Fonte: www.culturapara.art.br/
MAX MARTINS
(1926-2009)
Max Martins nasceu em Belém do Pará em 1926.
Obras: O Estranho, Belém, Revista de Veterinária, 1952; Anti-Retrato (Belém, Falângola, 1960, receberam respectivamente os prêmios da Academia Paraense de Letras e Secretaria de Educação do Estado do Pará; O Risco Subscrito ( Belém, Mitografe, 1980); A Fala entre Parêntese ( Belém, Grapho/Grafisa, 1982., parceria com o poeta Age de Carvalho); Caminho de Marahu (Belém, Grapho/Grafisa, 1983); 60/35 ( Belém, Grapho/Grafisa, 1986;) Não para consolar. Poesia completa. (Belém, CEJUP, 1992. Prémio Olavo Bilac da ABL, dividido com o poeta António Carlos Osório); Marahu Poemas (Belém, CEJUR 1992); Colagens ( Belém. CEJUP, 1992); Para ter onde ir (SP, Massao Ohno/Augusto Massi, 1992); Outrossim. Poema-cartaz. (Belém, Casa da Linguagem, 1991); J poemas. Folder, (Belém, Falângola, 1991); e Caudrons of Críatirity. Poemas e ilustrações de Max Martins de seus Diários do Poeta. Exposição na Universidade do Colorado, EUA, 1999.
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MARTINS, Max. Cadernos de Pinturas. Belém: Secultu / Amu- Associação Amigos dos Museus do Pará, 2007. s.p. ilus. col. 21x30 cm. ISBN 978- 85-73713-068-3 Edição em fac-símile. Ex. bibl. Antonio Miranda
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A CABANA
É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
E que tens uma esteira
E que tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir.
O CALDEIRÃO
Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas
que se abrem e fecham
fecham e abrem
carcomidas)
Ferve
a gordura e as unhas das palavras
seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
Ferve
e entorna o caldo, quebra o caldeirão
e enterra
teu faisão de jade do futuro
teu mavioso osso do passado
Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
e o inimigo n. 1 já não te enxerga
ou vai embora
varre tua esperança tíbia
o tigre da Coréia da parede
É lícito tomar agora a concubina
E despentear na cama a lua escura, o ideograma
Extraído de:
POESIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX: dos modernistas à atualidade. Seleção, introdução e notas Jorge Henrique Bastos. Lisboa: Edições Antígona, 2002. 400 p ISBN 9720608-131-9 . Col. A.M.
O ESTRANHO
Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar.
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.
RASGAS A FRIA NOITE COMO UM DARDO
Rasgas a fria noite como um dardo
em fogo
e logo
a flâmula como um pêndulo
desce sobre o peito
donde nasce um sol obscuro e virgem.
Através dos ramos levo-me — levas-me —
puro e simples para os ventos
mesmo que triste, inconsútil e leve.
Mas, como se de pedra fosse o ilimitado
de coral ou ilha
o gesto falha inútil
e impetuosamente caímos sobre o limo
deflorados e neutros para o dia.
GÊMEO
No sofrer ou no regalo - alo!
o lado alado, barco zarpando, indo
do Cabo Não e para
um destino de bandeiras
negras de piratas perseguindo-me.
E
se às vezes me inauguro em praias solitárias,
Sagitário inútil sou, gémeo sendo (e só)
da gema do poema, prisioneiro
de meu próprio ovo e outro.
POESIA (IM)POPULAR BRASILEIRA. Organização de Julio Mendonça. São Bernardo do Campo, SP: Lamparina Luminosa, 2012. 302 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-85-64107-03-8 Inclui textos sobre e poemas de Aldo Fortes, Edgard Braga, Gregório de Matos, Joaquim Cardozo, Max Martins, Omar Khouri, Pagu, Qorpo Santo, Sapateiro Silva, Sebastião Uchoa Leite, Sousândrade, Stela do Patrocínio e Torquato Neto, apresentados por Omar Khouri, Reynaldo Damazio, Carlos Felipe Moisés, Manoel Ricardo de Lima, Taraso de melo, Julio Mendonça, Carolina Serra Azul, Julia Studart, Fabrício Marques, Renan Nuernberger, Guilherme Gontijo Flores, Carlos Augusto Lima e Paulo Ferraz. Ex. bibl. Antonio Miranda
“Sua poética, Max Martins já a definiu nu “Soneto” de seu primeiro livro: “os universos / Que transfiguro em flor e pedrarias”— daí em diante o que fez foi afiar as ferramentas, seja inicialmente com o diálogo formador com Mário Faustino, Benedito Nunes e outros, seja nas últimas décadas em seu constante entretecer de falas com Age de Carvalho. Depois de um trabalho transfigurador, tal conjunto de
“flor e pedrarias” certamente faz de Max Martins, cruzando diversas gerações de nossa poesia, um poeta muito maior do que seu silêncio/incêndio permite crer. Sua contribuição, se devidamente valorizada, colocaria Max no centro da discussão sobre poesia entre nós: mas ele, em seu sossego de mestre, nunca precisou disso.” TARSO DE MELO
O ESTRANHO (2)
Alheio — contudo tão próximo.
Em ti busco a dor que me corrige
na tarde
em um a um dos teus perigos
que reduzo em flor para meu uso
particular, estranho.
O teu grotesco
na impossibilidade de me deter
já me consola.
Ajusto as botas que levam ímpar
calejado,
de gravata e triste.
(POESIA)
Teu nome é não em cio e som farpados
Cilício escrito, escrita ardendo, dentro
se revendo
fera
do silêncio úmido se lambendo, lábil
labiríntima lâmina se ferindo
e punindo
Página publicada em setembro de 2008, parcialmente retirada da revista LABORATÓRIO DE POÉTICAS 1,Ampliada e republicada em julho de 2013. Ampliada e republicada em abril de 2016.
MARTINS, Max. Anti-retrato. Belém, PA: Gráfica Falangola Editora, 1960. 29 f. 14x20 cm. Capa: Jomendes. Ex. Biblioteca Nacional de Brasilia, doação da família de Francisco Vasconcelos.
O APRENDIZ
Da ponta do arame
a frase
sem (o) equilíbrio
escapa.
Tentar o vento
o vulto de uma vela
com o frio alicate
tanto resulta
madeira inerte
ou rocha lisa.
Do côncavo do seio
da curva do arame
partir(ia) o pássaro. Foge
nervo dorido
(aza)
grito.
A imagem branca
dorme na concha
real mas inconsútil
que o arame fere
inútil.
AMARGO
Há um mar, o dos velames,
das praias ardendo em ouro.
Há outro mar, o mar noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.
E final o outro, o do amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.
DESPERTAR
Os pombos penetram a aurora
na paz dos seios ontem-outrora impúberes
e rasgam atrás da lua o pano
azul de metileno corrosivo.
Uns dedos sujos atiçam a madrugada
que nasce dentre coxas alvas e tranquilas.
MARTINS, Max. O Estranho. Poemas. [Belém, PA]: Edição do Autor, 1952. 29 p. 15,5x22,5 cm. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
MUANÁ DA BEIRA DO RIO
A velha matriz branca
De portas largas
Sozinha na praça
Olhando o rio sujo.
Montaria dançando Tarde preguiçosa
Rua quieta. Jornal do prefeito
Com santo na primeira página
E a usina bufando, bufando,
Engolindo lenha.
Na janela do posto do Correio
um cacho de bananas balançando.
NARCISO
Esta atitude de por os olhos além das flores
E do resto das mulheres,
Pensamentos sobrepujando céus.
Deves compreender.
Amo-me.
Não que eu tenha muitas gravatas
Nem mesmo porque negros olhos sejam os meus olhos!
Es amor sem eco.|
No vazio, deves compreender!
MARTINS, Max. Caminho de Marahu: poesia. Organização e notas de Age de Carvalho. Prefácio: Davi Arrigucchi Jr.. Belém, PA: Ed; UFPA 2015. 88 p. (Max Martins: poesia completa, 6) ISBN 978-85-247-0934-2 01 Ex. bibl. Salomão Sousa.
Mar-ahu
Não
é a ilha
Não
é a praia
E o mar
(de nos fazermos ao)
é só um nome
sem
a outra margem
(poesia)
Teu nome é não em cio e som farpados
Cilício escrito, escrita ardendo, dentro
se revendo
fera
do silêncio úmido se lambendo, lábil
labiríntima lâmina se ferindo
se punindo
Recinto com flores
a Julio Cortázar
Espelhismos inúteis
Ou amor de luxo com cadeias de esquecimento com jogos
de esquecimentos com flores
rituais De luxo
Rituais inúteis
Cadeias inúteis
Ou jogo jogos
de flores com amor
— amor-espelhismo de esquecimentos distantes
Recinto de jogos Recinto de luxos
De esquecimentos com flores
Inúteis
Sangrado de ti
à minha mãe
Teu, meu corpo
sangrado de ti
Osso doloroso
aureolado de ti
Nos confins de mim
tua sede ressoa infinita
se o nome nos cala faminto:
Eu, riacho de sombras desertas
Tu, coberta de sombras sonâmbula
MARTINS, Max. O risco subscrito : poesia. Organização e notas de Age de Carvalho. Prefácio: Eduardo Sterzi . Belém, PA: Ed; UFPA 2016. 110 p. (Max Martins: poesia completa, 4) ISBN 978-85-247-0541-0 Ex. bibl. Salomão Sousa.
Rasuras
Um buraco sem fundo cheio de palavras. HAKUIN
Meu nome é um rio
Meu nome é um rio que perdeu seu nome
Um rio
nem sim
nem não
Nenhum
Somenos correnteza
Água masturbada em vaus
peraus
em po
luído orgasmo entre varizes
Sêmen sem mim
Mesmice
Onde está meu nome Lá neste rimo de lama sem memória
/e rumo ?
Neste amarfanhado leito de inchada falha ?
Meu nome é um rio cotoco — um Ícone
De barro
Barroc9o
Um rio que só se-diz
Seduz-se
Se afaga e afoga
em ego e água: Aquário
Meu nome é um rio tapado
(poço)
E aqui se quebrantou meu nome
sua viagem e osso
É esta a sua fissura ? E o seu rosto é este
escuro
atrás da porta
espelho
exposto à febre
à fera de si mesmo ?
Ensimesmado
meu nome é um rio que não tem cura
Falo, falho
CALHO
desta viagem
na mini vaga
duma só palavra ENCALHO
TALHO
nesta página
(vagina pálida)
uma só palavra CAOLHO
COLHO
deste púbis
uma só palavra PÊNIS
FALO
nesta língua
dura liga
duma só palavra CALO
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XI – No. 21. Editor Guido Bilharino. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 1991. 130 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
O
que restou do sonho
do veludo vício do destino
desse nome
:vaso
dessa boca, do poema
: vaso
de noturno ácido
Página ampliada e republicada em abril de 2024
Página ampliada e republicada em abril de 2017. Ampliada e republicada em junho de 2018.
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