SOLANE CARVALHO
(Belém do Pará, Brasil, 1965) é poeta e pós-graduada em Literatura infanto-juvenil.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Revista da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Número 26 - Ano 14 – 2017 - Editor Marco Lucchesi Ex. bib. Antonio Miranda
Divisa
Nem sempre a faca fere,
nem sempre o zelo ampara.
Às vezes as peles se unem
quando um corte as separa.
Dois
Dois pães, por favor, e fatia de manhã nascendo
para eu colocar na palavra
tecida ao longo do tempo
que já descamba a anoitecer.
Porque a manhã,
porque a manhã sem a palavra
não é nada, um dia colocado no outro,
uma armadilha.
Porque o pão,
porque o pão
sem o coração
não sacia.
Régua
Deita sobre a relva, remendo da galáxia.
Estou em casa,
no esmero de desmedir o tamanho do entorno,
com o olho côncavo de um ovo ainda não gerado,
com o dedo mínimo erguido em haste,
isso me baste.
Qualquer brisa circunda o mundo.
Este óleo que reconheço me lastima
um clamor, assobio, palavra cingindo o lábio.
Quer de mim esse infinito uma medida,
quer que eu toque a sua face e o nomeie,
seis, quatro, vinte tribos... conto. somo. subtraio.
Minha ínfima régua precária é a minha manhã,
essa dona que se apruma aos cotovelos,
esse segundo, minuto, esse.
Cambaleia no halo do meu espanto
uma estrela que ao brilhar já faleceu.
0 céu à noite é um enxerto, fiapo do infinito cortado em cubos, um viés da barra do véu de vários deuses,
cada um com fios de dias entre os dedos,
boiando sobre o tempo,
enquanto o tempo,
enquanto o tempo deita sobre a relva a sua parte...
isso me baste.
Página publicada em junho de 2019
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