PAULO PLÍNIO ABREU
(1921-1959)
Nasceu e faleceu em Belém do Pará.
Paulo Plínio Abreu fez parte da geração de Mario Faustino, Benedito Nunes, Max Martins. Tradutor de Rilke e T.S.Eliot. Dono de uma escritura singular. Paulo Plínio desapareceu sem deixar vestígios. Foi publicado (postumamente) em 1978 pela Universidade Federal do Pará.
Paulo Plínio fez da literatura uma insólita aproximação com a morte: quero sentir em mim as frias mãos da morte; a morte não como elogio mórbido da morte mas como devir-morte que pensa a morte como uma presença que temos que aprender, reconhecer, encontrar, sem sustos nem entusiasmos. Esse estranho sentir é aquele em que a sua realização incide no apagamento daquele que escreve. Sentir a morte para engendrar uma escrita outra, total; atravessada por abismos: quero sentir em mim as mãos frias da morte para ver o abismo. O abismo de Paulo Plínio Abreu é a literatura. A sua escritura nada enuncia e nada confessa. NILSON OLIVEIRA (em Cronópios)
MADRUGADAS DE UM ESTRANHO ENCANTO
Madrugadas de um estranho encanto
que me comoveis
como o vento e o sossego
das tardes de um sempre
e das noites que nunca
descobri no puro ou impuro canto.
A luz escarlate
baixava como um inseto
na varanda perdida.
Um pássaro morto caía de súbito entre plantas
de um antanho desejo
que o orvalho molhava
e era espanto mesmo
no corpo da noite
despovoada e fria
com as agonias
de um frustrado espasmo.
O COMEDOR DE FOGO
Veio do comedor de fogo e de seus milagres a esperança impossível.
Do comedor de fogo e de seus milagres à porta de sua tenda
Onde dormiam os cães numa nuvem de moscas.
Veio do comedor de fogo a esperança dos mundos impossíveis.
Veio dessa lembrança hoje apagada pelo tempo o sombrio desejo de evasão.
Veio do comedor de fogo a visão da vida aberta como um grande circo
E o convite irreal para a distância onde se esconde a morte.
Até o amor se perdeu nessa lembrança de um estranho comedor de fogo
E toda a infância confundiu‐se com os milagres desse saltimbanco
E de seus cães doentes à porta de sua tenda.
SONETO
Antes pudesse o Aquário refletir‐se
nas águas do teu pranto, o teu olhar semita
conduzir‐me como nos céus o vento
arrebata uma estrela e anuncia
morte, desolação, naufrágio, amor.
Mas preso no sargaço escuro
de um póstumo canto, ajunto fragmentos
de mim, de minha infância, e o gosto
de uma majestosa e angélica beleza.
A salvação não quero, antes perder‐me
e achar‐me como hoje repartido
em fragmentos de amor na púrpura da tarde,
reconhecido em múltiplos cantares,
ou nas ardências de um postremo dia.
POEMA SOBRE A MORTE
Ela virá dos mares.
Sentiremos o mistério dessa atração irresistível.
Sentiremos o frio em que desabrochará essa flor maravilhosa
Que perdida no inverno era o destino informe e desconhecido.
Ela virá dos mares como as perdidas aventuras
E será o convite fatal.
RECOMPOSIÇÃO DO ENIGMA
Venho do fulgor de tua beleza
e espero o eclipse que deveria ter‐te anunciado.
Sou quem não foi senão espanto
mas quem tua beleza bebeu e embriagou‐se
num porto dessa Tróia incendiada.
Página publicada em fevereiro de 2008. |