ANDRÉ RICARDO AGUIAR
Nasceu em Itabaiana, Paraíba, é poeta, contista, autor de livros infantis. Publicou pela Editora Ideia o seu livro de poemas “A Flor em Construção” (1992). Fruto de uma viagem a Portugal, escreveu “Bagagem Lírica” (2003), publicado pela Sal e Terra.
Blog do autor: www.andreicardoaguiar.wordpress.com
“No outro extremo indicamos a poesia de André Ricardo Aguiar. Ela conquista sua estranheza e beleza pelo uso radical da imagem, que está na raiz de sua singularidade. Imagem: metáforas, comparações, toda sorte de figuras de linguagem; que no caso de André Ricardo Aguiar, têm também um poderoso poder de evocação visual.” Fábio Andrade, pernambucano, poeta, ensaísta e editor da revista Crispim de Crítica e Criação.
Leitura da Insônia
Q telhado,
essa quilha
que me lê
muito antes
do leite da manhã
dos garis
que catam
restos de salário
ë dos homens
de rara alvenaria
esses pássaros
que trocam o vôo
pelo dia.
O Ciclista
À flor veloz
colhe o tempo
(pedal)
pé ante perigo
no risco de dar consigo
Centauro de rodas e aros,
meio homem, meio
de transporte
A pena da bicicleta
escreve ruas
até que uma esquina
engatilha o ciclista
e dispara—
A pólvora do instante
o ciclo da vida
Tudo pássaro
e passageiro.
Terceira vigília
Mulher nua dormindo. O mistério em pétalas.
Os labirintos semicerrados, como se deuses
movessem a mobília dos sonhos.
A cama é uma mulher silenciosa. Gótico barco
e páginas de antigos mares na insônia
das palavras caladas, âncoras de sombra.
Noite entre mulher e vigília. 0 luar salta a janela
(uma lagoa) e por uma fresta mínima
a ternura sonha pequenos dragões.
Os Argonautas
Os mortos com seus sapatos ébrios.
Quem os detém? Beberam os licores
da perda e andam por corredores
com suas certezas de pó, desafagos,
suas bíblias da inércia.
Parecem dizer algo, anúncio de verme.
Às vezes, cismam e por instantes
folheiam o vento, habitam
uma fotografia, pesam uma lágrima.
Não os tivessem tocado, é o batismo
geral ou a relva inconcebível
voltariam a arquivá-los
numa lua de esquecimento.
Extraído de ANTOLOGIA SONORA – Poesia Paraibana Contemporânea. João Pessoa: Edições O Sebo Cultural, 2009. Produção executiva de Heriberto Coelho de Almeida. Contendo 9 CD com gravações de poemas nas vozes dos autores, e 31 encartes em caixa de madeira. ISBN 978-278-995423
AGUIAR, André Ricardo. A idade das chuvas. São Paulo: Editora Patuá, 2012. 92 p. ilus. col. 16x23 cm ISBN 978-85-64308-64-0 Editores: Aline Rocha, Eduardo Lacerda. Projeto gráfico, capa e ilustrações: Leonardo Mathias – flickr.com/leonardomathias Col. A.M. (EA)
Motivo
Digo-te apenas o necessário
com duas ou três palavras,
uma praia, um caminho,
jeito de pousar o livro.
E de dizer aqui: tens uma ponta
de um pensamento ou nuvem
com que descubro
o quanto és semovente.
Também dizemos presença
para o grão ou a lágrima,
e também quando fenece
o girassol da espera.
Apenas te digo: ouve
o respirar de uma chuva
quando quer escolher
tipos de despedidas.
Ou me dizes: não descansa
uma árvore sua sombra?
Tudo o que é necessário, germina.
Folha, canção, precipício.
Assim disse o poema.
Bilhete a Bishop
Tudo soa como perda,
a mesa, esse poema,
uma cachaça,
um continente,
o alarido abstraio
dos quintais,
pétalas do calendário,
o amor
(esse outdoor silencioso)
runas e ruínas
o tempo cronometrado
do metro,
as segundas exiladas,
os domingos
em ponto morto,
tudo soa e ressoa
melancolicamente
pequena luz
para insetos:
a perda,
maçã sabendo
a paraíso perdido.
Epitáfio
Posto que não serei nada
que meus versos mais esquivos
sirvam de esquife (ou de esfinge)
que eu saia da vida por via da dúvida
e que minha poesia,
mais que um rarefeito horto,
seja uma poesia de menos
e de poucos.
Página publicada em outubro de 2009, a partir do material cedido pelo Editor. Página ampliada em outubro de 2012 a partir de exemplar do livro enviado pela editora.
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