As sereias
se chorassem
seriam apenas
lágrimas doces
de seus olhos mareados;
e os incautos,
absortos,
morreriam
afogados.
*
Trazia o mar
nas mãos de menino.
Cerradas, macias conchas
levadas ao ouvido.
Insistente, o rumor dessa água
inconsútil se dissipa.
Quando?
Ao aceno da partida.
*
Porque sou de Minas eu sinto
esse gosto de café na boca
e medo de assombração.
Porque sou de Minas
sei que cheiram a fumo
as roupas dos meninos.
Porque sou de Minas
falo baixo, olho pra baixo e durmo encolhido
porque em Minas há montanhas.
Porque sou de Minas eu espreito.
Porque sou de Minas, esse jeito,
esse orgulho ancestral
e essa humildade esperada.
Porque sou de Minas
sei que a Morte visita pessoas
antes de levar os seus parentes.
Porque sou de Minas fui embora
de minha terra pra sentir
saudade.
*
Te ver dormir me tira o sono.
Decoro tua lenta coreografia.
O tempo que passa empalidece
os cabelos e muda tuas fotos.
Algumas rugas nos rostos, e retratos
desfigurados na memória.
Estreita minha cela
e é inútil unhar as paredes.
Te ver dormir me tira o sono.
Talvez fechar os olhos
ou cruzar os braços como dar um nó.
Mas fico seguro em teus braços
menino sob o cobertor.
*
A maneira como ela senta,
as pernas, delicadamente, abertas
faz-me sentir inveja
da anatomia dos golfinhos.
As mãos, pensas nas extremidades,
são fragmentos de um outro tempo
que não esse de taxi e talão de cheque.
Em movimentos breves,
de precisão fugidia,
como que acariciando,
a invisível brisa,
redesenha contornos para o dia.
— Mãos impossíveis — ao toque e à luva
antes, borboletas deslocadas:
breves, dissonantes, arredias,
das que, noturnas e indefesas,
embarcam frágeis nas paredes frias.
*
Os graves suspensórios de papai
fazem-me tolo.
Tolo como um quebra-cabeça
ou um velho palhaço, trapezista.
Os sapatos de papai
que não me servem,
demarcam esse caminho
invisível,
pra que os meus pés
desavisados e tão míopes
não pudessem perder-se neste abismo.