SILVIO DE ALMEIDA
Minas Gerais 1867 – São Paulo 1924
Extraídos de
SONETOS. v.1.Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 154 p. 16,5 xcm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 148 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses. Ex. bibl. Antonio Miranda
A MENSAGEIRA – Revista literária dedicada à mulher brasileira. VOLUME II. São Paulo. SP: Imprensa Oficial do Estaddo S.A. IMESP. Edição fac-similar. 246 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Duas epochas
No mez mariano. A virginal capella
Dava-lhe á face mais tocante alvura;
E, comparando-a com a Virgem pura,
Não sei qual era para mim mais bella!
Nas feições da Madona e da donzella
Havia o mesmo toque de candura,
E podia-se pôr, numa moldura,
A sua imagem dentro de uma cella!
Vi-a depois chorando o filho morto,
Mais do que dantes alva, como um lyrio,
Numa expressão de magua e desconforto...
E vendo-a então, á triste luz de um cirio,
Julgava ver meu coração absorto
Outra Nossa Senhora no martvrio ...
Silvio de Almeida
8 — VI — 99.
Da nascente á foz*
Entre os quadros mais cheios de poesia,
Ha uma grata e suggestiva imagem
Na superfície plácida e macia
De um lago, parte e todo da paizagem.
Um lago é qual espelho, que reveste
Os bellos arrehoes, as singulares
Maravilhas da aboboda celeste,
Oiro de estrellas, prata de luares...
E, quando sobre as aguas, atrevido,
Sete raios de luz o sol derrama,
Dos peixinhos, num séquito luzido,
A' flor do lago pula a varia escama.
A toalha das aguas espelhante
Beflecte, sem deixar de ser tranquilla,
Os adejos do pássaro distante
E as tremuras da flor, que á tona oseilla.
Do rio á beira ás vezes pende um ninho.
E a ave, que ainda para a vida acorda
Tem para acalental-a o horborinho
Das aguas a cantar de borda em borda...
Outras vezes, do rio pelo seio
Descendo vae, em languida toada,
Batel que leva, no torpor do enleio,
Um namorado com a namorada...
O par ditoso á ribanceira ahica,
E ahi, de folhas um docel procura,
Onde gosando longamente fica
A sensação da paz e da frescura...
Mas onde o aspecto d'agua mais primores
Phantasiosamente nos desata
E' quando cae, por entre os estridores
Da cauda de rainha da cascata.
Das coisas que não vivem, a mais viva
E' o jorro d'agua que das pedras desce,
Num soluço de cólera explosiva,
Que contra o choque esbravejar parece.
Nem o consola a capa resplendente
Com que o sol, como um iris, o circumda;
E o bosque em torno escuta attentamente
Daquella queda a imprecação profunda...
A torrente, porém, já na planura
Desdobra suas voltas caprichosas,
Como vida que corre com doçura,
Ao depois de refrégas porfiosas...
E que dizer então da fúria solta
Dos vagalhões frementes do oceano,
— A superfície indómita e revolta,
Em tudo igual ao pensamento humano? —
Embarcações que vão de mundo a mundo,
Pesadas moles, cheias de thesouros,
São leves para o pélago, fecundo
Em sorvedouros sobre sorvedouros.
— Eriçado leão! Força e socego!
A' flor das aguas ferve a tempestade,
Mas no fundo recôndito do pégo
Domina a paz em toda a immensidade...
As aguas doidas que se enrolam, fazem
Saltar a espuma sem parada alguma;
Surgem vagas e vagas se desfazem,
Ao vir ás praias, em sendaes de espuma...
— Alma doida, que luctas pela gloria,
Aspiração dos moços impolluta,
Olha os frocos da espuma transitória,
E vê das aguas a perpetua lucta!
SILVIO DE ALMEIDA
(') Esta poesia teve o primeiro premio em concurso literário da Semana.
HOJE
A lyra antiga que pulsei, pulsava
Por tua causa apenas compellido;
E sabia o meu verso humedecido
Das lagrimas ardentes que chorava.
Hoje não choro mais, nem a alma escrava
Derrama agora o pranto já vertido;
Não te lancei, porém, do meu sentido,
Amo-te mais até do que te amava!
É que me alenta o teu amor, senhora,
Que eu não suppunha que te merecia
Naquelles tempos infantis de outrora.
E, si não faço os versos que fazia,
É porque tenho nesse amor agora
O que dantes busquei na fantasia!
Página publicada em julho de 2018; ampliada em julho de 2019; página ampliada em outubro de 2019
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