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JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO

JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO

 

Nasceu em Abaetetuba, Estado do Pará. Poeta, teatrólogo e professor de estética na Universidade Federal do Pará. Antes desta parceria com o grande Ismael Nery, João de Jesus Paes Loureiro já havia participado da X Bienal de Arte de São Paulo com o artista plástico Paulo Chaves Fernandes.  Prêmio de melhor livro de poesia em 1983, pela Associação de Críticos de Arte, com o livro “Altar em Chamas”. Mais biografia  e mais poemas no Blog do autor: http://paesloureiro.wordpress.com  

A poesia de João de Jesus Paes Loureiro traz à nossa mente uma seriação de idéias que nos levam ao que realmente somos como indivíduos e como povo, como homens situados num contexto material em que são o próprio trabalho da vida em busca de humanizar-se nas coisas que a cercam e nos atos que nela se praticam. “ Moacyr Félix


LOUREIRO, João de Jesus PaesCantigas de amor de amor e de pazBelém, PA: Editora Equipe, Gráfica Globo, 1966.  Livro inconsútil, folhas soltas. 

        
         (fragmento)

         ferem-se invernos
         ferem- verões
         ferem-se infernos
         ferem-se varões

                   pilotagens de sonho
                   a estibordo

                   eu te instituo
                     amor
                  o meu preposto
                   neste processo
                      amor
                   o meu repasto
                   neste réu pasto
                      amor
                   este meu fausto
                   de muito demais amar
                   megaloamando

 

LOUREIRO, João de Jesus Paes.   Do coração e suas amarras.   São Paulo: Escrituras Editora, 2001.  80 p.  11x14,5 cm  capa dura  “ João de Deus Paes Loureiro “ Ex. bibl. Antonio Miranda

Do coração e suas amarras
            (Cantiga d´amor de refrão)

Esconde o oceano em uma lágrima,

acumula navalhas na memória,

em óvulo reparte o nascituro,

cala os apelos da noite, silencia

todas as falas orantes por amor,

apaga-me as lembranças, retira-me

a força de meus braços, sufoca-me

os ais! de gozo, atira-me no abismo,

acumula calvários em meus passos,

embaralha equinócios, desregula

os astros e estações, os hemisférios,

entorna o rio-mar no vão da lua,

emudece o cantar dos encantados,

desvirtua o perdão dos tribunais,

desnatura os semáforos, conflita

o trânsito, embaralha os trilhos,

seca os lábios de preces, degenera

a via-láctea, aparta a unidade

da Santíssima Trindade, cala

o Cântico dos Cânticos, desliga

candelabros no céu, desvaira vídeos,

refaz na aurora a noite, desintegra

o DNA do ser, desassossega

o sono, afasta a mão amiga

e desespera Deus, arranca o sol,

acumula em meu peito as tempestades,

apaga minha sombra, me rumina

em ódio de cruentas profecias,

com sílabas de sabres castra o verso,

retém o curso ávido da vida,

sustem o aracnídeo fio da morte,

faz do Demónio meu Anjo da Guarda,

relega-me vazio no ardil da sorte,

livra meu coração de suas amarras,

desata-me da linha do destino,

quebra os fonemas de mim neste poema,

se eu não morrer de amar de amor amado

se eu não morrer de amor por ti amada.

 

 

De
ALTAR EM CHAMAS
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.  167 p.  (Poesia hoje, v. 66)  14x22 cm.  Capa: Osmar Pinheiro Jr.   “Este livro de poemas embora autônomo em sua estrutura conclui a Trilogia Amazônica iniciada com Porantim e continuada no Deslendário havendo entre os três múltiplas implicações”. “ João de Deus Paes Loureiro “   Ex. bibl . Antonio Miranda

 

LARGO DO RELÓGIO

Há uma fonte
                   um repuxo de lendas
nesta praça cheia de horas.
Um cartucho de estrela
                            prestes a explodir.

Pelos bancos afásicos
o diálogo, entre dentes, do silêncio
                            consigo mesmo...

Do outro lado, fachadas de azulejos,
                                               os sobrados.
Sacadas e calçadas.
                            Namorados.
E a palavra amor voando de alto a baixo.

 

TÉDIO

Ah! esse torpor
         à fome insaciável do passado
desconfortável dor do que era tudo
e não é nada.
                   Ah!
esse verbo peçonhento
                            ser
a se fazer agora outrora.
                            Ah! essa hora
ruminando-me pacientissimamente.
Ah!
         essa flor abrindo-se de fora para dentro
                                                        Ah! esse...

        

 

ISMAEL NERY 

Ilustrado com obras de
ISMAEL NERY
 


Romance das Três Flautas

ou

de como as muiheres perderam

o dominio sobre os homens

 

Era no tempo naquele.

Confins do tempo. Era o tempo

tão longe. Naquele outrora

onde as mulheres viviam

na casa agora dos homens.

Tempo do tempo naquele.

Tempo na casa do sempre.

 

Outrora, então, nesse tempo

- oh! doce chão da memória -

os homens buscavam lenha,

o peixe e o mel, caça fresca,

enquanto as cunhãs dormiam

pousadas no ar, deitadas

entre as alvuras tecidas

da rede, como trançadas

com fios de luar e sonho.

 

(...)

 

 

Onde estão?  Onde desfolham
essas pétalas de ausência?
Será que costuram penas
nalgum cocar de silêncio?
Ou fazem das próprias penas
tristes pássaros no cio?
Ou se abandonam em si mesmas,
como as águas desse rio?

 

(...)


Onde as mulheres se escondem?
— indagem, a rosnar, os homens.
Mari — marabê pergunta.

Quem saberá responder?
Fungam vozes nas virilhas,
currais de alazões arfando
por éguas, fêmeas em cio.

Pousar de pássaro, a dúvida
avoa ruo aos “porquês”...
Onde as mulheres se vão?
Inga Mari — bumbe...
Tantas perguntas voando,
tantos “porquês” pelo chão.
Onde as mulheres se escondem,

os homens perguntam em vão.

 

ISMAEL NERY 

 

Extraído da obra: ROMANCE DAS TRÊS FLAUTAS ou de como as mulheres perderam o domínio sobre os homens. Edição bilíngüe português-alemão.
São Pauo: Roswitha Kempf Ediores, 1987
[Livro de arte, col. Antonio Miranda]


De
João de Deus Paes Loureiro
OBRAS REUNIDAS -POESIA
Textos introdutórios de Benedito Nunes e Octavio Ianni.
São Paulo: Escrituras, 2001.    2 volumes.
ISBN  987-85-7351-005-4
ISBN  987-85-7351-006-2
Obra publicada dentro da Lei do Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura.

 

"Este é um aspecto particularmente notável da narrativa, na poética de Paes Loureiro; é uma escritura fluindo como se fosse oralidade, a despeito das exigências da literalidade; nascendo de estórias e lendas, causos e mitos, assombrações e alucinações. A beleza da escritura leva consigo o encanto da oralidade, o que conta, canta e encanta, conferindo outras luzes ao que se lê, como se olhasse e ouvisse.

É possível reconhecer na obra de Paes Loureiro, tomada como um todo, em seu pensamento e em sua poesia, uma contribuição fundamental para a compreensão de algumas configurações marcantes de uma região na qual se espelha muito do que tem sido o continente, do que foi e não mais o Novo Mundo. Nesse sentido é que nessa obra a Amazônia  pode ser vista como uma enigmática e fascinante alegoria. Encanta-se o leitor e o tema com o qual trabalha o escritor, combinando esclarecimento e deslumbramento."
  OCTAVIO IANNI

"Esse aspecto sexual da natureza completa o nativismo de Paes Loureiro, que transcendo os traços localistas do meio ambiente, redesenhando a paisagem com as tintas fesceninas que deve ao mito. E chegamos ao ponto em que também se completa a metamorfose do compromisso político do poeta antes referida, pois que o acabado perfil de seu nativismo, já desvencilhado do humanismo revolucionário da década de 60, enquadra-se no humanismo etnográfico — o terceiro humanismo, sucessor do Clássico e do Iluminista, de que falou Lévi-Strauss, acorde com o fundo mítico da humanidade cabocla e indígena."  BENEDITO NUNES

 

Cântico V

Rio
de muitos nomes,
Ser
de muitas formas e fomes.

Espelho contra espelho
rio só linguagem.
Rio sim sêmen de Deus.
Amazonas
              água e lama
vogais e consoantes.
Que outro nome corre no teu leito,
se outro rio corre no teu nome?

Rio, superfície de si mesmo
e Mar além de si.
Água antes de si.
                   (Inexistência)
Aceitação do vago transitório,
nunca o mesmo,
o que uma onda sempre noutra
vaga...
O sempre aquém amando ser-além,
embora rio-agora quer ser rio-depois,
e escadaria de ilhas subir até o mar,
quando contém o mar em cada gota, onda, maresia.
Predestinando rio em si crucificado.

                   (Porantim)

 

Paisagem com canoa I

As ubás evêm da foz das sombras...

No barco vejo mais do que ele é
ou talvez menos.
                   A palavra arma o bote
imagem
         corça sob o gamo.

À minha frente
as sílabas natantes
                           língua
                                    anzol.
A página piscosa.
         E o côncavo barco escuro da memória.

                   (Deslendário)


Primeiro Canto - Fragmento VIII

Esperma sobre as ondas.
A eternidade calca os pés nas pedras.
O dia, sol nos ombros, se levanta.

OH! preamado mar de maravilhas!

A ilha em cantos cercada de palavras
e alvas margens.
                   O mar lembe-lhe o sexo,
o  clítoris lendas
                      eixos, nexo
                                      — verso —
em pentelhos de sílabas
                               várzeas, páginas
fecundações, preamares, maresias...

                            (Pentacantos)

        
Quinto Canto - Fragmento II

Tripulante que sou de migomesmo
nauto-me
               canto-me
hasteio velas de mim
                            sonhos e sinas
burrajonas em pânico
dos tempos que em meu tempo renavegam
e antenavegam as rotas que hão de ser.
Reimplumando-me as asas da poesia,
pois cansei de buscar-me
assim tam longe,
quando eu estava-me em mim,
em mim-comigo... 

                   (Pentacantos)

 

De
João de Jesus Paes Loureiro
Iluminações / Iluminuras
Versão japonesa de Kikuo Furuno
São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1988.    s.p.   22 x 31 cm  


GRAVURA JAPONESA

Em meu olhar
                fogueira
arde a manhã.
                   Mais tarde
cinzas...
           É noite.


HARAKIRI

Ali está o poema
inacabado
pulsando pelo verso que o complete.

Coração à espera de uma espada...

 

 

LOUREIRO, João de Deus PaesPorantim – (poemas amazônicos).  Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 1978.  139 p.  14x21 cm.   “ João de Deus Paes Loureiro “  Ex. bibl . Antonio Miranda

 

CÂNTICO XI

 

" Na jusante

levo-me.

            Elevo-me ao mar

e

no entanto

             Mar

              sou Rio.

Assim me sei,

ciente do que sou

no que não-sou

                       consciente . . .

 

Certo não sou quem sou,

pois não me penso

e o existir

é minha forma de passar além

 

Riomar.

Sou Rio e mais o Mar

e

além de

           Mar e Rio

                         sou Riomar.

Cavaleiro e campo de batalha.

Arma, defesa e luta.

Sou isto e não aquilo

e sou também aquilo.

O istoaquilo de seres

erros

         rés e ser

                       jusante . . .

 

E sou aquilo que me deixo

em várzeas verdes.

Conhecimento de que meu caminho

não é o meu caminho

e que correr é como sei de mim.

Esta forma de ir, que é meu destino,

conhece-me infeliz,

pois que não sou em mim

e amo as águas destas águas noutras águas ..." 

 

 

 

Página publicada em maio de 2009; ampliada e republicada em junho de 2010; ampliada e republicada em junho de 2014


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