POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
Fonte: www.psiupoetico.com.br
WAGNER ROCHA
Antônio Wagner Rocha, poeta e ensaísta. Nasceu em Coração de Jesus, Minas Gerais, e vive em Montes Claros (MG). Autor dos poemas de Lápis lapso (1998).
esquecer esta viagem
como quem esquece
um dia na gaveta
esquecer este engano
como quem se engana
com esta letra
*
um coração vazio
um dragão vazio
um livro vazio
um quadro vazio
um barril vazio
um osso vazio
um dorso vazio
um funil vazio
um buraco vazio
um corpo vazio
um vazio vazio
vzo
ninguém está
presente em mim
agora
ninguém olha
dentro
ou fora
ninguém perturba
o sono
desta hora
em que a vida
morta
se evapora
*
dizer que não sinto
dizer que minto
a tarde construída
de sonhos e ruínas
latas batendo
barulhos crescendo
corpos se olhando mexendo
arco-íris sol vitral canto resina
dizer que não sinto
dizer que minto
este é o homem que se atirou
no batismo feito um
pássaro uma nuvem
uma canção uma nódoa
*
é este súbito poema
que me faz olhar
a morte dançando
é este limite entre
um olho e a margem
do sol — pisando
entre os canteiros —
que me faz imaginar
o bigode de nietzsche
encharcado de poesia
*
agora
o
sol
inv
ade
o
corpo
da
cid
ade
Extraídos de FENDA 16 POETAS VIVOS. Organização e introdução crítica de ANELITO DE OLIVEIRA. Belo Horizonte: OrObÓ EdIcÔeS, 2002.
TRINTA ANOS-LUZ. Poetas celebram 30 anos de Psiu Poético. Aroldo Pereira, Luis Turiba, Wagner Merije, org. São Paulo: Aquarela Brasileira Livros, 2016. 199 p. 16x23 cm ISBN 978-85-92552-01-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
TEBAIDA
Agora que tudo se dissolve
na clareira do pensamento,
ocaso feito imagem de um sol
crescente,
um traço de amargura no rosto
da tarde. Começas a indagar
a espera do mundo, esse que não veio
plantado no solo do tempo,
esse que inexiste na concretude das manhãs
sem movimento.
Os dias a devorar os teus ossos cálidos
e antigos. A fruta podre que mais parece
um coração cansado.
Na poeira que ainda palpita, os teus braços
a alcançar o ritual dos pássaros.
E os teus pés que padecem numa estrada
sem horizonte.
ENGENHO ERRANTE
Sair sem rumo perscrutando a tarde
que se aloja nos alumínios,
a fronte oblíqua das paisagens.
Ir de um lado a outro a buscar a forma
inexistente dos sonhos,
o que se inscreve no arrebol, o que se perde
na fome das palavras,
o sol calcinado que espanca os vidros,
a árvore esquecida nos caminhos ermos.
Desertar as ideias insones, o que ficou guardado
no avesso da noite, o que se mutilou
na lógica dos espelhos: cratera onde nasce
o mundo.
IMAGENS SOPRADAS
I
Entregarei teu nome aos caminhos.
O que há hoje, decerto, um silencio
esmagado pela luz imponderável das coisas.
Muralhas vazias de mundo.
Existirei ainda no bojo das sombras
ou no rigor de um sol que se dissolve
no vão da realidade.
Existirei como um espectro errante,
alma subterrânea, corpo esquecido no esplendor
da tarde. E assim serão densos os rios que clamarão
por ti, resíduo de história, sobra de esquecimento.
Página publicada em novembro de 2008, ampliada e republicada em julho de 2016.
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