HILDEBERTO BARBOSA FILHO
Nasceu em Aroeira, Paraíba, em 1954. Graduado em Direito e Letras; mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba, onde é professor do curso de Comunicação Social. Poeta e crítico literário. Publicou vários livros de poesia: A comarca das pedras (1977), São teus estes boleros (1992), O exílio dos dias (1994), Ofertório dos bens naturais (1998) e Caligrafia das léguas (1999).
“Breves textos, os desse grande poeta da minha terra, que sobrepujam, em sua clara armação estética, as facilidades ilusórias da retórica de ofício, da qual poucos se salvam, mesmo com talento.”
Ascendino Leite
Motivos Para Meu Verso
o meu verso fala:
da fábula do perdido
dos que uivam de amor
do vento da nuvem do medo
dos rascunhos da mosca, da caligrafia,
de tudo que apenas se esboçou.
fala da ferrugem
que habita o lixo dos quintais
dos sapatos expostos ao tempo
do lodo que escorre da noite
da carie, da calvície
de tudo que não existe mais
queria por no meu verso:
em lugar da rima a ruga
o funeral das formigas
o pavor dos besouros sob o sol
restos de coisas, restos de nada,réstias,
nonadas
por um pouco:
do carteiro
do garçon
do alfaiate
do livreiro
pedaços de gilete
alfinetes lâmpadas queimadas
livros riscados pregos
pinças o fútil o inútil
o dúctil
e fazê-lo abrigo
para o pote
o pente a tesoura
o nariz de Adélia
os dentes de Fidélia
o meu verso guarda
um cariri na memória
de tanto que leu Proust
recorda:
o som do leite quente no tacho
o gosto assustado da goteira
o cheiro das tristezas da terra.
Momento n° 4
Eu sou qualquer coisa de intermédio
entre o câncer e o milagre.
Vezes sou montanha, vezes sou planície,
e não tenho rio nas minhas aldeias.
Entre Europa e África, prefiro o sonho,
que não me levara a lugar nenhum.
Nem mesmo sou o meu torrão natal.
Dizer que sou múltiplo nos lajedos do sonho
também não me retrata. Eu sou aquele
que não poderá ser: pedras e plumas,
isto e aquilo, e, enquanto sonho,
vive o mundo a luxúria das águas.
(Poemas extraídos de "O Livro da Agonia – e outros poemas")
Extraído de ANTOLOGIA SONORA – Poesia Paraibana Contemporânea. João Pessoa: Edições O Sebo Cultural, 2009. Produção executiva de Heriberto Coelho de Almeida. Contendo 9 CD com gravações de poemas nas vozes dos autores, e 31 encartes em caixa de madeira. ISBN 978-278-995423
POESIA SEMPRE. Número 29. Ano 15. No. 29. 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626. Ex. bibl. Antonio Miranda
Princesa
(para Aldo Lopes e Otávio Sitônio Pinto)
São solitárias as nuvens
sobre a serra de Princesa,
cidade distante e sem fronteiras
como o mapa de meu coração.
A voragem dos ventos invade
a calmaria das praças, das almas,
e o silêncio da noite é golpeado
por antigas adagas invisíveis.
Como dói o deserto do meu coração!
Como dói o anônimo triunfo
de viver esse mundo longínquo
só por um instante no meu desespero.
Eventos do sono
Quando estou dormindo,
o mundo está desperto.
As coisas acontecem à maneira
de sempre. Os maus lutam contra
os bons e os bons lutar contra
os maus (Não há derrota nem vitória
nessa guerra de sempre!).
Os domingos são sempre tristes
como são tristes os meses de abril.
O poeta tenta o poema e os versos
não lhes vêm, mesmo que Deus,
de graça, lhe dê o primeiro verso.
O imperativo é a prosa do mundo
com sua contiguidade cruel,
sempre sem piedade e sem milagre.
Página publicada em novembro de 2009, a partir do material cedido pelo Editor. Ampliada em julho de 2018.
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