SIMONE TEODORO
Autora dos livros de poemas Movimento em falso (Patuá, 2016) e Distraídas astronautas (Patuá, 2014), Simone Teodoro nasceu em Belo Horizonte no início da década de 1980, num 31 de janeiro que, como muita gente deve saber, é o dia Internacional do Mágico. Ainda cedo foi iniciada pela mãe na arte das gambiarras. Passou a infância quase toda consertando coisas, principalmente os frágeis radinhos à pilha que comprava no camelô, com as moedinhas que juntava. Para ela a vida não tinha graça se não houvesse canções. Anos mais tarde fez aulas de artes marciais. Desistiu rápido e decidiu seguir carreira religiosa: foi católica carismática e quase irmã carmelita. Não deu certo. Cresceu. Estudou letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professora de literatura. Em 2013 ingressou no mestrado na mesma instituição. Atualmente coordena as atividades de incentivo à leitura da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Mantém o blog calidapoesia.blogspot.com.br, onde publica, sem disciplina alguma, seus textos. Poderia ter sido engenheira, lutadora de MMA, freira ou saxofonista. Mas uma vida só não basta. É poeta.
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TEODORO, Simone. Movimento em falso. São Paulo: Editora Patuá, 2016. 96 p. 14x21 cm. isbn 978-85-8297-294-6 Editora: Eduardo Lacerda. Apresentações: Jovino Machado e Alexandre Guarnieri. Ilustração, projeto gráfico e diagramação: Leonardo Mathias. Tiragem: 380 exs. Ex. bibl. part. Antonio Miranda. N.
Desordem
Porque ela passou
por aqui
dentro de mim tudo é
desordem
Porque ela passou
por aqui
— estação de loucura —
não há temperatura
em que eu não seja febre
não há voz
em que eu não seja
grito
Porque ela passou
por aqui
Há apenas
a dor
da pele
cortada à volúpia
Anoitecer
Tecer o amor
depois ficar tecendo a
dor
de o amor ter sido
Amortecer a queda
Amor só é suave
na subida: canção de harpa
O inverso
é farpa
Litania para quando descarrilarem os astros
Eu te supunha
asa
hélice
um retalhar de quedas
Eu te sonhava
rito e rio
e te queria ajustada
a meu dia de chuva
e a minha saudade de árvores
Por equinócios e solstícios vários
te gozei
em poro e pelo
Mas eu era a puta
eu era a puta
e você tinha
a pedra
e a estaca
Por equinócios e solstícios vários
nos esfaqueamos
com furor igual
ao de quando o desejo
nos delirava
por equinócios e solstícios vários
Até que o sal
do mar da mágoa
vestiu a ardência
nossas carnes rasgadas
Com licença, com licença poética
Tenho apenas minhas mãos
e um tesão maior que o mundo
A vontade de amor
sempre me paralisou o trabalho
Sou anjo esbelto e safado
Solidão me come por dentro
diariamente
Tenho minhas mão
Sou mulher desdobrável
Eu sou
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ENTRELINHAS , VERSOS CONTEMPORÂNEOS MINEIROS. Organização: Vera Casa Nova, Kaio Carmona, Marcelo Dolabela. Belo Horizonte, MG: Quixote + Do Editoras Associadas, 2020. 577 p. ISBN 978-85—66236-64—2 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Deserto
A tarde se fratura
E o outono tem sempre
esse gosto de fim, que te aniquila
O vento escuro suga tua alma
(aberta confusamente)
para a solidão das pedras frias: a matéria triste das
montanhas
Melancolias alcoólicas te povoam
Bolhas de sonhos explodem no ventre
infecundo das estrelas.
Em vão, estendes os braços trágicos
à procura da alavanca que possa
frear o irreversível.
Estas só, estática esfinge
sem enigma.
Não era
Não era o vento:
era ser forte
era ser fraco
e, às vezes, sem rumo
Não era chama:
Era um gosto na língua
Era umidade entre as pernas
Era angústia de amar
Não era outono:
era a superfície da pele
alcatifada por rugas.
Não era um trilho de trem
uma estação ferroviária
um aeroporto
nem mesmo o mar
com um barco distante:
era a vida que restava
acorrentada à ausência
Não era chuva:
era tristeza pura.
E só.
Pedras, rosas
Nesta noite
não te amarei em Singapura
entre as cores da Pequena Índia
e o cheiro que falta
à profusão de perfumes
Nesta noite
não te verei em Andrômeda
apriosionada em
azuladas bordas de estrelas velhas.
Nesta noite
não te verei em Guadalupe
embora insista em extrair
rosas das pedras.
O que umedece em mim
não são os meus olhos.
Nesta noite
não te verei na Praça Sete
onde é negra a roupa da juventude.
Rodas de skate deslizam
em poças de urina
e no meu sonhar todos os teus lábios.
Um pássaro grita dentro de mim,
afundas, indiferente,
na irreparável treva do nunca.
Balada para Vita Sackville-West
I
Sigo
pela calçada suja
da madrugada
Tão confortável
como se fosse um rapaz
Calças largas
camuflam
as coxas
Mãos nos bolsos
Cabelos curtos
Tão confortável
como se fosse um rapaz
Homem nenhum
tem ganas
de devorar-me
Levo uns rabiscos
no meu embornal
mas,
oh
e se desconfiam
que tenho boceta
no lugar de um pau?
Piso a calçada mijada
—Segura—
Como se fosse um rapaz
II
No poema
que iniciei há quatro séculos
uma tristeza puta
cuidadosamente
alfinetada
Há quatro séculos
chorando a princesa russa
que desliza
para sempre
numa pisa de gelo.
Há quatro séculos
cultivo um carvalho
dentro do meu embornal
Mas,
oh
e se desconfiam
que tenho boceta
no lugar de um pau?
Jardinagem
A cor rosa
Engole a clorofila.
Coração-Magoado
É o nome de uma planta.
(O arbustao toca o chão,
é puro peso)
Folhas verdes também têm
hematomas.
A Dormideira se recolhe
à ameaça do meu toque.
(Ramos e ramos
carregados de pavor)
Folhas verdes também
gelam de medo.
Me deito
sobre o sumo
desses caules decepados.
Permanecerei explosiva
das Flores-de-Trombeta.
*
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Página publicada em maio de 2024
Página publicada em janeiro de 2017