|
|
RUY BARATA
Nasceu em Santarém, em 25 de junho de 1920, e morreu em São Paulo, em 23 de abril de 1990, quando pesquisava sobre a passagem de Mário de Andrade pela Amazônia. Homem de múltiplas atividades (advogado, cartorário, jornalista, poeta, professor e político), Ruy Barata exerceu intensa atividade política, elegendo-se deputado estadual pelo Partido Social Progressista (1947-1954, em duas legislaturas). Como jornalista, até 1964 dirigiu o suplemento literário de 'A Província do Pará', além de ter sido titular da cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Artes (mais tarde incorporada à Universidade Federal do Pará). Em 1964, com o golpe militar, foi preso, demitido do cartório e aposentado compulsoriamente do magistério superior.
Saindo da prisão, passou a sobreviver como advogado. Com o advento da anistia, em 1979, voltou à atividade acadêmica, sendo readmitido na Universidade Federal do Pará. Publicou 'Anjo dos Abismos' e 'A Linha Imaginária' e 'Antilogia' (organizado e revisado por Ruy Barata em 1990, mas só publicado no ano de 2000). Com seu filho Paulo André Barata compôs em parceria um vasto número de canções que se tornaram referência em todo o Estado do Pará. Não se pode falar de música paraense sem que seu nome esteja presente. (ENZO CARLO BARROCCO)
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
Auto-Retrato
Entre a espuma e a navalha sou legenda.
O espelho neutraliza o ângulo da morte,
a barba estrangulou a metafísica
e o problema do mal é bem remoto.
Aqui sim.
Aqui resistirei à mímica,
ao dicionário e ao laboratório.
(a herança do punhal brilha de novo
o fantasma de Abel não me intimida)
Vejo a testa crescer
entre espirais de fumo,
o olhar que não vacila
da ruga à pré-história
e o peito rasgado
pela fúria do poema.
Aqui sim,
aqui iniciarei a espécie nova,
aqui derrotarei o homem-harpa
e pronto estou para a descoberta do sexo.
O pincel dá-me o poder do patriarca,
a navalha reduz a timidez e o medo,
o palavrão rola na boca e salva o mundo.
A Linha Imaginária
Vida suplementar,
tão próxima de ti,
tão evidente,
nas dobras deste enigma sereno.
Um pensamento só, voltar à infância,
um desejo qualquer, basta a esperança,
e refloresces em dádivas e gestos.
Este braço de mar é teu, - podes guardá-lo,
esta paz,
este azul,
este piano,
esta nesga de céu que o vento espalha.
Tudo tão próximo de ti,
tão ligado ao teu cotidiano,
ao teu suor diurno,
às tuas vigílias,
às tuas palavras que emprestas
uma outra significação.
Só agora percebes
a tua absurda neutralidade
diante deste fim de tarde,
deste sino que é a tua primeira
e única
memória musical,
desta noite,
caindo leve
sobre a tua cidade.
Só agora buscas o espelho
que procuravas evitar,
só agora tentas restabelecer
todos os elos que ainda justificam tua mísera existência, reconstituir todos os fatos,
- mesmo os não evidentes -
o Fiat,
a Paixão,
os elementos,
o riso do amigo mais amado.
Só agora te permites a inutilidade
deste gesto fraterno;
só agora ousas confessar
a saudade
que há tanto tempo agasalhaste na sombra,
- de ti mesmo,
- dos teus brinquedos favoritos,
- da mansa voz
do teu primeiro amor.
Só agora te serves desta aurora,
tão próxima de ti,
tão evidente,
nas dobras deste enigma sereno.
Anjo dos Abismos
Quero chegar diante de ti
não como o vulto familiar que doura o teu sossego,
não como a imagem do sonho
que se perde na bruma,
mas como o fantasma de dentro de ti mesmo.
Quero chegar diante de ti,
e olharás minha longa cabeleira,
minhas faces esvoaçantes,
meus olhos incolores
e adivinharás que atravessei
os limites do eterno.
Ó esta noite todas as luzes estarão veladas pelo sono,
todos os silêncios serão devorados
pela eternidade,
todas as chagas ressurgirão das dores,
todos os olhos estarão desmesuradamente abertos
mas não poderemos sentir
a Sua presença
porque então passamos à pátria das essências.
Esta noite chegarei diante de ti,
nossas almas se confundirão na grande viagem,
nossos olhos se alongarão ao paraíso dos símbolos
onde nasce o grande mar das almas moribundas.
Chegarei sobre a tranqüilidade dos teus cânticos
e te assombrarás com este vulto notívago de morto
que se suspende milagrosamente além dos tempos
e que conduz as asas multicores
no derradeiro vôo das espécies.
Ó sim sou eu por sobre as nebulosas,
fantasma que povoa quatro mundos,
imagem perdida e mais tarde encontrada
no limitado céu da poesia.
CANÇÃO DOS QUARENTA ANOS
Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi.
Espelho, diz-me em que jaca
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corri.
Quarenta anos, quarenta!
(Quantos mais inda virão?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão?
Serei pasto da malária?
Serei presa do avião?
A morte engendra esperança
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem?
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar :
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã de quem serei?
Um homem é sempre segredos
(Por qual deles purgarei?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei?
Que virtudes foram minhas?
Que pecados confessar?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar!
Ah! como a vida é ligeira!
Ah! como o tempo deflui!
Este espelho não mais fala
da criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui.
Quede rede balançando?
Quede peixinhos do mar?
Quede figo da figueira
pru passarinho bicar?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar?
Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar?)
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando
— o reino em que foi feliz. —
Onde Athos? Onde Porthos?
Onde o tímido Aramis?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.
Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for. |
|
TEXTO EN ESPAÑOL
Ruy Guilherme Piratininga Barata nació en el Estado de Pará, Brasil, em 1920.
Obras: Anjo dos Abismos (1943); A Linha Imaginária (1951).
CANCIÓN DE LOS CUARENTA AÑOS
Traducción de Adán Méndez.
Poema, alza la copa
por los días que viví.
Espejo, dime en qué fruta
más fiel me reflejé.
Cuarenta años corrieron
y en ellos también corrí.
Cuarenta años, cuarenta!
(y cuántos aún vendrán)
Iré a morir hoy de infarto
o mañana de soledad?
Seré pasto de la malaria?
Seré presa del avión?
La muerte engendra esperanza.
La muerte sabe fingir.
La muerte apaga el recuerdo
de la muerte que va herir.
Y em cada instante que pasa
la muete puede surgir.
Quién puede medir un hombre?
O quién lo puede juzgar?
Un hombre es tierra de sueños,
que se deben descifrar,
ayer navegue en el viento,
y hoy cabalgo en el mar.
Hoy dia soy, ayer no era.
Mañana de quién seré?
Un hombre siempre es secretos.
(Por cuál de ellos purgaré?),
De mis nietos, habrá um nieto
en el cual me repetirá?
Qué virtudes fueron mias?
Qué pecados confesar?
Qué territórios de enganos
a mis hijos legaré?
A quién pasaré mi canto
cuando este vaya a pasarl
Tan ligera que es la vidal
Y como transcurre el tiempo!
Este espejo ya no habla
de ese niño que yo fui,
de mis arrugas cayendo
apenas un nombre Ruy.
Dónde la hamaca que se columpiaba?
Dónde los peces del mar?
Dónde el higo de la higuera
que el ave iba a picotear?
Y el anillo que me diste
en qué dedo fue a parar?
Diciembre llamando a enero,
(a febrero vá a llamar?)
Montecristo si me viere
jamás lo podrá creer.
Qué manera de estar viejo,
diria la doncella Dagnar.
El hombre crece desparramando
el reino en que fue feliz —
Donde Alhos? Donde Porthos?
Donde el tímido Aramis?
Un hombre crece queriendo
y cuando no quiere crece.
Crecer rima con vida
pêro también con el morir.
Crecer es tierna herida.
que duele ai atardecer,
En Ia raiz de Ia muerte
hay siempre un verbo crecer.
Y crezco: macho y poeta.
(Subo en línea, vuelvo en color),
crezco violentamente,
crezco en ráfagas de amor,
crezco en los hijos creciendo,
y crezco trás mi partida.
Crezco en tiempo y eternidad,
crezco en lucha, crezco en dolor,
no hice mi verso castrado,
ni me rindo ai opresor,
crezco en el polvo creciendo,
y crezco trás mi partida
Extraído de VISIÓN DE LA POESÍA BRASILEÑA. Edición bilíngüe. Selección y prólogo de Thiago de Mello. Traducción de Adán Méndez.
Página ampliada e republicada em janeiro de 2009
|
|