ninguém se sujava.

 

se fosse farto, todos satisfeitos.

se fosse largo, tudo acomodava.

se fosse hoje, lodo mundo ontem.

se fosse tudo, nada aqui restava.

 

se fosse homem, junto com mulher

se cada bicho, fosse como vou.

se fosse tudo claro pensamento

nesse momento, nada se criou.

 


Extraído da obra ANTOLOGIA DA NOVA POESIA BRASILEIRA. Organização de Olga Savary. Rio de Janeiro: Fundação Rio/ Rioarte, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; Editora Hipocampo,1992.

 

 

De
Zé Ramalho
CARNE DE PESCOÇO
s.l.: sem editora, s.d.  (1982?)
Produção: Departamento de Arte CBS. Ilustração: Totonho Laprovitera,
diagramação e arte:    Thereza Piscitelli.  Formato 29,5 x 21 cm. 
Papel couchê, capa dura. O exemplar na coleção A.M. tem os autógrafos
 de Zé Ramalho, de João do Vale, e das cantoras Miúcha e Amelinha.

 Zé Ramallho é u,m bardo cantador. Neste livro, José Nêumane Pinto o apresenta: "Zé é oral" (...) "Zé é um vento que sopra no nordeste. Zento nordeste (...) Ou seja, para entender Zé Ramalho é preciso primeiro desentender, desenrolar e enrolar."

 

BOMBA DE ESTRELAS
Dedicado a Jorge Mautner

nem toda nota é o tom,

nem toda luz é acesa,

nem todo belo é beleza,

nem toda pele é vison.

nem toda bala é bombom,

nem todo gato é do mato,

nem todo quieto é pacato,

nem todo mal é varrido.

nem todo preso é punido,

nem todo queijo é do rato.

 

nem toda estrada é caminho,

nem todo trilho é do trem,

nem todo longe é além,

nem toda ponta é espinho.

nem todo beijo é carinho,

nem todo talho é um corte,

nem toda estrela é do norte,

nem todo ruim é do mal.

nem todo ponto é o final,

nem todo fim é a morte.

 

nem todo rei é bondoso,

nem todo rico é feliz,

nem todo chão é pais,

nem todo sangue é honroso.

nem todo grande ê famoso,

nem todo sonho é visão,

nem todo pique é ação,

nem todo mundo é planeta.

nem toda pena é caneta,

nem todo certo é razão.

 

nem todo claro é clareza,

nem todo brilho é da luz,

nem todo cristo é o da cruz,

nem todo crime é defesa.

nem todo truque é proeza,

nem todo alto é altura,

nem todo quente é quentura,

nem todo prato é bandeja.

nem toda luta é peleja,

nem toda noite é escura.

 

nem todo coxo é perneta,

nem todo doido é demente,

nem todo grão é semente,

nem toda cara é careta.

nem toda mala é maleta,

nem todo verme é minhoca,

nem todo milho ê pipoca,

nem todo santo é catimba.

nem todo poço é cacimba,

nem toda fala é fofoca.

 

nem todo tiro é de bala,

nem toda cobra é serpente,

nem todo sol é poente,

nem toda boca é a que fala.

nem todo quarto é senzala,

nem toda conta é exata.

nem todo couro é chibata,

nem todo peso é medido.

nem todo grito é sentido,

nem todo verde é o da mata.

 

nem toda faca é punhal,

nem todo corte é ferida,

nem toda guerra é vencida,

nem todo vago é banal.

nem todo gênio é o tal,

nem todo velho é idoso,

nem todo dengo é manhoso,

nem toda conta é correia.

nem toda linha é uma reta,

nem todo fraco é medroso.

 

nem todo fogo é fumaça,

nem todo fumo é tabaco,

nem todo furo é buraco,

nem todo pátio é praça.

nem todo dia é de graça,

nem todo peixe é do rio,

nem todo são é sadio,

nem toda cabeça pensa.

nem todo crime compensa,

nem todo gelo é do frio.

 

nem toda horta é canteiro,

nem todo monte é colina,

nem toda viola afina,

nem todo galho é poleiro.

nem todo rock é santeiro,

nem todo homem é tanto,

nem todo véu é um manto,

nem todo olho é vazado.

nem todo terço é rezado,

nem todo choro é um pranto.

 

nem toda goma é chiclete,

nem todo baço é bacana,

nem toda gente se engana,

nem toda vamp é vedete.

nem toda mão se intromete,

nem todo caso é paixão,

nem todo leque é pavão,

nem toda cerca separa.

nem todo peso é a tara,

nem toda vara é condão.

 

nem todo pó é poeira,

nem todo ventoé soprado,

nem todo leite é coalhado,

nem todo filtro é peneira.

nem toda folha é parreira,

nem todo bicho é papão,

nem todo aperto é de mão,

nem toda raça é humana.

nem toda mente é insana,

nem todo ente é irmão.

 

nem todo grão é semente,

nem todo barco é vapor,

nem todo grito é pavor,

nem todo sol é nascente.

nem todo elo é corrente,

nem todo filho tem pai,

nem tudo que sobe cai,

nem todo verso tem rima.

nem toda matéria é prima,

nem tudo que entra sai.

 

RAMALHO, Zé.  Apocalypse de Zé Ramalho.  Paginação, títulos e gravuras: Ciro Fernandes.   Produção: Hildebrando.   s.l.: edição do autor?, 1977?   36 p   15x22 cm.

 

( fragmento )

  (...)

Minha lira se chama Amaltéía

Meu cavalo se chama Mato-Grosso

Minha cama de vidro é um colosso

Meu planeta foi berço de Medeia

Minha asa foi feita na Coreia

Me trouxeram no bico de um condor

Carro forte, blindado e sem valor

Atrevido poeta e penitente

Olho fundo queimado de sol quente

E contraído de ferro e de calor

 

Não pretendo deixar dedos falarem

Nem fazer de você perda inútil

Nem vesti-la de sedas de um tom fútil

Nem querê-la dormente de bobagem

Meu tecido forjado de coragem

Nos teares ferventes de Satã

Destronado do trono desse cia

Meu juízo atirou-se na procura

Desviou-se dos beijos da loucura

Aquecendo o bocejo do acua

 

A visão do meu olho cristalino

Captando cometas estrelados

Nebulosas e astros anelados

Através do cabelo de um menino

Seu sorriso tem ares de divino

Porque males nenhum pode sofrer

São crianças que vão sobreviver

Ao poder que reinou embrutecido

Pelo mundo ficou só o rugido

Dos motores que o homem quis fazer

 

 

(...)

 

 Página publicada em setembro de 2009; página ampliada e republicada em maio de 2011. Ampliada e republicada em fevereiro de 2015.


 

 

 

 
 
 
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