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POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA

RUI ROTHE-NEVES

RUI ROTHE-NEVES

É poeta e tradutor. Nasceu em Belém (Pará) e vive em Belo Horizonte. Autor de livros de poemas Inume (1994), entre outros.

 

Come com mão
na monomania
nu e sentado na terra

Arde-lhe o andor
do tempo nas costas

Fede a Deus


*

Ainda dentro de mim o casario
saído de onde o deixei, branco
batido de sol e um pouco mais gasto
as mesmas flores na janela e
gatos. Uma imagem pro futuro
a ser lembrada — ou então
a me possuir e obcecar com
seus meandros e deslizes
a força de uma imagem
que já não é do mundo,
orgânica, o sangue nas veias,
respira lenta. E por trás de tudo
o mar com seus mortos, seu
aspecto de crença, cerimônia—
metáfora de um amanhecer de brisa.
Como hoje, em que me suporto
amarfanhado pela valsa
da memória que me habita
e não deita sombras quando passa.

*

Eu? Morri. Meu coração
aberto no chão com as pegadas
a salamandra no deserto que pisou e
deu-se — um corpo no vento
Sombra branca,
daí a dias calipso sem riso nem ouve
a escrita-flor que me turva e
Rufla, ah — sutil e rara a salamandra-fada
e (como o quê!) me roça
o céu da boca.  Arfo
peixe na poeira, indícios
de sussurro: Samba
sem nota nenhuma:
o amor dela
bem cabeludo dançando no meio.

*

Homem com sol na cabeça
ou com a língua fazendo dúvida e desde que sabe dita
uma quase expiação as revoluções todas de calcinha na mão
espartilhos nádegas frouxas  daí que não vejamos rumo
agora cegos podia ser uma mandragorgia aberração quermesse
qualquer coisa que é a poesia hoje se (e não!) lhe dão sopro
só canto paralelo paródia a fanotécnica exílio de cinzas e sombra
à dança da velha espada que penetra escuro
um tubar cru aqui
do lado de dentro
cochichos de gesta pra moucos ou poucos depende se vêem
um home com sol na cabeça que diz
e tece aí fura o dedo e tece
ah, constelações de sonhos com sangue e ouro
numa ex-penitência mística mímica de revolta mas física:
a ração cotidiana de migalhas nesse ventre da baleia que é
uma cadela na luz sem trégua nem profeta que cuspir na praia
de nínive onde se bebe vinho e não
a vida


 

*

Afundada num quarto escuro, eis
a arte de esmigalhar pedras
de um golpe só
entre um par de palmas
suadas e desafeitas ao afeto
fazê-las pó
barro de criação
insuflá-las e vê-las
ganhar cor
e começar
de novo
:
a arte de mastigar as palavras

 

 

Extraídos de FENDA 16 POETAS VIVOS. Organização e introdução crítica de ANELITO DE OLIVEIRA.  Belo Horizonte: OrObÓ EdIcÔeS, 2002. 

Página publicada em novembro de 2008


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