CHICO CÉSAR
Nasceu em Catolé do Rocha, na Paraíba, em 1964. Aos 16 anos foi para João Pessoa onde se formou em Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba, enquanto participava do grupo Jaguaribe Carne, que fazia poesia de vanguarda. Aos 21, mudou-se para São Paulo. Trabalhando como jornalista, aperfeiçoou-se no violão, multiplicou as composições e formou um público. Hoje tem uma carreira artística de repercussão internacional.
Escrevi Cantáteis em 1993. Não num só fôlego, como seria mais heróico. Mas em muitos e seguidos mergulhos no texto, no assunto. Escrevi em um bloco de notas, à mão, em São Paulo. Andando pelas ruas. De ônibus, a pé, de metro, de táxi. Eu, estrangeiro no lugar e no momento, escrevi esse texto aos solavancos vagando pela cidade, mais pela zona oeste.
Escrevi Cantáteis estimulado pela existência e consistência de poemas longos como Os Cantos de Erza Pound, Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto.A/tózorde Vicente Huidobro. Ou ainda O Cuesa. de Souzândrade e A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Sei que o fato de esses poemas existirem e pesarem decididamente na balança da literatura universal deveria me silenciar em definitivo. Mas deu-se o contrário. E cometi Cantáteis. Atribuo hoje à falta de juízo que acomete os apaixonados. Era como eu me encontrava. E me encontro.
Chico César
“Todo mundo conhece o Chico César da música-desvario. Espécie de versejador –musicista ou cantautor como preferem os nossos vizinhos hispânicos. Mas também é poeta de livro, de obra inteira: “CANTÁTEIS – Cantos elegíacos de amozade”., com 141 poemetos de onze versos curtos, rimas que vão surgindo e direcionando o sentido do verso, mais pela intuição que intenção do tema, que flui, no fluxo da palavra-puxa-palavras, rima-puxa-sentida. Uma desfaçatez que vai da iconoclastia non-sense ingênua (?) de seu conterrâneo Zé Limeira da Paraíba ao estilo próprio, erudito-popular, plurivocal, evocativo, em tempos diversos, contra-postos, lúdico-lúbirocos, a pretexto de fazer uma cantata de amor a uma Berenice paulistana”
Antonio Miranda
De
CANTÁTEIS
Cantos elegíacos de amozade
Xilogravuras de João Sánchez
Rio de Janeiro: Garamond, 2005
ISBN 885-7617-066-3
2
eu pra cantar não vacilo
digo isso digo aquilo
digo tudo que se disse
digo veneza recife
fortaleza que se abre
quero que o mundo se acabe
se não disser o que sinto
digo a verdade, minto
vertente me arrebata
minha voz é serenata
labareda e labirinto
24
o megafone do mundo
ômega fonema fundo
vulcão transboquiaberto
ogiva que explode perto
clitóris saliva glande
bolha de gozo que expande
os andes, os abricós
abrigai a todos nós
abri o eu da memória
vamos, deixe de história
e me diga "enfim, sós"
54
às vezes falta juízo
soez o gato sem guiso
vem miar e pedir leite
eu só peço que aceite
o atarantado pedido
asa de anjo caído
sem rede de proteção
cacos de aura no chão
o karma estatelado
vem me salvar do pecado
cometido por adão
61
vejo dor de gente adulta
no invisível que se avulta
e na vulva da quimeras
vejo oitocentas megeras
disputando um consolo
catapio e fura-bolo
velam o cadáver do cão
alaúde e violão
cadenciando o embalo
enxergo tudo e me calo
não vejo minha paixão
127
páginas finais cantáteis
as prosápias versáteis
os tremeliques ferrenhos
os trancelins advenhos
a reportagem de mim
história do amor sem fim
serafins e clarinetas
grutas gritos grotas gretas
é o amor uma renda?
profunda infinda fenda?
vaca de divinas tetas?
Página publicada em agosto de 2009 |