Poema ao bigode de meu avô
meu avô com bigode de alfenim
era dono de engenho,
que pena tenho do seu bigode
hoje amargo.
seu bigode doce doce
diziam as negras do engenho,
meu avô se ria
com cara de tacho.
meu avô perdeu seu bigode
de alfenim e as negras se foram
na lembrança do bigode doce doce,
perdido na velhice
deixou de ser alfenim.
as negras não queriam o fim,
queriam o bigode de alfenim
mesmo assim,meu avô preferiu o riso amargo,
meu avô não soletra
o mundo moderno nem as mulheres gostosas
que seus olhos espiam.
hoje, bigode raro, se suja no mel
do seu catarro.
Meus córregos
dos córregos recolhi
meus pés.
eles na infância eram
meus sapatos fiéis.
hoje, não os calço.
trago-os na memória
para curar meus
calos.
corri nos córregos, não
corri dos córregos.
o tempo me fez andar mais
rápido.
os córregos são imagens
que me atravessam
como riachos.
em 15 dejunho de 1959. Radicado em João Pessoa, é escritor e poeta, autor de “Paixão Movediça” (1989), “Abajur de Lua” (1992), “Poemas de Amor e Silêncio” (1997), “Itinierario do Desamor” (1997) e “Inverno Invisível” (2000), ocasião em que recebeu o título
de Cidadão de João Pessoa, onde escreve pasa diversos jornais locais.
ANTOLOGIA SONORA – Poesia Paraibana Contemporânea. João Pessoa, PB: Edições OK Sebo Cultural, 2009. Caixa, contendo
1 CD e 31 encartes (poetas e poemas). Ex. bibl. Antonio Miranda
FAIXA 09
“(...) a poesia de Chico Lino Filho procura reacender e
compor o ritmo inocente da melodia que ficou guardada
na doces águas que banham o açude Coremas. Ternas
imagens com as quais o poeta nos conduz a raros
instantes de encantamento e beleza.”
JUCA PONTES, editor paraibano
The End
Quando eu parti de Coremos
não sabia que a poesia vinha
com a mobília,
achava eu que a poesia
tinha ficado lá
na bagaceira do engenho,
no olho cego do mestre Pedro,
na bengala irada do meu avô
Zé Lino
com as molecagens do meu primo Laércio
com o namoro distante das minhas tias,
achava eu que a poesia não cabia
na viagem
no olhar sisudo do meu pai
mas veio escondido na mobilha da minha alma,
na capital,
um certo poeta me ensinou:
a poesia não é só inspiração
noventa por cento é transpiração.
— que decepção!
a poesia se esborrachou
no chão,
procurei palavras por palavras,
nada,
a poesia tinha ficado lá
em Coremas
no caldo de cana doce doce doce
nos córrego, onde secretamente, Zefa de João
de Malta me matava de carinhos,
no cine real, onde geralmente quebrava
a fita na melhor parte do filme,
para revelar os beijos reais e proibidos,
os assovios intermináveis na morte do
mocinho,
nem tudo estava perdido
fui busca lá em Coremas
a poesia e o menino,
para meu desgostos,
meu avô morreu, o engenho caiu, a casa-grande
caiu, Zefa do João da Mata, morreu
distraída,
meu tio Toinho que não entendia
nada de poesia era tão lerdo que parecia
que ia voar,
sua alma era mais forte do que a capa
do super-homem
tanto que voou para bem longe
se perdeu lá pelo céu,
no cine real não havia mais
película,
(Chico Torquato não quis mais saber de filmes,
abriu uma mercearia).
(Durango Kid, sou o Tarzan, Bruce Lee tinham saído de cartaz)
não havia beijos perdidos nem mocinhos
nem bandidos
nem mulheres roubadas dos maridos,
hoje tudo é real
embora a televisão seja colorida,
agora sim a poesia sé transpiração
e o mundo um gigante carrossel.
Drummond, Quinta, João Cabral,
me ensinara a poesia formal
mas partiram para o céu
numa nave
espacial,
com lápis e papel
na mão
e a poesia de Coremas ficou
distraída,
lá na bagaceira do engenho,
montada no cavalo de pau.
*
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Página publicada em fevereiro de 2022
Página publicada em dezembro de 2017