RONALD CLAVER
Ronald Claver (Belo Horizonte, 7 de setembro de 1946) é um professor e escritor brasileiro. Lecionou no Colégio Técnico da UFMG até sua aposentadoria. Como escritor tem mais de 20 obras publicadas, e diversos prêmios, entre os quais o prêmio Nestlé e o prêmio Cidade de Belo Horizonte.
AS METADES
Publicado originalmente em “LIXERATURA”, Rio de Janeiro, Maio de 1973
e também em: ANTOLOGIA DA NOVÍSSIMA POESIA BRASILEIRA. Seleção e notas de Gramiro de Matos e Manuel de Seabra. Lisboa: Livros Horizonte, s.d. 194 p. (Coleção Horizonte Poesia, 14)
ANTOLOGIA POÉTICA 2: ANTÔNIO BARRETO, GERALDO REIS, MÁRCIO ALMEIDA, PASCOAL MOTTA, RONALD CLAVER. Belo Horizonte: Interlivros, 1977. 201 p. 15,5x22 cm. Col. A.M.
A CARTA DE MINAS*
uma janela se abre em minas
onde mar não há
(há essa fértil flor ferrífera
filtrando em minhas veias uma
mineira-ação)
é preciso abrir as cartas
é preciso abrir as garras
do seu corpo ainda geral
em mineral me dissolvo
me desfaço me disfarço
furo perfuro seu útero
em mineração
uma janela se abre em minas
onde mar não há
(há essa ágil ave monetária
distribuindo em meu sangue
suas venéreas-ações)
há públicos pobres homens
há púnicos podres homens
lançando no mercado geral
a bolsa santa e a cotação
universal
há essa carta/essa farsa tão
mineira essa ordem que varia
essa liberdade que ainda tar
dia
há essa carta/esse código de
ver/essa maneira um tanto tor
cida/esse mineiro dever
uma janela se abre em minas
onde mar não há
*in memoriam do manifesto mineiro de 1943
o texto é barroco
o ouro carente
o santo é oco
a liberdade ausente
o dinheiro é cifrado
o corpo montanhoso
a família é castrada
o sangue ferruginoso
o lucro é ávido
o dedo duro
o povo é árido
o logro puro
uma janela se abre em minas
onde mar não há
é preciso abrir as grades que circundam seu corpo
é preciso abrir as portas que circundam seu
preciso passear sobre as garras de
reciso descobrir as farpas
eciso desvendar as cart
ciso decifrar as
é preciso
libertar é preciso
uma talvez minas
DURAÇÃO
navegável é o corpo que se
ondula
na maciez da
cama e que ensina a madurez
do gesto
navegável é o corpo que aprende
o silêncio do rio e reconhece suas
quedas
são navegáveis as pedras que inter/
rompem seu curso
os meandros que contorcem
sua geografia são navegáveis
navegável é o corpo que faz do encontro uma
ponte
fonte do eterno beber e dura
no tempo toda sua
fluidez
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 18. 2012. Número 36. Edição dedicada a Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 2012. Editor Afonso Henriques Neto.
Curral Del Rei
I
Era uma vez uma montanha que rodeava a cidade
A montanha era uma vez que rodeava a cidade
A montanha que rodeava a cidade era cada vez mais
uma vez
Uma vez a montanha que rodeava a cidade já era
II
Curral Del Rey era o nome de Belo Horizonte
Um dia o rei foi embora e o curral virou serra
A Serra do Curral tinha um horizonte belo
Os homens acharam que horizonte é palavra bonita
e multinacionalmente levaram o substantivo e a serra
III
O trem que leva o minério de Minas para o Rio
é um trem igual aos outros que leva o minério
um pouco de paisagem, do ar e da brisa
Um trem igual aos outros vai levando o minério
a paisagem, o ar, a brisa de fim de tarde
e um pouco do horizonte ainda belo
Página publicada em março de 2013 ; ampliada e republicada em outubro de 2013. Página ampliada em agosto de 2018;
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