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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Fonte: www.culturapara.com.br

ANTONIO MOURA

Nasceu em Belém do Pará, em 1963. Poeta, letrista, roteirista de cinema e vídeo. Reside  em Belém do Pará.
Obra poética: Dez (1997), Hong Kong & Outros Poemas (1999) e Rio Silêncio (2004).

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS    -   TEXTOS EN ESPAÑOL
 

Crepúsculo City

Urbo rubor

                   Ruído

 

O sol-motor

carbura cor

 

         dor

 

                   a diesel

 

Nosferatu

 

Quando a lua uiva

sobre sonos e sopra

o pó das sepulturas,

exalo meu perfume e

negro lume, escapo

 

A capa, asa de negrume

envolve teu corpo, ar

repiando o dorso, car

ícia de brasa gelada

 

E por fim deixo em tua

pele-página, orifícios,

dupla marca, ver

melho sangue: cravadas

 

 

APÓS O DILÚVIO

 

Pela manhã, após o dilúvio, a lama nas calçadas,

os cacos de trovões no chão, o silêncio branco

 

do céu ensopado em gaze, as casas de lodo

e as alamedas disparando seus alarmes, os

 

caranguejos caindo dos ninhos das árvores

e as aves, no solo, querendo refazer o vôo

 

ao peso do barro e das h’eras sobre as asas,

o navio encalhado no topo de um telhado,

 

os animais estátuas sob a argila crosta à beira

do mar morto de sede bebendo vento nas mãos

 

em concha da areia, os jardins, Ó, os jardins

desabrochando em lodo, o sangue das crianças

 

jorrando das torneiras dos palácios e correndo

em sargetas para os esgotos, o sol lambendo

 

a pele das cobras que – relâmpago – agora

mudam de casca e pendem entrelaçadas

 

nos parapeitos dos edifícios entre as flores entre

abrindo as pálpebras de musgo para o arco-íris

 

refletido nos olhos do rosto sobrevivente

que aspira o ar, ainda úmido, após o dilúvio

 

 

MANCHAS

 

Uma pequena mancha preta ave no topo do dia.

O dia que se ergue do sono das estrelas.

Ave sobre a terra e suave se aninha

nas retinas do homem que, pequenino,

entrecerra os olhos lançados para cima.

Uma pequena mancha na terra

e uma pequena mancha no céu,

espelhando-se em suas imagens provisórias.

A mancha que flutua e

a mancha que se arrasta,

mas que também se eleva quando

a visão da ave lhe empresta asas.

Mancha presa na relva mirando

a mancha preta suspensa no azul,

vindas do ventre secreto do mundo

para a incerteza da face visível da natureza.

Mancha celeste, mancha terrena.

Entre elas apenas o rumor do vento

segreda a poeira e a nuvem da existência.

Pequenas manchas pretas sobre o branco do dia.

Ave e homem, dois pontos, à beira do silêncio:

 

 

TRAVESSIA

 

Um dia para atravessar – sol

entre duas noites imensas,

 

tendo como companhia o corpo,

este pequeno animal que não

 

te pertence e que, sem nada

perguntar, se oferece, devotadamente,

 

ao tempo, deus que também é

o próprio corpo em silêncio

 

Um dia para transpor tendo por alimento

a poeira da estrada que se estende

 

branca, do nascente ao poente e

que, lentamente, transforma-se em

 

riacho negro que passa sob a

ponte suspensa da Via Láctea

 

Ir, à outra margem, de acordo

com o que a própria ida engendra

 

Ora com o silvo das serpentes sob o passo

Ora andando sobre as águas do poema

 

 

MOURA, Antonio.  Hong Kong & outros poemas.  Cotia, SP: Ateliê Editorial,1999.   91 p.  14x20 cm.  Projeto gráfico e capa: Marcelo Cordeiro.  Editor: Plínio Martins Filho.  ISBN 85-85851-92-9   “ Antonio Moura “  Ex. na bibl. Antonio Miranda

 

Até que ponto a lírica suporta o "desaparecimento eloçutório do poeta", a supressão do sopro pessoal de sua frase, da respiração expressiva do verso? Se o poema, destinados a todos e a ninguém, implica sempre, como Gottfried  Benn afirmou, na questão do Eu, não será esse desaparecimento a metamorfose do sujeito de enunciação? É o que perguntamos diante desses últimos textos de António Moura severos, ascéticos, impessoais, os versos como que desenhados na página. BENEDITO NUNES

 

 

ABRIL, 22, 1999

 

Mãe, outra vez em

 

teu ventre (voz

tornada à ostra

 

estrela — silêncio

 

atrás da porta

que se fecha

ao ar mundano

 

e mesma abre-se

a outra brisa,

noite, jardim

 

que não se extingue

 

 

 

NOITES, DIAS

 

          A LUCIANA MEDEIROS

 

Noites de seda        obsedantes

Dias de caos           causticantes

 

 

Um céu silêncio      de estrelas

explosão                diamantes

 

Um sol confusão     de homens

nomes entre si       distantes

 

Um céu                  macio, sexo

Um sol                   duro, osso

Um mundo             sem nexo
exigindo                corpo

  

 

 

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS    -   TEXTOS EN ESPAÑOL

 

ANTOLOGÍA DE POESÍA BRASILEÑA, edición de Jaime B. Rosa. Organización Floriano Martins y José Geraldo Neres.  Muestra gráfica y portada Hélio Rôla. Edición bilingüe  Português - Español.   Valencia, España: Huerga & Fierro editores, 2006.  247 p   13,5x21,5 cm.   Poetas: Lucila Nogueira, Glauco Mattoso, Adriano Espínola, Beth Brait Alvim, Contador Borges, Donizete Galvão, Floriano Martins, Nicolas Behr, Jorge Lúcio de Campos, Vera Lúcia de Oliveira, Rubens Zárate, Ademir Demarchi, Ademir Assunção, Leontino Filho, Marco Lucchesi, Weydson Barros Leal, António Moura, Maria Esther Maciel, Rodrigo Garcia Lopes, José Geraldo Neres, Viviane de Santana Paulo, Alberto Pucheu, Fabrício Carpinejar, Salgado Maranhão, Sérgio Cohn, Rodrigo Petronio, Konrad Zeller, Pedro Cesarino, Mariana lanelli. Traductores: Adalberto Arrunátegui, Alfonso Pena, Aníbal Cristobo, António Alfeca, Benjamin Valdivia, Carlos Osório, Eduardo Langagne, Floriano Martins, Gladis Basagoitia Dazza, Luciana di Leone, Margarito Cuéllar, Marta Spagnuolo, Paulo Octaviano Terra, Reynaldo Jiménez e Tomás Saraví. Ex. bibl. Antonio Miranda. 

 

MANCHAS

 

Uma pequena mancha preta ave no topo do dia.

O dia que se ergue do sono das estrelas.

Ave sobre a terra e suave se aninha

nas retinas do homem que, pequenino,

entrecerra os olhos lançados para cima.

Uma pequena mancha na terra

e uma pequena mancha no céu,

espelhando-se em suas imagens provisórias.

A mancha que flutua e

a mancha que se arrasta,

mas que também se eleva quando

a visão da ave lhe empresta asas.

Mancha presa na relva mirando

a mancha preta suspensa no azul,

vindas do ventre secreto do mundo

para a incerteza da face visível da natureza.

Mancha celeste, mancha terrena.

Entre elas apenas o rumor do vento

segreda a poeira e a nuvem da existência.

Pequenas manchas pretas sobre o branco do dia.

Ave e homem, dois pontos, à beira do silêncio.

 

 

          MANCHAS

 

Una pequena mancha negra ave en el techo del día.

El día que se yergue desde el son de las estreitas.

Ave sobre la tierra y que suave anida

en Ias retinas dei hombre que, pequeñito,

entorna los ojos dirigidos hacia arriba.

Una pequeña mancha en la tierra

y una pequena mancha en el cielo,

reflejándose en sus imágenes provisionales.

La mancha que planea y

la mancha que se arrastra,

pero que también se eleva cuando

la vista dei pájaro le presta alas.

Mancha presa en el césped mirando

la mancha negra suspendida en el azul,

venidas del vientre secreto del mundo

para incertidumbre de la faz visible de la naturaleza.

Mancha celeste, mancha terrena.

Entre ellas apenas el rumor del viento

susurra el polvo y la nube de la existência.

Pequeñas manchas negras sobre el blanco del día.

Ave y hombre, dos puntos, al borde del silencio.

 

 

 

ONDE

 

Onde a voz é tão soprano que

sua ponta de diamante trinca

O céu de vidro, e onde a luz

é treva, de tão intenso o brilho

 

Onde o presente é eterno e o

eterno tão efémero, que o tempo,

imóvel, é um Buda sentado à

beira e à sombra de si mesmo

 

Onde a beleza é medonha de

tão radiosa, rosto, rosa, que

nos interroga no silêncio dos

espaços infinitos que apavora

 

Onde o vazio é um estar cheio

de nada, e onde tudo não passa

de espaços entre as estrelas, vida,

morte, numa única centelha

 

 

           DONDE

 

Donde la voz es tan aguda que

su punta de diamante corta

el cielo de vidrio, y donde la luz

es tiniebla, por el tan intenso brillo

 

Donde el presente es eterno y lo

eterno tan efímero, que el tiempo,

inmóvil, es un Buda sentado al

borde y a la sombra de sí mismo

 

Donde la belleza es temible de

tan radiante, rostro, rosa, que

nos interroga en el silenció de -los

espacios infinitos que aterra

 

Donde el vacío es un estar lleno

de nada, y donde todo no pasa

de espacios-entre las estrellas, vida,

muerte, en una única centella

 

 

 

APÓS O DILUVIO

 

Pela manhã, após o dilúvio, a lama nas calçadas,

os cacos de trovões no chão, o silêncio branco

 

do céu ensopado em gaze, as casas de lodo

e as alamedas disparando seus alarmes, os

 

caranguejos caindo dos ninhos das arvores

e as aves, no solo, querendo refazer o voo

 

ao peso do barro e das h'eras sobre as asas,

o navio encalhado no topo de um telhado,

 

os animais estatuas sob a argila crosta à beira

do mar morto de sede bebendo vento nas mãos

 

em concha da areia, os jardins, Ó, os jardins

desabrochando em lodo, o sangue das crianças

 

jorrando das torneiras dos palácios e correndo

em sarjetas para os esgotos, o sol lambendo

 

a pele das cobras que — relâmpago — agora

mudam de casca, e pendem entrelaçadas

 

nos parapeitos dos edifícios entre as flores entre

abrindo as pálpebras de musgo para o arco-íris

 

refletido nos olhos do rosto sobrevivente,

que aspira o ar, ainda úmido, após o dilúvio

 

 

 

TRAS EL DILUVIO

 

Por la mañana, tras el diluvio, el légamo en las calzadas,

los restos de la tormenta en el finaae, el silencio blanco

 

del cielo empapado, en gasa, las casas de, lodo

y las alamedas disparando sus alarmas, los

 

cangrejos cayendo de los; nidos de los árboles

y las aves, en el suelo, queriendo reemprender el vuelo

 

con el peso del barro y las hiedras sobre las alas,

el barco encallado en lo alto de un tejado,

 

los animales estatuas bajo la arcilla encostrada a la orilla

del mar muerto de sed bebiendo viento en las manos

 

en concha de arena, los jardines, oh, los jardines

desabrochando en lodo, la sangre de los niños

 

chorreando de los grifos de los palacios y corriendo

a caños hacia las alcantarillas, el sol lamiendo

 

la piel de las serpientes que -relámpago- ahora

cambian de cascara y penden entrelazadas

 

en los parapetos de los edificios entre las flores entre

abriendo los párpados de musgo para el arco iris

 

reflejado en los ojos del rostro sobreviviente,

que aspira el aire, aún húmedo, después del diluvio

 

 

 

NUM LIVRO DE SAN JÜAN DE LA CRUZ

 

Entre as páginas de um livro de

San Juan de La Cruz deparo

 

Com a vida entrelaçada à morte ao

acaso, entre a vida que ali floresce

 

em palavras, voz humana que

no deserto em branco se propaga,

 

o corpo morto de um inseto entre

as páginas fala do que pode estar

 

sendo e — num relâmpago — ter sido,

fogo abafado pela mão desconhecida

 

que, subitamente, fecha o livro

 

 

EN UN LIBRO DE SAN JUAN DE LA CRUZ

 

Entre las páginas de un libro de

San Juan de la Cruz me encuentro

 

con la vida entrelazada a la muerte al

acaso, entre la vida que allí florece

 

en palabras, voz humana que

en el desierto en .blanco se propaga,

 

el cuerpo muerto de un insecto entre

las páginas habla de lo que puede estar

 

siendo y — en un relâmpago — haber sido,

fuego sofocado por la mano desconocida

 

que, súbitamente, cierra el libro

 

 

 

 

Página publicada em setembro de 2008, ampliada e republicada em agosto de 2014

 

 



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