ALCIDES FERREIRA BALTAR
Nasceu no engenho Manguengue, no distrito de Espírito Santo, a 12 de outubro de 1877. Fez os primeiros estudos no antigo Liceu Paraibano. Fez o curso jurídico na Faculdade de Direito do Recife, onde colou grau em 1902. Faleceu em 1918. Colaborou em jornais e revistas, mas não deixou livros publicados.
PINTO, Luiz. Coletânea de poetas paraibanos. Rio de Janeiro: Ed. Minerva, 1953. 155 p. 16.5 x 24 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
METAMORFOSE
Ao Edmundo Filho
Eu era o trovador alegre e descuidado
De louros ideais, de místicos amores!
Com alma de criança, o peito imaculado,
Como o sonhar de um anjo, entre o sorrir das flores.
Cantava a natureza, o páramo azulado,
A lua adormecida em tépidos vapores. . .
E vendo do universo o rosto amargurado,
— Incauto sonhador!... eu ria-me das dores...
Mas, vi-te! e... despertei da vida de quimera,
Ardente como o sol ,em plena primavera,
Aos gritos da razão, à voz da realidade!
E agora!... quem outrora do mundo escarnecia,
Com Ele também chora um choro de agonia,
Envolto no sudário oculto da Saudade!...
I A M A R
Privado sempre do teu carinho
Quando apareces, graciosa santa,
À flor do lábio, qual passarinho
Alvissareiro meu beijo canta.
Canta! e minh'alma risonha, em festa,
Esquece os tristes, negros pesares,
Para aquecer-se como a floresta,
Ao sol, ao fogo dos teus olhares.
Olhares ternos e penetrantes
Que o bando acorda dos meus anelos,
Como eu vos amo raios brilhantes
De olhos mais negros que os teus cabelos!
Cabelos pretos, finos, ondeados,
Monte onde o sonho freme e palpita
Gosto de vê-los desalinhados.
Apenas, presos por uma fita.
Fita que prende laço tão breve,
Bem o quisera ser preso um dia
Pelos teus braços, colar de neve
— Cadeia ebúrnea que delicia!...
Delícia extrema se as vezes sonho
— E ouço minh'alma vibrar no espaço —
Que vou tranquilo dormir risonho
No leito branco do teu regaço.
Regaço branco, cor de alvas plumas
Mar onde o gozo de amor estua,
O meu desejo como as espumas
À superfície, também flutua!...
Flutuo errante, trémulo, incerto,
No alto relevo das minhas prevês;
Porém ( querida, voaria certo,
Ao Paraíso, se tu quisesses.
Se tu quisesses, doce Maria,
Surgir piedosa no meu caminho,
A tudo e a todos desprezaria
Pela doçura do teu carinho...
AFRÂNIO
Nesta da morte placidez sombria
Dorme da vida o derradeiro sono...
— Lírio pendido no primeiro outono,
Loura criança que a sonhar vivia!
Que importa o mundo? no seu seio impuro
Há gritos, prantos, aflições e dores,
Enquanto meigo a nos falar de amores,
Dá-nos veneno num sorrir perjuro.
Feliz daquele que num surto franco,
— Cisne impoluto, imaculado, branco,
Pousa nos goivos do jardim da morte...
Desta paragem no viver sereno,
Nem ri-se o grande de aventuras pleno,
Nem chora o triste lamentando a sorte.
Página publicada em julho de 2019
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