SEVERINO DE ANDRADE SILVA
( Zé da Luz )
Nasceu em Itabaiana (Paraíba) a 9 de março de 1904.
Filho de Pedro Bezerra de Andrade e Maria Izaias de Andrade.
Não teve sequer curso primário. Exerce a profissão de alfaiate e reside hoje na Capital Federal.
Publicou na Paraíba, em 1936, o seu primeiro livro de poesias "Brasil Caboclo", do género catuliano, que foi reeditado pela "Empresa Gráfica O Cruzeiro" do Rio, em 1949, com um prefácio de José Lins do Rêgo.
Zé da Luz é um expontâneo poeta regionalista, interpretando com admirável felicidade o que diz o esrtanêjo no seu linguajar rústico, inteiramente desprovido de gramática.
( Faleceu no Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1965 - Fonte da informação: Wikipedia)
PINTO, Luiz. Coletânea de poetas paraibanos. Rio de Janeiro: Ed. Minerva, 1953. 155 p. 16.5 x 24 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
Estampamos abaixo, o poema "Brasí — Cabôco", que extraímos do seu livro:
BRASÍ-CABÔCO
O que é Brasí-cabôco?...
É um Brasí deferente
Do Brasí das capitá;
É um Brasí brasileiro,
Sem mustura de estrangeiro,
Um Brasí nacioná.
Brasí-cabôco num veste
Liforme de gazimira,
Camiza de peito duro
Cum butuadura de ouro;
Brasí-cabôco só veste
Camiza grossa de lista,
Carça de brim da Polista,
Gibão de chapéu de couro.
Brasí-cabôco num come
Assentado nos banquete,
Musturado cum os home
De casaca e de anelão;
Brasí-cabôco só come
O bóde sêco, o feijão,
E, às vez, uma panelada,
Um pirão cum carne assada
Nos dias de inleição,
Quando vai servi de esoada
P'ros home de posição.
Brasí-cabôco num sabe
Falá ingrês nem francez,
Munto meno o português
Qui os outros fala emprestado;
Brasí-cabôco num escreve,
Munto má assina o nome
Pra votá pru mode os home
Sê guverno e diputado.
Mais podem Brasí-cabôco
É um Brasí brasileiro,
Sem mustura de estrangeiro,
Um Brasí nacioná;
É o Brasí-sertanejo
Dos côco, das imbolada,
Dos samba, dos realejo,
Zabumba e caracaxá.
É o Brasí das cabôca
Qui tem os óios feiticeiro,
Qui tem a bôca incarnada
Cuma fruita de cardeiro
Quando ela nasce aleijada.
Brací das briga de galo,
Do jôgo de sôco-ou-touco,
É o Brasí dos cabôco
Amansado de cavalo.
É o Brasí das cabôca
Qui cum sabença gunverna
Vinte e cinco pá de birro
Cum a mufada entre as perna.
É o Brasí das premessa
Nas noite de São João,
Das fogueira no terreiro,
Das viola e dos baião.
É o Brasí dos cantado
Êstes cabôco afamado,
Qui nos verso improvisado
Sirrindo cântaro o amô,
Cantando choraro as mágua...
Brasí de Polino Guéde,
De Inácio da Catingueira,
De Hugolino do Teixeira
E Romano da Mãe dágua.
É o Brasí das cabôca
Qui de noite se debruça,
Machucando os peito novo
No batente da jinela,
Vendo os cabôco pachola,
Qui geme, chora e soluça
Nas cordas duma viola
Roendo broxa pru ela.
É êste o Brasí-cabôco
Um Brasí bem brasileiro,
Sem mustura de estrangeiro,
Um Brasí nacioná;
Brasí qui foi — eu tou certo
Argum dia descoberto
Pur Pedro Arves Cabrá.
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p.
15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
Seringueira. Foto: https://blog.buscarrural.com/
A SERINGUEIRA
Um dia, com o teu leire amamentaste o mundo.
E um dia, atropelando o teu solo fecundo,
Entrando o coração da selva hospitaleira,
Sábios, poetas, heróis, párias sem nome,
Celebraram teu culto, Seringueira.
Deste-nos com o teu leite a Pátria bela e forte,
Gloriosa entre as irmãs do Continente,
Formosa no concerto universal.
A selva do Brasil palpitava no Norte,
Crepitava no céu, na gleba quente
Deste opulento Pindorama tropical.
O homem simples e bravo do Nordeste,
A que a fome exilou da terra ingrata,
Batendo-o inexorável e cruel,
Foste tu que atraíste e recolheste
Na verdejante Canaã da mata,
De cujos flancos manam leite e mel.
Ei-lo, titã da serra e da campina,
Enrijado na faina da lavoura;
Centauro rude a conduzir rebanhos
Por grotas, entre espinhos e cipós.
Ei-lo, remando a igarité franzina,
Sem medo à boiaçu devoradora,
E a enfrentar bichos maus, répteis estranhos
No tijuco letal dos igapós.
Ei-lo a investir perigos e mistérios,
Num constante sonhar e laborar,
Desatento aos eflúvios deletérios
Da água, da terra, da floresta e do ar.
Tu não tremeste ao golpe do seu braço.
Próvida e rica, material e amante,
Amaste e encorajaste o Seringueiro
Com a sedução do leite benfeitor.
Impávido, indomável, sem cansaço,
O Seringueiro, irmão do Bandeirante,
Foi, no bárbaro solo brasileiro,
O construtor e o civilizador.
De ti ganhando o pão, o pão e a glória,
Estoico na renúncia e no valor,
Foi ele a mão que abriu em nossa história
Um ciclo de amargura e de esplendor.
Naqueles claros, luminosos dias
De prodigalidades e alegrias,
Pompeaste, Seringueira, o brasílio porvir.
A Amazôniia, opulenta, rica e bela,
Cortada pelas naus de Tharsis e de Ofir,
Era o Pactolo, na Manoa do Eldorado
Enchia o céu e a terra o verbo de Tupã,
Clamando à terra e ao céu, maravilhado,
O sortilégio da muiraquitã
E a civilização da caravela.
Com o teu leire ostentaste um Brasil moço e forte,
Soberbo e varonil no Continente,
Varonil no concerto das nações.
Mas vieram homens maus, tramaram tua morte,
Como vândalos brutos e vilões.
Hoje, debalde mostras o teu peito,
Apojado do leite generoso,
Que, um dia, no Brasil, foi fartura e poder.
E o teu leite envelhece no teu peito...
E esse teu leite pródigo, precioso
Andam a desdenhar e envilecer...
Se a grandeza e a aflição dos teus reclamos,
Zombam da pobre mártir, que hoje és tu;
Se nem mesmo os que vês junto a ti,
Nem mesmo os teu entendem o que dizes;
— Escuta: — ainda bailam nos teus ramos
O enleio musical do uirapuru
E a boemia triste do jurutaí,
A chorar seus amores infelizes.
Se em tua cor de abandonada e triste
É debalde que anseias ver de novo
O paraíso, que se fez inferno,
A alvorada, depois da noite má,
És feliz do que foste e produziste
Para a beleza e glória do teu povo...
Que este povo é uma flor que viço eterno,
Sol, cuja luz nunca se apagará.
(“As sombras do Caminho”)
Página publicada em agosto de 2019
|