YEDA PRATES BERNIS
Yeda Prates Bernis é mineira de Belo Horizonte, onde sempre residiu. Diplomada em Letras Neolatinas cursou também Canto e Piano no Conservatório Mineiro de Música. Tem poesias musicadas por Camargo Guarnieri, sob o título Tríptico de Yeda, além de poemas traduzidos para o italiano, inglês, espanhol, francês e húngaro.
Bibliografia e prêmios:
Enquanto é Noite - Imprensa Oficial – BH, 1974; Palavra Ferida - Editora Veja – BH, 1979; Pêndula - Editora Massao Ohno – SP, 1983 / Editora Itatiaia, 2ª edição, 1986; Grão de Arroz - Editora Itatiaia - Belo Horizonte, 1986; .Menção especial no Prêmio Jorge de Lima, 1995, da União Brasileira de Escritores, RJ; O Rosto do Silêncio - Editora Cuatiara - BH, 1992/Editora Cuatiara, 2ª edição; .Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras; Prêmio Alejandro José Cabassa - União Brasileira de Escritores do RJ;Personalidade Cultural, da UBE/R; À Beira do Outono -Editora Phrasis - BH, 1994; .Prêmio Hors-Concours Jorge de Lima – 1995, da UBE do Rio de Janeiro; Anotações sobre Zen e Hai Kai – Ensaio - Editora RHJ - BH, 1996
Entre o Rosa e o Azul - Editora O Cruzeiro, RJ – 1997; Prêmio Cidade de Belo Horizonte; Encostada na Paisagem -Editora Phrasis - BH, 1998; Prêmio Conjunto de obras da UBE do Rio de Janeiro, 1999; Medalha Auta de Souza da UBE do Rio de Janeiro, 2001; Cantata – Antologia Poética - Edição da Autora, 2004; Viandante - Edição da Autora, 2006.
“Seu Grão de Arroz é das criações poéticas mais delicadas que já se fizeram entre nós. Nada lhe falta, em emoção contida e limpidez na forma. Cada uma das pequenas composições cintila como pedra preciosa e ressoa como inefável melodia”. Carlos Drummond de Andrade
“Tenho lido e relido Grão de Arroz com o maior encantamento. É dos tais livros que deixamos à mão para poder abri-los quando vem o desejo de uma experiência poética que redima o correr do dia. Afino muito com sua poesia, cujo convívio é para mim cheio de graça. Este livro, me parece, alcançou o limite admirável onde a poesia diz o máximo, o maior dos máximos, com o menor e mais perfeito dos mínimos”. Antônio Cândido
“Que coisa boa surgir um novo livro de autêntica (e inspirada) poesia! Li de uma só vez, reconfortado ao descobrir que Minas ainda produz grandes poetas”. Fernando Sabino
“Yeda: poesia para habitar corações!” Henriqueta Lisboa
“Evidente se faz que Yeda Prates Bernis se identifica com uma abelha a sugar os néctares do mundo e a transmuta-los para nós no mel diáfano de intuições inesquecíveis”. Oswaldino Marques
Leia poemas das seguintes obras:
De
Grão de Arroz
Ah! Claro silêncio do campo,
marchetado de faiscantes
pigmentos de sons!
O coração da aranha
se desfaz em geometria
de seda e mandala.
Manchas de tarde
na água. E um vôo branco
transborda a paisagem.
Neblina sobre o rio,
poeira de água
sobre água.
Imóvel,
o barco.
No entanto, viaja.
Lavadeiras de beira-rio.
nas águas, boiando,
cores e cantos.
Cai da folha
a gota dágua. Lá longe,
o oceano aguarda.
Na poça dágua
o gato lambe
a gota de lua.
De púrpura, seu mergulho
no aquário. No coração,
o mais antigo azul.
Escorre pela folha
a tarde imensa,
pousada em gota dágua.
Noite no jasmineiro.
Sobre o muro,
estrelas perfumadas.
Um marcador japonês
no livro de hai-kais
– silencioso conluio.
De Grão de Arroz, Editora Itatiaia Ltda. (BH, 1986).
De
O Rosto do Silêncio
ECLESIASTES
para Oswaldino Marques
A tarde levita.
Um sino de cristal
irisa o peito.
Bordo lírios
em pura
sda.
Uma voz aporta
com sua bagagem
de lembranças,
estilhaça o cristal,
tinge de vermelho
os lírios do bordado.
QUANDO O AMOR SE ACHEGA
Quando o amor se achega
e, no outro, não encontra
espaço aberto,
ele, humilde, se aconchega
a si mesmo. E descoberto
se agasalha com pesado manto
do temor, dúvida e espanto.
E a tempo pede
que o acalente,
à desventura
que o sustente
não mais que o prazo certo,
e a um vento
inexistente que o leve
em momento brando e breve.
A PEDRA
Paira a pedra
Sobre um templo
de esquecimento.
Pulsam-lhe artérias
de lavas e destemor,
isentas do diálogo
com homens e coisas.
Pássaro sem asas,
disfarça ânsias.
Na prístina carne
Engravida os séculos.
Fito-a.
Soberana,
me contempla
com olhos porosos
de eternidade.
FOGUEIRA
Espio à beira
do que chamam de minha alma.
Fingindo calma,
vejo no poço uma fogueira
queimando o já tão pouco
do muito edificado.
Não como um louco
mas como quem não presta
atenção, despejo gasolina.
Tudo o que resta
é um choro de menina.
De O Rosto do Silêncio, Edições Cutiara (BH, 1992).
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De
À Beira do Outono
VARIAÇÕES EM TOM MAIOR
A noite, trêmula,
com seu fardo de sombras
nos ombros.
Ponteiros invisíveis giram,
esgarçam, pouco a pouco,
um fado de opaca tristeza.
Um galo, voz claríssima,
chameja em prata
espaço entre as trevas.
Borboletas brincam de roda:
sobre um sino
acordam o silêncio de bronze.
Uma azaléia
molhada de cristal
ensaia o vôo.
Asas de andorinhas
salpicam no céu
claridades e levezas.
ESPELHO
Lençol claríssimo,
estendo a alma
sobre um lago.
Peixes me navegam
nuvens me perpassam
sóis me lucilam.
Encharcada de prata,
sou regaço de pérolas
e berço de quietude.
CANSAÇO
Tratei a dor
com luxo
de rainha
Até que a joguei
no lixo
da agonia
por me esgotar
e se esgotar
para a poesia
A OUTRA MENINA
Quando passas por mim
e segues descuidada
e sem vê-las,
fico cansada
de tanto varrer no chão
essa poeira de estrelas
RITMOS
Pêndulos do relógio
e do coração
ritmos díspares
de emoção e mecânica
não marcam juntos
o canto da minha partitura:
entre os dois por vezes pairo
num tempo suspenso
indissolúvel imóvel.
MARITMO
Barco é a noite
onde a alma navega.
O sonho é marinheiro.
No oceano do momento
o amor é timoneiro.
O mais é entrega.
De À Beira do Outono, Editora Prahis (BH, 1994).
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De
Encostada na Paisagem
RECEITA PRA UM HAICAI
Se você quer compor um haicai,
à moda de Bashô, mesmo imperfeito,
verifique primeiro se já viveu inúmeras vidas.
Comece por despojar-se do supérfluo
das vestes da alma:
paletó de esnobismo
camisas de inquietude,
agasalhos de orgulho,
meias de apegos.
Deixe o espírito, em síntese, aquietar-se
desnudo.
Perceba o cintilar da essência de tudo
que o rodeia.
Veja o mundo com o olhar dos anjos,
faça de seus ouvidos concha de
inocência,
imite o Poeta Francisco.
Deixe que o silêncio
seja sua própria carne.
Junte, no embornal da viagem
às sendas de Oku
da vida, poucas palavras:
lua, folhagem, templo, relva, primavera,
garça, brisa.
E, por que não?
pulga, piolho, o mijo de um cavalo.
Derrame sobre elas
um punhado de estrelas
e as espalhe no papel.
*
Neblina.
Papel de seda embrulha
a paisagem.
DA PRAIA
Noite praia mar
e um navio iluminado
a passar.
Miragem
ou meu sonho a navegar.
MOMENTO
A custo, ergo
e sustento a tarde
em minhas mãos.
Vem a noite
e a tarde cai
estilhaçada de emoção.
E a vida estanca
numa esquina de sombras
afogada em sombras.
PERCURSO
Ao Homem,
grão de areia,
o Cristal do Tempo
seu percurso traça.
Inútil lutar
por glória e poder.
Tudo escoa:
um grão a mais
que passa.
De Encostada na Paisagem, Editora Phrasis (BH,1998).
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De
Cantata
ALQUIMIA
Enterrei meu canarinho
Junto à roseira.
Agora, a primeira rosa
vai amanhecer
cantando.
PRESÉPIO MODERNO
Uma estrela-guia
de laser.
Na manjedoura
mãos ao alto –
um menino.
Os animais,
a vegetação,
onde estão?
Três reis
e suas oferendas
de nêutrons.
A UMA MENINA
Quando chegares,
sacode lá fora
teus sapatos
tua roupa
teus cabelos.
Não magoes
meus olhos
com este excesso
de luz.
SABEDORIA
Aborrecem-me as mulheres de lantejoulas
e as coroadas com tiaras de diamantes.
Nem mesmo invejo as que muito leram
e extraíram dos livros o sumo
da desesperança
ou as que misturaram palavras,
pincéis e pautas
às linhas de suas vidas.
Fascinam-me as mulheres do campo
que acordam de madrugada,
coam café com rapadura
para os maridos e lavram a terra
com enxada, suor e amor,
ou as lavadeiras de beira-rio
quarando suas roupas com canções
e coração:
sábias, não meditam sobre a fugacidade
das horas, fazem de cada instante
a doação perfeita, a morte é sua
verdade sem temência
e suas vidas são plenas
como árvore absorvendo o sol das manhãs.
A GRAÇA
O que há de mais alvo
a graça é garça
pousada no alto da alma.
Em profundas águas
mergulha
e claridades instala.
E a fala
da graça é silêncio,
a vida, um momento,
e o gesto da graça
abraça
o claro sentimento.
Prendê-la, impossível;
voa e passa
em alçar do vento.
FACE
O amor te plasmou
a máscara primeira.
O relógio
esculpe
a mutação continua
de tuas linhas,
jogo inexorável.
És única e plural:
Refletes
a ínfima / infinita
glória
de ser.
ASTRONAUTA
Que imensa dor, a tua,
quando vens
molhado de azul
e ancoras neste nosso sombrio mundo
que já não te pertence.
Pois agora
mais que homem
és estrela.
MIGRAÇÃO
Chegas do poema de Prévert
impregnado de sortilégios.
Não te batizo
de canário ou pintassilgo:
pouco importa teu nome
se qualquer substantivo pesa sobre tua
leveza de pensamento puro,
estás acima de todas as palavras.
E te enfeitiço com manhãs de abril,
te ilumino em ouro e canto,
te celebro a inocência.
Viajo em teu enigma,
vislumbro o azul em teus andares,
te alimento com sementes de amplidão,
e te pouso, com cuidado,
na gaiola aberta
deste poema.
De Cantata -Antologia Poética -Edição da Autora, 2004.
BERNIS. Yeda Prates. Palavra ferida. Prefácio por Alphonsus de Guimaraens Filho. Belo Horizonte: Editora Veja, 1979. 91 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
“Alcançando a unidade através de variado tom, Yeda Prates Bernis
afirma ainda uma vez em Palavra Ferida — título vivamente signi-
ficativo do que contém, do que irradia este novo e belo livro seu —
a paixão da poesia, da poesia que se mostra, nestas páginas, como
de resto já se mostrara em anteriores poemas seus, em sintonia
com a sua maneira e a capacidade de, mesmo reconhecendo-lhe as
arestas e asperezas, envolve-la de amor e de esperança.
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
O ESQUIZOFRÊNICO
O sol
— uma lua
enlutada.
O passo
— o espaço
de um quarto
sem porta e janela.
Feridas gotejam
de mente
roxa — mente.
A angústia
— fluxo e refluxo
de oceano.
Centelhas de cristal
perfuram-lhe
a sensibilidade
inútil
mente:
é pássaro
de asas cortadas.
FACE
O amor te plasmou
a máscara primeira.
O relógio
esculpe
a mutação contínua
de tuas linhas,
jogo inexorável.
És única
e plural:
refletes
a ínfima/infinita
glória
de ser.
MATURIDADE
Percepção de caminhar
coerente, cósmico,
aura pelo mister de descobertas,
palavra mais que som,
silêncio mais que palavra.
O amor, outrora fruto-oferenda
em carne rubra
à gula imediata,
hoje requinte de delicadeza
em seu perfume essencial.
E o tempo, antes agora,
muito mais eternidade.
RECEITA
Um poema
se faz em contenda
de mente e palavra
(à mente à procura,
a palavra esquiva).
Depois de cativa,
que a palavra trema
de encontro a uma outra.
Um poema
carece de amor
e do inusitado
(a seta apontando
um alvo certeiro
mas desconhecido).
E o sangue convulso
em largas artérias
abraçando o mundo,
inundando a vida.
Um poema
— solidão, angústia —
é canto em silêncio.
*
Página ampliada e republicada em maio de 2024.
Página gentilmente preparada por Angélica Torres Lima,
publicada em janeiro de 2008. |