APOLÔNIO ALVES DOS SANTOS
nasceu em Serraria, PB, aos 20 de setembro de 1926. Em seus documentos, no entanto, consta como nascido em Guarabira-PB, cidade para onde foi levado e onde foi criado desde a infância por seus pais, Francisco Alves dos Santos e Antonia Maria da Conceição.
Começou a escrever folhetos aos vinte anos. Seu primeiro romance foi Maria Cara de Pau e o Príncipe Gregoriano, que, não podendo publicar, vendeu a José Alves Pontes, lá mesmo em Guarabira. A venda se efetuou em 1948, mas o romance só foi impresso no ano seguinte.
Em 1950, tentando melhorar de vida, foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na construção civil como pedreiro ladrilheiro, e, em 1960, foi trabalhar na construção de Brasília, mas sempre escrevendo e vendendo seus folhetos. É dessa época sua obra A construção de Brasília e sua inauguração, que se esgotou pouco tempo depois de publicada. Em 1961, logo após a inauguração de Brasília, voltou ao Rio de Janeiro.
Passou os últimos anos em Guarabira, Paraíba, vindo a falecer em 1998, em Campina Grande. Escreveu cerca de 120 folhetos, sendo os principais : O herói João Canguçu, Façanhas de Lampião. O aventureiro do Norte, Epitácio e Marina, O pau de arara valente, O pistoleiro da vila, Olegário e Albertina entre o crime e o amor e O noivo falso engenheiro. Biografia|: http://www.onordeste.com/
TEXT IN ENGLISH
ANTÔNIO CONSELHEIRO E A GUERRA DE CANUDOS
Vamos ouvir a história
De Antônio Conselheiro
Que apesar de beato
Temente a Deus verdadeiro
Em defesa de Canudos
Se tornou um guerrilheiro
O seu nome verdadeiro
Era Antônio Maciel
Que se fez um penitente
Dum sofrimento cruel
Mas apesar de sofrido
Era uma alma fiel
Vamos saber como foi
Que ele foi convertido
Em beato peregrino
Triste e arrependido
Por dois monstruosos crimes
Ter ele então cometido
Porque ele se casou
Com uma linda deidade
Bonita como uma santa
Do altar da divindade
A qual foi vítima inocente
Duma cruel falsidade.
Porque a mãe de Antônio
Com a nora não se dava
Para o filho abandoná-la
Sempre o aconselhava
Mas suas falsas calúnias
Ele não acreditava.
Mas ela vendo que o filho
Não queria acreditar
Em suas falsas calúnias
Resolveu a levantar
Um falso a sua nora
E que pudesse provar
A velha disse: Meu filho
Toda vez que você vai
Viajar de madrugada
A sua esposa lhe trai
O macho dela já sabe
A hora que você sai
Se quiser ter a certeza
Escute o que vou falar
Diga a sua mulher
Que hoje vai viajar
E fique perto da casa
Para se certificar
Verá um homem chegar
Aproveitando o escuro
E ficar atrás da casa
Com o seu plano seguro
Esperando que ela venha
Abrir o portão do muro
E assim Antônio fez
Disse pra sua senhora:
Hoje eu vou viajar
Procurar trabalho fora
Não sei se voltarei logo
Ou tenha uma demora
Então a velha maldita
Que estava prevenida
Para confirmar a trama
Com ideia pervertida
Trajou-se em roupa de homem
E caminhou decidida
De lá Antônio saiu
No horário acostumado
Resolveu se ocultar
Num recanto do cercado
Nisto viu chegar um vulto
Em um capote embrulhado
Antônio que estava armado
Com um revólver munido
Mandou pipoca no vulto
Ouviu-se grande estampido
A mulher abriu a porta
Pra ver o que tinha sido
Ele avistando a esposa
Também foi mandando brasa
A mulher soltou um grito
Igual a quem se arrasa
E mortalmente ferida
Caiu pra dentro de casa.
E Antônio Maciel
Bastante enfurecido
Correu para examinar
Aquele vulto caído
Para ver se conhecia
Quem ele havia abatido.
Quando ele descobriu
O rosto da genitora
Gritou: Valha-me Jesus
E Maria protetora
Assassinei minha mãe
Sendo ela a causadora.
Naquele momento ele
Compreendeu a cilada
Disse: Também atirei
Na minha esposa estimada
Se ela também morreu
Não tive culpa de nada
Correu para ver sua esposa
No momento extravagante
Ela ainda estava viva
Porém muito agonizante
E ele ainda contou-lhe
A história horripilante.
Ela disse: Meu esposo
Eu vou morrer inocente
E tu também me matastes
Sem prova e inconsciente
Mas por ti peço perdão
Ao nosso Onipotente.
Antônio depois que viu
A sua esposa querida
Morrer apertando a mão
Do seu esposo homicida
Naquela hora perdeu
Todos prazeres da vida
E sem mais perca de tempo
Foi entregar-se à prisão
Então depois de cumprir
A sua condenação
Saiu como peregrino
Em espinhosa missão
Dizia mesmo consigo:
Hei de viver como incréu
Pois mediante o que fiz
Ainda sou triste réu
Paguei a pena da lei
E não a pena do céu
E saindo mundo afora
Com gesto de tresloucado
Barbas e cabelos grandes
Sujo e esmolambado
E conduzindo no ombro
Grande cruzeiro pesado
Naquele tempo Canudos
Era um pequeno arraial
Antônio chegou ali
Permanecendo afinal
Dedicou-se a conselheiro
Teve o apoio em geral
Havia no arraial
Uma igrejinha indigente
E ele como beato
Pregador e penitente
Tomou a pobre igrejinha
Por seu abrigo dolente
Daí veio o apelido
De Antônio Conselheiro
Logo espalhou-se a notícia
Naquele sertão inteiro
Todo mundo tinha fé
No beato milagreiro
Logo nasceu um despeito
Dum tal padre Ibiapina
Porque viu o conselheiro
Também usando batina
E conquistando os fiéis
Pregando a santa doutrina
Finalmente Conselheiro
Era dali mandatário
Propondo ali no local
Plano revolucionário
Desfazendo da comarca
Como rebelde contrário
Porém todo povo em massa
Gostava do Conselheiro
Porque ele conquistava
Aquele sertão inteiro
Muito embora atribuído
Como ente desordeiro
Pois Antônio Conselheiro
Apesar de pregador
Falava contra a República
Não queria dar valor
Por isso os republicanos
Lhe tinham ódio e rancor
Na cidade Bom Conselho
No estado da Bahia
O governador mandou
Para o juiz certo dia
Uma ordem de expulsar
Antônio da freguesia
Nesse tempo o Conselheiro
Começou a construção
De uma igreja em Canudos
Sem ter autorização
Com isto mais se agravou
A sua perseguição
E acontece que ele
Teve muita precisão
Dumas peças de madeiras
Para fazer armação
Mandou pedir ao juiz
Daquela jurisdição
Então mandou um jagunço
Seguir como encarregado
À cidade Bom Conselho
Comandando um grupo armado
Incumbido de levar
Ao juiz o [seu] recado
Na cidade Bom Conselho
Foi chegado o cangaceiro
Ao prefeito e juiz
Dera como mensageiro
O recado que mandava
O Antônio Conselheiro
O juiz lhe respondeu:
Pode voltar desde já
E diga ao Conselheiro
Que ele conseguirá
O que está pretendendo
Se ele mesmo vir cá
Logo o jagunço fitou
Para o juiz de direito
Disse: Eu dou o seu recado
Porque não tenho outro jeito
Mas sei que o Conselheiro
Não vai ficar satisfeito
Quando o jagunço voltou
Disse: Senhor Conselheiro
O juiz lhe mandou um
Recado muito grosseiro
Me parece que ele está
Com intento traiçoeiro
Disse que o senhor mesmo
Fosse imediatamente
Disse que pretende vê-lo
Com ele de frente a frente
Pois deseja conhecer
O senhor pessoalmente
O Conselheiro pensou
E disse desta maneira:
Vamos todos reunir-nos
Numa missão prazenteira
E vamos a Bom Conselho
Buscar a dita madeira
Na manhã do outro dia
Reuniu um batalhão
De centenas de fanáticos
Como peregrinação
E seguiram a Bom Conselho
Em rigorosa missão
Porém alguns iam armados
De rifles e carabina
Embora por precaução
Pelos reveses da sina
Sem intenção de fazerem
Nenhuma carnificina
Acontece que de lá
O juiz organizou
Um batalhão de soldados
E para o qual convocou
Um tenente como chefe
E a Canudos mandou
Deu-se entre duas serras
O encontro inesperado
E Antônio Conselheiro
Quando se viu atacado
Mandou que abrisse fogo
Foi o combate travado
Então naquele combate
Muita gente pereceu
Do povo do Conselheiro
Quase a metade morreu
E da polícia escapou
O tenente que correu
O Conselheiro ficou
Sem alegria e sem glória
E o tenente voltou
Para contar a história
E lá as autoridades
Planejaram uma vitória
Foi em novembro do ano
Dezoito e noventa e seis
Do outro século passado
Que pela primeira vez
Canudos foi atacado
No dia 7 do mês
Num ataque comandado
Por Damasceno Gouveia
Marechal forte e valente
De sangue quente na veia
Esse morreu no combate
Duma morte horrenda e feia
Então ali os fanáticos
De Antônio Conselheiro
Ficaram mais prevenidos
Juntou-se mais dum guerreiro
Com as armas que tomaram
Daquele ataque primeiro
Bem reunidos cavaram
Trincheiras para defesa
E construíram de pedras
Mais de uma fortaleza
Prontos para rebaterem
Os ataques de surpresa
Ficaram bem preparados
Arranjaram munição
Todos se exercitaram
Para na ocasião
Pois até mesmo as mulheres
Pegaram no mosquetão
O segundo ataque foi
Na grande serra Combaia
No pé tinha uma lagoa
Que ficaram de atalaia
Onde muitos se banhavam
Como se fosse uma praia
Essa dita se chamava
A lagoa do Cipó
Aonde ali se banhavam
Os jagunços numa mó
Nisso os policiais
Mandaram bala sem dó
Então a dita lagoa
Ficara denominada
Como lagoa Vermelha
Desde a cena passada
Pois sua água ficou
Como sangue avermelhada
Dizem que ainda hoje
Quem passar lá em Canudos
Verá o grande cenário
Demonstrando conteúdos
Daquelas cenas dramáticas
Nos servindo de estudos
O padre Cícero Romão
Que vivia em Juazeiro
Mandou fazer um pedido
A Antônio Conselheiro
Para ele desistir
Da ideia de guerreiro
E fosse às autoridades
Para que reinasse a paz
Ele mandou a resposta
Que não seria capaz
Aquilo estava previsto
Não ia voltar atrás
Muito embora custasse
O sangue da humanidade
Mas ele tinha uma dívida
A pagar na eternidade
Só pagaria com sangue
Por espontânea vontade
Assim demais aumentou
A grande perseguição
Contra Antônio Conselheiro
Com ódio e repercussão
E ele sempre enfrentando
A grande revolução
Deu-se o segundo combate
Dia 12 de janeiro
Do outro ano seguinte
Que vou contar prazenteiro
Dezoito e noventa e sete
Ano infeliz agoureiro
Coronel Moreira César
Comandou o batalhão
Com 1.200 soldados
Seguindo em expedição
E esperando trazer
Sua vitória na mão
Caminharam vários dias
Por aqueles Cariris
Ouvindo nas terras secas
Os gritos dos bem-te-vis
Sofrendo sede e cansaços
Num sofrimento infeliz
Certa noite se acamparam
Sobre o alto da favela
Serra feia e tenebrosa
De Canudos paralela
Ali a tropa cansada
Domiu com muita cautela
Então o Moreira César
Na manhã do outro dia
Com um binóculo de alcance
Que consigo conduzia
Do arraial de Canudos
Todo movimento via
Tomou todas precauções
Com astúcia e esperteza
Foram chegando pra perto
Para atacar de surpresa
Porém os ditos jagunços
Estavam na fortaleza
Durou quase duas horas
Esse grande tiroteio
Do batalhão de soldados
Via-se um quadro feio
Formou-se um lago de sangue
E todos mortos no meio
Depois que cessou o fogo
J no final da questão
Uma mulher traiçoeira
Agarrou um mosquetão
Fez pontaria certeira
No chefe do batalhão
Coronel Moreira César
Que a tropa comandava
Também morreu no combate
Quando já se retirava
Porém foi morto à traição
Quando menos esperava
Então o governador
Tomou uma decisão
Vendo que estava séria
Aquela revolução
Para o Ministro da Guerra
Apelou a solução
Veio o Ministro da Guerra
O Prudente de Morais
Com as forças do Exército
Homens de gênios brutais
Foram cinco mil soldados
E dois bravos generais
Levaram tanques de guerra
Canhão e metralhadora
Granadas e dinamites
As armas arrasadoras
E foram arrasar Canudos
Com ordens superioras
Mas Antônio Conselheiro
De mais a mais se aprontava
Jagunços pra lhe ajudar
Todos os dias chegavam
E ele bem prevenido
Por outro ataque esperava
Pelo grande batalhão
Canudos foi atacado
Fizeram uma circular
Conforme foi planejado
Com meia hora depois
Deixarem tudo arrasado
A igreja que estava
Em fase de construção
As paredes desabaram
Com os tiros de canhão
As casas pegaram fogo
Só se ouvia explosão
Desta vez também morreu
O Antônio Conselheiro
Que viveu com seus jagunços
Implantando o desespero
Findou-se aquele flagelo
Do Nordeste brasileiro
A TV Globo mostrou
Esta cena do passado
E eu em casa assisti
O fato dramatizado
E apresento também
No meu verso improvisado
Atualmente se ver
Onde foi o arraial
As águas de um açude
Cobrindo aquele local
Onde há anos se deu
Aquela cena fatal
A-gora peço desculpas
A-os meus caros ouvintes
L-evem este meu livreto
V-ejam meus versos seguintes
E-spero que os leitores
S-ejam meus contribuintes
Foto do cadáver de Antonio Conselheiro, por Flavio de Barros, depois da morte em 22 de setembro de 1897.
TEXT IN ENGLISH
From:
THE OXFORD BOOK OF LATIN AMERICAN POETRY: a bilingual anthology edited by Cecilia Vicuña and Ernesto Livon-Grosman. Agawam. MA, USA: Oxford University Press, 2009. 561 p. 16x24,5 cm. Contracapa, capa dura. ISBN 978-0-19-512454-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
APÔLONIO ALVES DOS SANTOS
(1926-1998 Brazil)
Born in Guarabira, Paraiba, Brazil, Alves dos Santos lived in Rio de Janeiro where he worked as a brickmaker while writing and selling cordel poetry. Author of "As bravuras de Ismael en defesa do amor," "A morte de Lampião ou a Vingança de Corisco," and other poems, his work was included in Sebastião Nunes Batista's Antologia da literatura da Cordel (1977). Literally, "literature on a string," literatura de cordel was a way for poor rural, and subsequently urban, Brazilian poets to showcase their writing. In a fashion similar to European pamphlet poetry, the Brazilian poets began to publish on small hand presses in the late nineteenth century. The poets would string the poems together and hang them between two posts in popular markets and streets. The cordel reached its zenith in the 1950s and was an important form of political and cultural commentary that is still practiced today. The pamphlets included an illustration made for each poem by a different artist, which became a signature inseparable from the whole, thus making the cordel yet another manifestation of visual poetry.
Antonio Conselheiro and the Canudos Rebellion /
Antonio Conselheiro e a guerra de Canudos
Mark Lokensgard, trans.
Let me tell you the story
of Antonio Conselheiro
who in spite of being righteous
and fearful of our Lord
defended the town of Canudos
as a warrior most courageous.
In truth Conselheiro's name
was Antonio Maciel
he became a true repenter
of suffering most cruel
but in spite of his torment
he was a faithful soul.
I will tell you how it was
that he became converted
into a holy pilgrim
sad and most repented
of two horrendous crimes
that he in rage committed.
For Antonio was married
to an angel full of grace
as beautiful as a saint
on the altar of our Lord
and who was the hapless victim
of lies her name would taint.
For the mother of Antonio
would never call her 'daughter'
and never tired of saying
that Antonio should leave her
but in the face of all this slander
Antonio did not believe her.
And seeing that her son
would simply not believe
in his mother's denigrations
it was then that she resolved
to create the needed evidence
to prove her accusations.
The old woman said: My son
every time that you go out
to travel at the dawn
your wife her vows betrays
her lover comes and enters
at the hour you have gone.
If you wish to know the truth
heed me when I say
to tell your wife tomorrow
that you will be away
but then my words confirm
as hidden nearby you stay.
And then in the darkness
you will see a hooded man
steal around the back
to complete his shameful plan
and wait for the gate to open
and enter when he can.
And so Antonio did
he said to his dear spouse:
Today I will seek work
some distance from our house
I may return at night
or be back within the hour.
And so the evil crone
now had the trap prepared
and to make firm the plot
for the angel to be ensnared
dressed herself in men's clothing
to catch them unaware.
And at the usual hour
Antonio closed the door and left
and decided he would hide
at one corner of the fence
then he saw a hooded figure
approach with silent step.
Antonio was armed and ready
and sent bullet after bullet
at the figure from his revolver;
from inside, the sound of running
then his wife in shocked surprise
threw open wide the door.
Antonio seeing his wife
rained fire too upon her
the woman screamed for her life
a scream of one who suffers
and then, fatally wounded
fell back upon the floor.
Then Antonio Maciel
shaking with rage and fury
ran to see his rival's face
to pull back the figure's hood
and see if he would recognize
the man from some known place.
When Antonio then saw
the face of his own mother
he cried: In the name of Jesus
and Mary our protector.
Página publicada em janeiro de 2015; AMPLIADA em julho de 2017
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