Fonte: www.pacc.ufrj.br
SILVIANO SANTIAGO
Ensaísta, poeta,, contista e romancista, Silviano Santiago nasceu em Formiga, Minas Gerais, em 1936. Diplomado em Leras pela UFMG, doutorado pela Sorbonne em Literatura Francesa. Professor da PUC e da UFF, dedicou-se à crítica literária e produziu uma obra sólida e ampla. Um poeta emblemático, original, incisivo. Descobrimos um livro seu numa livraria de Madri oferecida como uma “curiosidade rara” por causa do tema e da capa – a Segunda Guerra Mundial, HQ, coloquialismo, humor sutil—, de onde reproduzimos alguns poemas.
Veja POEMAS VISUAIS de Silviano Santiago>>>
SANTIAGO, Silviano. Salto. São Sebastião do Paraiso, MG: 1970. 119 p. 13,5x20 cm. “Orelha” do livro por Affonso Avila. Capa e planejamento gráfico: Eduardo de Paula. “Composto e impresso nas oficinas da Imprensa Nacional de Minas Gerais”. “Silviano Santiago” Ex. bibl. Antonio Miranda
Palavra-puxa-palavra
a mote alheio
e um grave sentimento
que hoje, varão maduro,
não punge, e me atormento.3
onde deixaste? no ci
mento, tormento? dei
xaste as pegadas sof
rimento ferimento di
uturno hoje pungimen
to ontem, onde deixa
ste, varão? o gravev
arão: sofrimento sof
ri sóri sofri sópung
imento e cimento, ré
mendo ? ma dureza dur
eo maduca o fruto du
reza madura. caduca.
*"No exemplar de um velho livro", Drummond de Andrade
Voltas a mote alheio
Se alguém procura a imagem*
busque n'etimologia:
imagem vem d'imagina
cão, «falsa demente»
(cda): em meloneto a
realidade vem d'olha
rmaginoso ritmétrico
e a descrição do ar,
não do pó. pó der no
s olhos, explode o e
stro a destro, esque
rda busque n'etimolo
gia vem d'esquina, e
scanteio, camufreio.
*"Imagens em Castela", Cabral de Melo Neto
De
CRESCENDO DURANTE A GUERRA NUMA PROVÍNCIA ULTRAMARINA.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. 127 p.
UM VALOR MAIS ALTO SE ALEVANTA
O Príncipe Submarino
emerge das águas e perscruta o horizonte:
um torpedo alemão avança contra Wall Street
em silhueta no fundo.
Agarra o torpedo à unha,
desvia sua rota.
No fundo do quadrinho seguinte
explode um submarino.
POEMA DO LÁ
Dizem: guerra
lá na Europa,
como quem diz:
chove lá fora.
EXPEDICIONÁRIO
Alto e magro, franzino,
é o primeiro herói mulato
da cidade.
Seu corpo repousa
no Cemitério de Pistóia
—disse o Prefeito.
Respondeu a voz além-túmulo:
Por mais terra que eu percorra,
não permita, Deus, que eu morra.
NÃO ESTÁ NO GIBI
No laboratório
do Mocinho buscam
a fórmula da Bomba atômica
para pôr fim à guerra.
No laboratório
do Bandido trabalha
o sinistro Dr. Silvana
dando armas poderosas ao Crime.
O Super-Homem dá combate
sem tréguas
ao cientista do Mal.
Quem vai se opor
ao cientista do Bem?
HOMEM & MULHER BALA
Quem disse que os objetos
são a extensão do corpo
disse mentira.
A verdade é que o objeto,
depois de inventado,
domina por si,
e o corpo humano
apenas é uma metáfora do objeto
— ridícula metáfora.
PAI
A perseguição e a descrença
marcaram tanto,
que preferiu encaminhar
os filhos
para a classe média.
Proíbe que se fale
de política à mesa
e indica com o gosto
e o dedo
a profissão liberal
de cada um.
Cultiva flores no jardim
e esquizofrênicos em casa.
UM E TODOS
Tudo é uniforme.
É brim cáqui,
verde-oliva
ou azul-marinho.
É fustão branco.
Tudo é uniforme:
na foto de aniversário,
ei-lo marinheiro,
na parada,
ei-lo soldadinho,
como atleta,
ei-lo ginasta.
É um e é todos.
Esta uniformizado
Estamos.
De
Silviano Santiago
CHEIRO FORTE
Rio de Janeiro: Rocco, 1995
ISBN 85-325-0525-2
A morte nunca é agora;
é sempre:
não nasce
não morre:
dádiva de um corpo
para outro.
Tenho este corpo.
Adotei-o como máquina
antes.
O sei agora
de osso, vísceras, carne e pele,
estranha
geringonça.
Reconforta o médico:
"Saiba compreendê-lo."
Nada
é o que deixa de ser.
Nunca
o que jamais houve.
Onde houve o homem,
há o nada.
Domingo, 4 da tarde.
O corpo deitado
ao lado dorme.
Olha pela janela
uma mancha escura
na parede branca
do edifício em frente.
Só pode ser de cano
furado.
A água sacia
e não tem gosto,
o fogo coze
e não tem sabor,
o ar, inspirado,
dilata os pulmões
e não tem cheiro.
A terra
cheira como cadela em cio,
sabe a mesa ajantarada
e aromatiza como esterco.
Página publicada em março de 2009; ampliada e republicada em julho de 2010.
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