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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


ASCENDINO LEITE

 

 

Ascendino Leite nasceu em Conceição do Piancó, Paraíba, aos 21 de junho de 1915. A infância modesta e a paisagem flagelada do Nordeste marcaram profundamente a alma deste poeta do amor e deste renomado romancista. Foi funcionário público e jornalista, tendo sido também —em certo período de sua vida— redator de assuntos parlamentares. Dirigiu e chefiou a redação de vários jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Na passagem de seus 90 anos, Ascendino Leite nos presenteou com a belíssima edição de Poesia e Morte, reunião de oito livros (Jardim Marítimo; Visões do Vale; Os Juízes; O Nariz de Cíntia; Por uma Saudade Azul; Poemas do Fim Comum; À Flor da Terra; Loas a Chile), publicada em 2006 pela editora Idéia, de João Pessoa, com 684 páginas e apresentação de dois poetas: José Rafael de            Menezes e Francisco Carvalho, o meu grande mestre do Ceará.

A poesia de Ascendino Leite, pelo conteúdo e pela temática, transcende a qualquer juízo de valor: está acima do bem e do mal. Poetas assim geralmente vêm daquela dimensão onde laboram um Goethe, um Rilke, um Whitman, um Carlos Drummond de Andrade.

 

(Texto e seleção de poemas: João Carlos Taveira) 

 

MEU ROSTO

Sou tão sincero no que faço
que penso: Deus me segue,
sorrindo e abençoado no pecado.

Sou tão sincero no que penso,
que Deus me acompanha no passado,
— velho tributário do pecado.

Sou tão voraz por entre as coisas
que, não raro, com elas me confundo.
Daí que, fiel ao que elas são,

sei que Deus me abandona no que sou.
Como, então, não creditar
a Deus, Nosso Senhor,
a sorte de, a toda hora, ter desejos?

 

IDEOLOGIA

 

Escondida está em nosso Vale

a minha ideologia da paixão.

Se tudo tivesse dado certo, digo,

eu teria sido pai aos doze anos.

Não é, querida Laura? E tu,

uma certa mãezinha à mesma idade?

Surpresas, mais que mistérios, vindas

do Vale em que nasci e casto fui,

os sentidos me impondo seu império.

 

 

 

DISCURSO SINFÔNICO

 

A Oriano de Almeida, maestro

 

Amigo, nada tanto como a pausa

na rotação igual de cada sonho:

vem o som, a musical linguagem,

que nos estreita num espaço único.

 

Oh, sonata, mais uma vez nos unas,

sobre léguas, estâncias e saudades,

mozartianas vidências na lembrança

com teu discurso sinfônico, indizível.

 

 

 

A NAU

 

A Gilbran Medeiros, Artista

 

Triste do verso suspenso antes da metade

neste ônibus hesitante com o que leva.

Vamos detê-lo. É menos que

o utilitário avariado

que esbarra no caminho sem saber.

 

Ah! O trêmulo ser que sonha

como Pedro

ante a cúpula azul cravada

pelo sol:

o belo Paulo surgindo em meio a franjas

de terra e outeiros mágicos. Lá! Lá!

 

Que lembra ele? No corpo luminoso que o define?

 

Será o retrato de uma grande nau augusta,

onde ela acontece, tocada de pedros e de pedras,

monumental como um verso inteiro, pleno,

arcabouço sagrado, rumando a céu aberto.

 

 

 

OMBROS

 

Fria é a tarde.

E úmida a minha carne

ao cruzar a grama

e passar por teus ombros nus.

 

Vejo o horizonte e a lua

         despontando

rumo ao vago firmamento.

No entanto, vence o teu olhar

sobre o silêncio cósmico

e profundo do mar escuro.

 

O meu próprio amor.

 

 

 

 

LEITE, Ascendino.   À Flor da Terra: poesia flutuante.  João Pessoa: Idéia, 2003.   119 p.  12X19 cm.  sobrecapa.  Iluminuras de Mercedes (Pepita) Cavalcanti. Ilustrações em papel Vegetal 85 gr.  Miolo em papel Chamoix Fine Dunas – Ripasa 90 gr.  Col. A.M.  (EE)

 

 

 

Ofício
        à doce amiga Salete

Vivo do que sobra
como resto mortal.
Não sofro nem gemo,
suporto: os pesos
reais do meu valor
sempre caindo
para baixo; uma nova
forma de, sem convulsão,
o pé voltado para  estrada,
pronto: como morto,
no fim sereno da des...
dita vivida por viver.

 

 

 

Nudez

 

Vai-se a primeira peça libertada

neste desnude terno e necessário,

deixando à vista, alerta e ansioso,

o teu perfil augusto e elegante.

 

Vai-se a segunda, abaixo do pescoço,

de onde pendem teus rijos seios virginais

inda que acaso não o sejam

mas levam a esse ventre oblongo de sereia.

 

Ah, todo o recato agora te protege

comigo, que te cubro, e por sorte, te duplico.

 

 

 

 

Elegia -10

 

  

Vem. O campo está aberto e livre

pra nele, a flor florir.

Como, no teu corpo, minhas mãos tocando

e tímidos se espalhem

meus dedos por teus delicados

traços, amando.

 

É assim que, por entre soluços

e sufocados gritos de prazer,

nada nos falte

nem chegue à demasia.

 

Eis o que, por nós, urdido

e pelo calor de nossa carne,

aquecida e sôfrega, vem nascendo

o mais ambicionado

dos destinos em busca

da ventura, do amor e da razão. 
dita vivida por viver.

 

 

 

 

LEITE, AscendinoPoemas do fim comum.  João Pessoa, PB: Idéia, 2000.  187 p.  12x19 cm.  Ex. da Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.

 

 

À FLOR DA TERRA

 

Você me faz sonhar, com as frutas
verdes
largando o caule augusto, sem ruído,
mostrando que se doam, gostosas,
compassivas.
Amor, puro amor, sonhado e deglutido
à flor da terra e nela consumido.

 

 

CANÇÃO AMARGA

 

Nem todo silêncio é inexplicável.
Antes, pode ser pensado
          e dirigido,
sob inconcebíveis fundamentos,
a um indispensável massacre.

Porém, mais que um ato
          dantesco
ele consuma em morte e
          cinza
ilusórios amores renegados.

 

 

 

 

PINTO, Luiz.  Coletânea de poetas paraibanos.  Rio de Janeiro: Ed. Minerva, 1953.  155 p.  16.5 x 24 cm.     Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

MEU AMOR FUGIU

 

O meu Amor embarcou numa jangada
e ganhou ligeiro,

com um desassombro de marinheiro
o mar encapelado da Ilusão...

 

E foi-se... Sumiu-se lá ao longe,
no ponto onde o mar toca no céu,
entre os dois infinitos...

 

Eu fiquei esperando, da praia mansa

da minha Saudade,

a volta do meu Amor

que saíra bem cedo,

sem que eu soubesse para onde. . .

 

Mas o meu Amor se perdeu no meio do mar
e não voltou mais!...

 

 

 

BRUNNA

 

Preciso saber. Preciso que me digam
De onde jorra esse encantado som.
O nome, como asa sobre dunas,
Brunna, num sopro, rufio de libelula.

 

Quanto mais me foge a face, ó Brunna,

E a bruma apaga em ti o mar perdido,

Ai Que enleio!... Teu nome acorda em mim

Mil séculos de romanas migrações.

 

Pegasse eu não só o véu secreto
Que te encobre o gênio ou desandasse
A' sombra de teus pés. Ouça-me o céu!
Bruna! Quem és? País, ilha ou estrela?

 

Fosse um apelo, Brunna, fosse apenas
Aceno que se perde. Ou mesmo exílio.
Olha: que mais querer em tantas dúvidas
Que a música que te marca cada passo?

 

Onde quer que estiveres, entre nuvem
Ou bruma, preciso que me digam.
Brunna, dá-me teus pés para o caminho
Do tempo que não morre no teu nome.

 

 

 

Página ampliada e republicada em março de 2003.

NR:  Por intermediação de nosso amigo Aricy Curvello, o mestre Ascendino Leite fez doação de uma antologia com sua obra poética para a Biblioteca Nacional de Brasília. Ampliada e republicada em setembro de 2012. Ampliada em novembro de 2015. Ampliada em julho de 2019

 

 

 



 

 

 
 
 
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