ZÉFERE
Zéfere nasceu em Ituiutaba, no triângulo mineiro, e foi por lá que ele começou a fazer poesia e música. As palavras sempre foram uma fonte de inspiração e interesse, tanto que, como estudante, ele escolheu o ramo das Letras e de forma particular a literatura francesa. Foi assim que ele veio parar em Paris, onde atualmente faz curso de mestrado.
Aos 28 anos, Zéfere tem um livro de poemas publicado – A coesia das coisas - . Coesia ? Ele explica: “É uma brincadeira, um neologismo, a partir da palavra poesia, trocando o p pelo c. É para dar vários sentidos. Coesia lembra coesão, mas também coesidade, um aspecto material das coisas ».
O livro virou música através de suas parcerias com o compositor Mestre Jonas e com a cantora Sílvia Gommes, entre outros. Mas eles ficaram em Minas e Zéfere, que não pretende voltar para o Brasil tão cedo, está procurando artistas em Paris para continuar criando. Por enquanto, ele vai mostrando sua poesia com um estilo de declamação original, com um certo balanço de rap.
ZÉFERE [José Roberto Andrade Féres] . A coesia das coisas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. 75 p. 13x20 cm. ISBN 85-7577-248-1 “ Zéfere “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Espero no ponto urna palavra — ônibus.
O ponto não traz a palavra que espero;
o ponto me espera, em minha companhia.
Espero no ponto a palavra - valise
que, ao pé dos meus pés, ou na ponta da língua,
espera por ela, ela mesma — já com ela.
Espero no ponto o ponto que se espera
final — à palavra, à valise ou ao ônibus.
Espero no ponto; e, enquanto espero, aquelo:
não escrevo nem penso, e nem creio que aquelo...
Aquelo; e pouquíssimo sei o que — aquelo:
ou isto ou aquilo... ou aquelo é aquela?
aquele? aqueloutro? (aquelo?) aquilo? a quilo?
Só sei é de nada; e muito desconfio...:
que este seinão, que tão tamanho aquelo,
poesia não seja, nem prosa nem verso;
e mesmo si métrica seja, esta prosa,
até nem palavra, assim, seja — ou amém.
Do ponto eu aquelo a espera que me espera,
pel'aquele ponto igual ao tal no qual,
à espera, a palavra — em si — se desespera.
Espero no ponto uma palavra - ônibus
que, leve, me leve pr'além da palavra —
valise ou final, pr'além-longe, aQuém(?)-mim(?).
Tanta espera espero...; e, entanto, aquelo — o que(?)
nos aquela, e espera,
a coesia das coisas.
UM ARNALDO ANTUNES
Quem me dera um violoncelo,
só para o chamar Arnaldo Antunes.
Não...
Quem me dera um arnaldo antunes,
só para o chamar Violoncelo.
Não...
Quem me dera um Violoncelo...
um Arnaldo Antunes...
só p'ra viver lá dentro.
Não.
Também não
NOVELA DAS OITO AS DEZ
Televisores vivificam edifícios,
orquestram-lhes os poros: suas janelas
piscam sincopadas
pelas pálpebras da atriz.
A Grande Deusa Inveja
o espetáculo; esbraVeja
trovões,
tosta postes de iluminação
e sopra imprevista
uma aurora boReal!
(enquanto os homens se oculpavam
[de encontrar velas na despensa)
UM DOCE DEMORA
Admiro essa vendeira
vislumbrando olhos de sogra
e suspiros — boa feira
as segundas cercas quartas
tão bem sétimas e oitavas...
Ai... a moca brigadeira
embolada em brevidade
sem descanso nem consolo
de macas e amor à alma...
não se a pega nem apalma
— so se a roca a fura-bolo...
só pra ver se é de verdade...
se você soubesse como dói
essa sina de herói
sem poder se salvar,
dava um soco na cara e uma gargalhada final.
com medida e fracasso
já suturei muitos dias,
com silêncio muito grito,
com migalha muita fome.
assim invento minha alegria,
ou será apenas urna ode surda?
mas, emudecendo a muda, tudo mudaria: não brotaria a coisa,
nem coesa nem coisalguma,
nem o Poeta poderia semear
que a vida é só (e) mente uma questão de licença poética
particular, incoerente, como se quer uma alguma poesia:
nada do coisificar banal,
o que deixa a gente abestalhado em meio ao caos organizado:
energia e melancolia entrecruzam-se no devenir;
mas a coisa aberta
—se você soubesse —
ou então, isso:
|