RAUL MACHADO
( 1891- 1954 )
Raul Campello Machado da Silva, nasceu em 07 de abril de 1891 na cidade de Batalhão, hoje denominado Taperoá, porém depois passou a residir em João Pessoa
Fêz os cursos primário e segundário na capital do Estado e o de bacharel em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito do Recife. Abraçando o jornalismo, foi redator da "A União", tendo sido depois oficial de gabinete do Inspetor de obras contra as sêcas, secretário da comissão organizadora do projeto de estatuto dos funcionários públicos no governo Epitácio Pessoa, promotor de Justiça Militar, Auditor de Guerra, Ministro Togado do Conselho Superior da Justiça Militar, Ministro do Tribunal de Segurança Nacional, ocupando na época em que se elabora êste trabalho as funções de Ministro-Corregedor da Justiça Militar.
Tem, publicadas, as seguintes obras: "Cristais de Bronze" — 1909; "Água de Castália" — 1919; "Asas Aflitas" — 1924; "Pássaro Morto" — 193'3; "Poesias" — 1936; "A Lâmpada Azul do Sonho" — 1946; "Asas Libertas" — 1950.
Além destes livros em versos, publicou em prosa: "Pelo Abolicionismo da Arte" — 1925; e "Dança de Idéias" — 1939. Em Direito lançou: "A Culpa no Direito Penal" — 1929; "Direito Penal Militar" — 1930; "Código Penal Militar" da Alemanha (texto ori-ginal e tradução) 1932; e "Direito contra a Ordem Politica e Social" — 1944.
TEXTO EN ITALIANO
LÁGRIMAS DE CERA
Quando Estela morreu choravam tanto!
Chovia tanto nessa madrugada!
— Era o pranto dos seus, casado ao pranto
Da Natureza — mãe desventurada.
Ninguém podia ver-lhe o rosto santo,
A fronte nívea, a pálpebra cerrada,
Que não sentisse logo, em canta canto
Dos olhos, uma lágrima engastada.
Ah!... não credes, bem sei, porque não vistes!
Mas, quando ela morreu, chorava tudo!
Até dois círios, lânguidos e tristes,
Acendidos à sua cabeceira, (1)
Iam chorando, no seu pranto mudo,
Um rosário de lágrimas de cera!
(Asas aflitas... Paraíba: Imprensa Oficial, 1924.)
- Em Cantos sem glória, Rio de Janeiro, 1953, foi substituído este verso por “Que aflita mão piedosa lhe acendera.”
PÓSTUMA
Noite fechada, lúgubre, sombria,
Céu escuro, tristíssimo, nevoento,
Relâmpagos, trovões, água, invernia
E vento e chuva, e chuva e muito vento!
Abro um pouco a janela, úmida e fria;
Quedo a ver e a escutar, por um momento (2)
O rugido feroz da ventania
E o rasgar dos fuzis no firmamento.
Quero vê-la no véu... e o céu escuro!
E, sem temer que chova e o vento açoite,
Abro mais a janela... abro (3) e murmuro:
Ah! talvez acalmasse o meu tormento,
— Se eu pudesse chorar, como esta noite!
— Se eu pudesse gemer, como este vento!
(Ibidem)
- Em Poesias, 1936, e nos Cantos sem glória, 1953, esse verbo foi emendado para “E fico a ouvir e a ver, por um momento”.
(3) Em Poesias e nos Cantos sem glória aparece: “abro-a”.
FREIRE, Laudelino. Pequena edição dos Sonetos brasileiros. 122 sonetos e retratos. 2ª. edição augmentada. Rio de Janeiro: F. Briguet e Cia. Editores, 1929. 256 p. 12,5x16 cm. capa dura Impresso na França por Tours Imp. R. et P. Deslis.
ESTUDO ANATOMICO
Entrei no amphitheatro da sciencia
Attrahido por mera phantasia,
E aprouve-me estudar anatomia
Por dar um novo pasto á intelligencia.
Discorria com toda a sapiência
O lente, numa mesa, onde jazia
Uma immovel matéria, húmida e fria
A que outr'ora animara humana essência.
Fora uma meretriz : o rosto bello
Pude, tímido, olhal-o com respeito
Por entre as negras ondas do cabello;
A convite do lente, contrafeito,
Rasguei-a com a ponta do escalpello,
E... não vi coração dentro do peito.
PINTO, Luiz. Coletânea de poetas paraibanos. Rio de Janeiro: Ed. Minerva, 1953. 155 p. 16.5 x24 cm Ex .bibl. Antonio Miranda
A ENCHENTE
Com tremenda expressão de fúrias e de mágoas,
No alarmante fragor do embate formidando,
Torcendo os matagais, rugindo pelas fráguas,
Vinha a enchente, em golfões, rio abaixo, rolando!
E à atra aproximação do flagelo nefando,
(Estas cenas de dor, vivas, na idéia trago-as!)
Iam desaparecendo, em ruína, a quando e quando
Choças e povoações, sob o lençol das águas!
E o que há pouco era serra, agora é uma cachoeira!
Fê-se um mar e planície; o vale, uma represa!
0 campo se fêz lago! E é um rio a estrada inteira!
Vem a noite... Um clamor na escuridão se eleva!
Há imprecações na voz do vento... E a correnteza
Rasga, a clarões de espuma, o amplo seio da treva!
LÁGRIMAS DE CÊRA
Quando Estela morreu, choravam tanto!
Chovia tanto nessa madrugada!
— Era o pranto dos seus, casado ao pranto
Na Natureza — mãe desventurada!
Ninguém podia ver-lhe o rosto santo,
A fronte nívea, a pálpebra cerrada,
Que não sentisse, logo, em cada canto
Dos olhos, uma lágrima engastada!
Aí, não credes, bem sei, porque não vistes!
Mas quando ela morreu, chorava tudo!
Até dois círios, lânguidos e tristes,
Acendidos à sua cabeceira,
Iam chorando, no seu pranto mudo,
Um rosário de lágrimas de cêra!
De "Asas Aflitas" tiramos os versos abaixo:
PÓSTUMA
Noite fechada, lúgubre, sombria.
Céu escuro, tristíssimo, nevoento, Relâmpagos, trovões, água, invernia
E vento e chuva e muito vento!
Abro um pouco a janela, úmida e fria,
E fico a ouvir e a ver, por um momento,
O rugido feroz da ventania
E o rasgar dos fuzis, no firmamento...
Quero vê-la no céu... e o céu escuro!
E, sem temer que chova e o vento açoite,
Abro mais a janela... abro-a e murmuro:
"Ah, talvez acalmasse o meu tormento,
— Se eu pudesse chorar, como esta noite!
— Se eu pudesse gemer, como este vento!"
IMPERFEIÇÃO
Poeta, que o Amor e a Glória não conquista,
Embalde o poema aperfeiçoo... em vão
Exorto o meu espírito de artista
Para a festa da Ideia e da Emoção!
Mau grado a forma com que me atormento,
Por mais que a alma nos versos extravase,
Sinto a grandeza do meu pensamento
Amesquinhada pela minha frase!
Em cada estância, que em delírio parte,
Vejo apenas, sem glória e sem prazer,
Vagas miragens do meu sonho de arte,
Sombras de ideia do que eu quis dizer!
Tesouro oculto de encantadas minas
Guardo em minh'alma, que se não profana...
As minhas grandes emoções divinas
Não cabem dentro da palavra humana. ..
Assim, nos versos, que sem brilho tento,
Apenas os meus cânticos te dão
Uma parcela do meu pensamento...
E uma migalha do meu coração...
No estranho desalento que me invade,
A imagem livre se tornando escrava,
Que diferença de expressividade
Do que eu te disse para o que eu pensava!
Nuvens de sombras escurecem tudo
Que eu tenho n'alma para revelar...
Meu grande sonho, num enlevo mudo,
Traduzo-o, apenas, pelo meu olhar!
Nem me fica de bálsamo às feridas,
— Poeta alanceado de desesperança,
— A eloquência das lágrimas vertidas
Na ânsia da perfeição, que não se alcança!
Luta a Ideia num círculo de ferro...
As estrofes obscuras que componho
São túmulos mutilados do meu Sonho!
Mas nesses túmulos, minh'alma rica
De emoção... de volúpia... de calor...
Como uma cruz iluminada, fica,
Braços abertos, para o teu Amor!
QUADRO ANTIGO
Na sala. Os dois juntinhos, nos veludos
De um doirado divã, que à luz fulgura.
Dedos a furto entrelaçados... Mudos,
Com um olhar de ternura...
A espaço, à noiva, — flor alva e impoluta,
Cuja graça inocente não descrevo,
—Segreda o joven frases, que ela escuta,
Com um sorriso de elevo...
Segue novo silêncio, em que se esfolham
Rosas de um sonho de mistério cheio.
Ronroneia o bichano... Os dois se entreolham..
Com um frêmito de anseio...
E a mãe, que a filha prónuba condena
A um posto de vigília, no abandono,
Fecha a monotonia desta cena,
Com um bocejo de sono...
TEXTO EN ITALIANO
Extraído de
MIRAGLIA, Tolentino. Piccola Antologia poetica brasiliana. Versioni. São Paulo: Livraria Nobel, 1955. 164 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
LACRIME DI CERA
Quando Alice morì, piansero tanto,
Pioveva tanto, in quella mattinata . . .
Era il pianto dei suoi unito al pianto.
Della natura, madre sconsolata.
Quando Alice mori, piansero tanto !
Ch'essa fu, nívea, pallida, gelata,
Neila cassa, in velluto, al Campo Santo,
Tra baci e meste lacrime portata.
Quando Alice morì, al funerale,
Anche se forse voi non ci crediate,
Tutto pianse, Ia pena fu sincera.
Perfino le candele, al capezzale,
Piansero, tristi, mute, addolorate,
Un rosário di lacrime di cera.
Página publicada em abril de 2014, ampliada em janeiro de 2016. Ampliada em agosto de 2019
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