ÁPIO CAMPOS
(1927-2011)
Ápio Campos nasceu em Belém, em 1927. Formou-se em Teologia pela UFPA, em 1949. No ano seguinte, aos 23 anos de idade, foi ordenado sacerdote.
Também era poeta e ocupava a cadeira de número 30 da Academia Paraense de Letras (APL). Publicou os livros: Marítimas(poemas), em 1955; Aquele padre velhinho (ficção), 1956; Cítaras em surdina (poemas), 1957; Rosa super rivos (poemas em latim), 1958; Olhos dentro da noite (contos), 1959; Canto agônico (poemas), 1960; Catecismo eleitoral cristão (doutrina social católica), 1960; Hora do ângelus (crônicas radiofônicas transmitidas pela Rádio Clube do Pará), 1962; A Batina no banco dos réus (ensaio), 1963; Pastoral das Sombras (poemas), 1965; Fandango (contos), 1967; Problemas de educação e desenvolvimento na Amazônia (ensaios), 1968; Renascer pela água e pelo espírito (exposição sobre o batismo), 1970; Crise ou falência da educação cristã? (ensaio), 1971; O Verbo e o texto (estudos lingüísticos e literários), 1979; Transpoema (poemas), 1979; Universidade: Linguagem e desenvolvimento (ensaios), 1980; Árvore do Tempo (poemas), 1980; Universidade: Pesquisa e pós-graduação (ensaio), 1981; Trevos e travos (trovas), 1982. Fonte: http://portal.ufpa.br
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CAMPOS, Ápio. Sangue nas pedras. Belém, PA: Universidade Federal do Pará, 1983. 339 p. 15x21 cm. ISBN 85-247-0001-7 Capa: Francisco Cavalcante. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
RIO SUBTERRÂNEO
Um rio subterrâneo escorre
por baixo de minha pele
de estrelas líquidas nasce
um vento solar o impele
flui, atravessa desertos
bebem-no sedentas bocas
de criaturas insidiosas
com caras infernais, loucas
suas águas turvas, profundas
nenhum olhar p ode vê-las
adivinho certas horas
os fragmentos das estrelas
traz detritos de mim mesmo
velhas raízes ancestrais
barcos que ao vento afundaram
outros que não quero mais
percorre com tal silêncio
o subsolo da epiderme
que lembra o tronco roído
por infatigável verme
nos altos jardins suspensos
flores-sorrisos florescem
mas meus olhos assustados
à entranha dório não descem
sei que nunca vem à tona
toda a sua vasta imundície
mas o rio sustém e irriga
o que medra à superfície
sou embarcação conduzida
por encapuçado piloto
ou casa sem alicerces
construída sobre esgotos
no rio flutuam salsugens
paixões desejos venenos
seres escuros que expô-los
à luz do sol não queremos
nesse rio tempestuoso
alguma vezes mergulho
saio coberto de lama
com um pouco menos de orgulho
inútil tentar dele-lo
desviá-lo ou alimpar
o lodo que ele transporta
só deposita no mar
o volume inconcebível
desse rio subterrâneo
desde o início de minha vida
faz dilatar-se o oceano
ele tem também suas fases
marés baixas, marés altas
às vezes quero estar puro
sua cheia me alaga e encharca
outras vezes desço tonto
atrás das águas no lodo
Soçobro, sorvo, me embebo
degusto prazeres torvos
Será o oceano infinito
ou dilui toda sujeira?
ou o rio defende seu visco
quer eu queira quer não queira?
esse mar incandescente
como explosões do Vesúvio
transbordará sobre o mundo
betuminoso dilúvio?
ou há-de chegar um dia
nos frágeis destinos humanos
em que secarão nas fontes
nossos rios subterrâneos?
APOTEGMA
O Saber e o Poder não se cosem
aliam-se por vezes
e acabam se estranhando quase sempre
o Poder pode tudo
mas não pode saber
sobretudo não saber poder
mas sabe a infinitude do saber
o Poder pode agredir o saber
e até tortura-lo e mata-lo
quando se zanga com ele
o Saber sabe apenas mas não pode
geralmente nem se defender
Sócrates era o Saber — a cicuta o Poder
Galileu era o Saber — a Inquisição o Poder
se estão juntos Saber e Poder
(o que acontece raramente)
foi o Poder que chamou o Saber
e não o Saber que procurou o Poder
e quando a verdade do Saber
desmascara a mentira do Poder
esta o chama infiel
e o alija
para o outro lado do Rio
e o Saber vai embora
levando consigo
a única fórmula
que poderia
preservar o Poder
da morte e da destruição
e o Poder fica
vazio da Verdade
com a ilusão de que sabe
e por isso pensa
que saiu vitorioso.
O Poder nem desconfia
do que perdeu saber.
ENTREATO
Neste breve tempo entre mim e a morte
desejo tecer eu próprio minha sorte
meu destino é a mortalha que teço e me cobre
quando do que sonhei nada mais sobre
entre mim e a morte só eu e tu
ficarás vestida e eu um homem nu
quando tu te fores a morte chegará
e com pena da vida me cobrirá
neste breve tempo entre mim e a morte
não sei se esta espera tão fria suporte
aspirei teus lábios desejei teu corpo
do que vale a vida para um homem morto?
entre mim e a morte o tempo é ligeiro
nem o amor me segue como companheiro
de mim para a morte vai escorrendo o tempo
da ampulheta não posso deter o espavento
eu nado no tempo e a morte é na margem
além vejo oásis ou vejo miragem?
entre mim e a morte o tempo é medonho
escrevo um poema ou apenas sonho?
BRASIL LITERÁRIO. Coordenação Editorial: Maria Almeida. Capa: Maria Bastos. Rio de Janeiro: Crisalis Editora, 1985. 103 p.
13 x 20 cm ISBN 978-85-63464-11-8
Ex. bibl. Antonio Miranda. Doação do livreiro Jose Jorge Leite de Brito, em 2021.
[ Nome completo do poeta: APIO PAES CAMPOS COSTA ]
CANTILENA DA INFÂNCIA DESPEDAÇADA
No meio da vida achei uma tarde
na tarde dois olhos sem brilho e sem cor
nos olhos dois lírios já murchos e tristes
tecendo saudades chorando de amor
No meio da via achei uma face
olhando pras nuvens coalhadas no chão
e um vulto senado na beira da rua
jogavas-me estrelas e dava-me a mão
No meio da vida achei o passado
coberto de musgo e sujo de pó
vi duas criança brincado de roda
gritando na grama os escravos de jó
No meio da vida senti a vertigem
do cheiro da infância do olor do jasmim
meu anjo da guarda me corta em pedaços
no meio da vida me guarda de mim.
*
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Página publicada em julho de 2021
Página publicada em abril de 2017