RUBENS DE ALMEIDA
Paraense, poeta, e professor de Letras forma
do pela Universidade Federal do Pará.
A AURA DOS ILUMINADOS
Acendo o meu cigarro na aura dos iluminados
bato a minha cinza nas fendas escavadas pelos terremotosT
minhas mãos, estourei-as, aplaudindo um poeta patético
minha língua tem estado estendida desde sempre em todos os templos
e jamais sacerdote algum lhe quis deitar uma hóstia
minha cabeça continua profundamente receptiva à bala fulminante.
À luz das velas das encruzilhadas, leio e releio todos os Evangelhos enquanto
demônios derramam cachaça pelas páginas
e despetalam rosas vermelhas nos meus cabelos.
Pacifico a atormentada linguagem da urtiga
umedeço docemente os abrasados lábios dos camelos
limpo cuidadosamente todos os rastros deixados pelos caranguejos.
O café revela-me porque só se entrega saboroso quando quente
a cerveja revela-me porque só se entrega saborosa quando gelada:
o fogo e o gelo, minha amada, são os dois extremos da sabedoria.
E necessário chegarmos até onde o fogo e o gelo tocam?
É imperioso chegarmos até onde o fogo e o gelo se tocam?
É possível chegarmos até onde o fogo e o gelo se tocam?
Ah chegarmos até onde o fogo e o gelo se tocam!
Ai chegarmos até onde o fogo e o gelo se tocam!
Coloco letra no uivo dos lobos e estabeleço a fantástica parceria
escorraço um punhal que deslizava sub-reptício para endoidecer-se
no meu coração
provoco o beijo labial entre o beija-flor e o urubu, pra que este
não desgrace com seu hálito podre as minhas nuvens brancas no céu.
Participo do frenesi da folhagem durante os vendavais!
Participo do frenesi do pranto durante os funerais!
Participo do frenesi do alcoólatra diante dos canaviais!
Participo do frenesi de Lúcifer diante das chamas infernais!
Sou cenoura e me entrego róseo no banquete da aurora!
Sou tomate e me entrego rubro no banquete do crepúsculo!
Sou esmeralda e em entrego verde no banquete dos vaga-lumes!
Do ponto de vista do silêncio a morte é uma obra-prima.
Extraído de:
VERSO REVERSO –REVISTA LITERÁRIA TUPINIQUIM.
RIO DE JANEIRO ANO O - No. 2 ABR/MAIO 1985
Página publicada em setembro de 2019
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