POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
VERA MACEDO
Poeta e ficcionista. Vive em Belo Horizonte. Autora dos poemas de Metamorfose de um príncipe (2000), entre outros.
ABISMO
Neste abismo sem flores ribeirinhas
arrebentou-se a veia
em enfartes escarlates.
Desaguou outono no inverno de morte
e o silêncio falou nela todas as linguagens.
PODA
Abissal, mais que mortal
o apelo, espelho de meu avesso
desconexo no tropeço, grito rouco
solto, perdido entre romãs e flautas:
— espadas em ponta de estrelas —
a morte vinha a cavaleiro
desespero explícito na palavra
dantes arrimo e rima de vida.
Morre-se devagar, lenta e definitivamente
eterniza-se a semente do fruto
rega-se com sal e lágrima — certamente —
florirá inteira ainda que podada.
Dessa vez não se morre em definitivo
porque nunca fora ou tenha sido.
O NADA
Entrei no táxi costumeiro
o condutor fiel e parcimonioso.
O respeito era o de calar-se e
o silêncio fez-se inteiro
nos dentros de nós, motorista e passageiro.
No final do destino proposto
olhou-me cuidadoso e “mal pergunte”
— O que a senhora tem hoje?
— Tenho nada.
Era o que tinha.
CATARSE
Arranco a pele, o sangue
descamando corpo inteiro
deposito tudo na escrivaninha.
Retiro os olhos que te olharam azul
e os coloco em pires de porcelana.
Ouvidos eu os coloco em taça de cristal
onde degustamos os mais puros vinhos;
talvez ouçam o ressonar do teu último toque.
Os lábios resistiram
à ternura cística, mas os deixei
em pano alvejado, bem guardados.
Os dentes ficam ainda.
Quem sabe um último sorriso
ou mordida derradeira.
Descarnada e pálida os
destroços não merecem velório
ou a inútil farsa dos ritos.
Extraídos de FENDA 16 POETAS VIVOS. Organização e introdução crítica de ANELITO DE OLIVEIRA. Belo Horizonte: OrObÓ EdIcÔeS, 2002.
Página publicada em novembro de 2008
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