ELIZEU CESAR
Em 1894, na capital do estado da Paraíba, um jovem negro reuniu-se com colegas para lançar o seu livro com poemas românticos. Certamente, estiveram presentes no referido encontro, intelectuais e políticos que viviam os anos iniciais da República brasileira.
O “poeta” que publicizava o seu livro Algas era Eliseu Elias César, nascido em 1871, na Cidade da Parahyba, uma pequena capital nordestina e que nos anos finais do século XIX tinha um grupo de intelectuais que procurava movimentar o estado, buscando fundar associações intelectuais e clubes literários. Eliseu Elias César, como era comum no século XIX, publicou um livro de poesias para se projetar como um “homem de letras”. Para prefaciar o seu texto literário escolheu um intelectual, jornalista e político em início de carreira, mas com potencial de assumir cargos importantes na Paraíba. De fato, o prefaciador do livro de Eliseu César, foi Castro Pinto, que em 1894, era formado em Direito pela Faculdade do Recife 1 DH/PPGH/NEABI-UFPB DH/PROHIS/UFS DH/PPGH/NEABI-UFPB (Turma de 1886) e também atuava na vida política da Paraíba republicana, participou como deputado da Assembleia Constituinte da Paraíba (1891/92) e desempenhava funções como jornalista. Alguns anos antes, se destacou na luta abolicionista na Paraíba. /Fragmento de texto extraído de www.snh2017.anpuh.org/
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PINTO, Luiz. Coletânea de poetas paraibanos. Rio de Janeiro: Ed. Minerva, 1953. 155 p. 16.5 x24 cm Ex .bibl. Antonio Miranda
AS ESPERANÇAS
Eu vi todas fugirem, docemente
Se foram pelo azul, todas voando,
Qual de garças um bando alvinitente
O espaço azul, imenso, recortando.
Daqui, do meu retiro, aonde agora
Vivo carpindo os dias de ventura,
Eu disse-lhes: adeus, filhas d'aurora,
Aves feitas de amor e de ternura...
Como a tribo das aves emigrantes
Que perpassam no azul de ano em ano,
Em busca de paragens verdejantes,
Voam, enquanto ao ninho abandonado,
Êrmo de cantos, tétrico, ensombrado,
Baixa esa'ove noturna — o desengano!
A IGREJINHA
Ó que igrejinha tão formosa aquela,
Toda de branco no florido outeiro,
Coberta sempre de uma paz singela,
Ingênuamente sacrossanta e bela,
Com áureos sinos e com ar fagueiro!
De longe vista só parece um ninho
Feito do cirrus que no céu alveja!
Que poesia no seu nichozinho!
E quantos lírios pelo seu caminho
Que, outeiro cima lá se vai, cobreja!
Quando a manhã, do longo céu deserto,
Acorda a mata os maviosos trinos,
Na aldeasita, que demora perto,
Paira um sorriso de horizonte aberto,
Da igrejazinha ao repicar dos sinos!
O som que vem do campanário antigo
Entra nas almas a sorrir, cantando,
Dos aldeões pelo modesto abrigo,
Tal como um eco benfazejo e amigo,
A missa! a missa! os aldeões chamando!
Ah! como voam, derredor da igreja,
Da minha infância as ilusões queridas!
Como esse bando multicor voeja
Por cima dela, que bendita seja
Co'as torrezinhas para o céu erguidas!
Ó! que igrejunha tão formosa aquela,
Onde eu rezava em pequenino, quando,
Com minha mãe, ouvia missa nela,
Na primavera sorridente e bela
Da minha infância que se foi murchando!
A CEGUINHA
Quando ela vem à minha porta e estende
A branca mão nervosa e pequenita,
Do peito meu na tênebra infinita
Um delicado sentimento esplende.
Não sei se é compaixão, mas, dolorida,
Ante essa dor, que lágrimas inspira,
Como se fosse a corda de uma lira,
Minh'alma chora, triste e comovida.
São tais as emoções, tantas as mágoas
De vê-la prêsa de cruentas fráguas,
De vê-la tatear como entre abrolhos.
Que, se eu pudesse, a noite êrma e sombria
Dessa pobre ceguita desfaria,
Ofertando-lhe o brilho dos meus olhos!
***
Teu rostinho é como a Carta
De envelope côr de rosa
Onde o carinho de um beijo
Eu pouso, mulher formosa.
É teu colo, onde palpitam
Dois pombos de alva cor,
A Mala do meu afeto,
Lacrada com teu amor.
O recinto de tu'alma
De muitas estrêlas cheio
Tem mais esperanças flor,
Que segredos o correio.
Tu és a Posta Restante
Aonde a mão de Jesus
Deixou minh'alma guardada
Pelos teus olhos azuis.
Teu lábio é pura Etiqueta
Tão rubra como o carmim,
Ocultando doces favos
De beijos feitos pra mim.
Enfim, tu és meu cuidado
o coração do meu seio,
Etiqueta, Lacre, Carta,
Porque pertenço ao correio.
TEUS BEIJOS
Morena, teus castos beijos
Dessa boquinha de flor,
Me dizem coisas sonoras,
Segredam frases de amor;
São doces, de tal doçura,
São ternos, de tal ternura,
Têm tanto viço e frescor,
Que eu penso que são pingados
Lá dos mundos estrelados
Nas conchas dalguma flor.
Senti-los por sobre as faces
Brincando como crianças,
E' ter o rosto orvalhado
De liriais esperanças...
E' ver que o céu se desata,
Qual se desfolha a cascata,
Em chuvas de ouro e luz...
Oh! beija-me assim, formosa,
Teu beijo do mel de rosa
Me embriaga e me seduz!
Quando rompe a madrugada
E eu vejo por sobre as flores
Os colibris doidejantes
Num doce idilio de amores,
Me lembro desses teus beijos,
Cheios de mel e desejos
Castos, puros, juvenis,
Que de teus lábios, na rosa
Semelham, virgem formosa,
Abelhas doidas gentis...
Pelos desertos da vida
Chorava eu triste sosinho.
Pungia-me o peito exausto
Dos sofrimentos o espinho;
Mas quando teu beijo santo
Bebeu-me a gota do pranto
Que dos meus olhos descia,
Senti que as dores passavam,
Que as aves todas cantavam,
Que o céu azul me sorria!..."
Página publicada em julho de 2019
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