POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
RICARDO ALEIXO
Poeta e músico, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais em 14 de dezembro de 1960. Participou de muitas antologias no Brasil e no Exterior, entre elas as de Heloísa Buarque de Hollanda (Esses Poetas - Uma antologia da poesia brasileira nos anos 90) e Correspondencia celeste – Nueva Poesia Brasileña) do Adolfo Montejo Navas
Obra: Festim, 1992; Tríviom, 2001; Máquina Zero, 2004.
Blog do poeta: http://jaguadarte.zip.net/
“Basta-me assinalar, como notável contraste, a opção, nos vários poemas de Aleixo, pelo fim que não fecha, ou um fecho que se abre para uma virtual continuidade fora do texto. Terminam, por exemplo, com um artigo definido ("o"), com uma virgula ("esmo,"), com uma palavra incompleta ("C O N S T"), com um "que se". / Se pensarmos que essa quebra ou desencaixe não está só no final mas, potencialmente, em todo o corpo do poema, poderíamos definir sua estratégia poética por um marcado autocentramento, que tende, entretanto, ao deslocamento, a uma abertura. Estes também se revelam na tendência ao prosaico ou na apropriação de fragmentos da oralidade coloquial. Vale lembrar a definição proposta por Sebastião Uchoa Leite, no posfácio ao Trívio: "a poética de Ricardo Aleixo é de interstícios, interconexões". “FRANCISCO K. [KAC] Poesia? e outras perguntas: textos críticos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. 200 p. 16x23 cm. ISBN 978-85-7577-765-7 (p. 51-52)
Veja também: POEMAS VISUAIS DE RICARDO ALEIXO
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
De
Ricardo Aleixo
céu inteiro
Belo Horizonte, 2008
Projeto gráfico de Flávio Vignoli, composição manual,
folhas soltas em carpeta de cartolina, 220 exemplares.
(excertos)
Aqui se pergunta (
e se perguntará
) pela pergunta
cem vezes repetida:
duas águas turvas
represadas,
sequência de lentas,
abruptas curvas
para cima, mais um
andar, mais
um, sem-
pre mais um,
: primeira
parte da queda.
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CINE-OLHO
Um
menino
não.
Era
mais
um
felino,
um
Exu
afelinado
chispando
entre
os
carros
um
ponto
riscado
a
laser
na
noite
de
rua
cheia
para
os
lados
do
Mercado.
De Orikis, 1996
OIÁ
Repito o que
recita o vento:
que as coisas vem
a seu tempo,
que elas sabem
qual tempo é o delas,
que esse tempo
quase nunca
é o dos viventes mas
que, assim sendo,
forca é render-se
á forca delas
movendo-se folha
ao vento, rasgacéus,
deusa ciosa das coisas
que lhe ofertem
e de cada corpo quando
dance na f esta
em seu nome ao vento
veja-a: resplendente
aqui, já recontando
ali-epa, Oiá-Ó!
De Orikis, 1996
BRANCOS
eles que são brancos e os que não são eles
que são machos e os que não são eles que
são adultos e os que não são eles que são
cristãos e os que não são eles que são ricos
e os que não são eles que são sãos e os que
não são todos os que são mas não acham
que são como os outros que se entendam
que se expliquem que se cuidem que se
De Revista de Patrimonio Histórico e Artístico Nacional, 25 (1997)
TREVA
vazio até o
fundo
crispado na
treva
mais um
día des
liza para
dentro
de um
dos tres
caminhos
sem volta
De Trivio, 2001
UMA ALEGRIA
jamais minas gerais
vibrou dentro de mim
o rumor de seu invisível mar
e o ouro puro de seu tambor
transatlântico negro
como naquele breve maio
ensolarado de alegrias
quando eu deambulava
pelos becos e ladeiras
de Coimbra e descobri
em meio aos graves portugais
os timbres de pequenas
áfricas utópicas
ali em meio aos portugais
Extraído da obra O ACHAMENTO DE PORTUGAL. Wilmar Silva, org. Belo Horizonte: Anome Livros, 2005. 112 p.
PAUPÉRIA REVISITADA
Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
— na companhia das traças —
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.
NUMA FESTA
Creio ter ouvido certo.
Alguém do grupo junto
à janela pronunciou,
enquanto eu observava,
apenas por fastio,
o deslizar de um peixe
amarelo no aquário, sozinho,
a palavra sodomita.
Nunca a ouvira antes.
Pareceu-me grave — naquele
lugar,
naquele instante e nos dias
seguintes —,
bíblica.
BISPO DO ROSÁRIO
quem fez e refez
cem vezes o
caminho do mundo
até antes
cem vezes na
cabeça o longo
trecho entre o
mar e o
céu
quem re fez o
caminho da perda
com seu manto
de
ver deusfilho.
(Se Trivo)
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 18. 2012. Número 36. Edição dedicada a Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 2012. Editor Afonso Henriques Neto.
Elsie sings the
Elsie morre no fim
: pílulas para dormir.
Mas a voz dela
miraculosamente
Escapa
(se desnovela)
do corpo
sem vida dela
e se evola
(e se reenovela)
na forma
de um som
da cor
tão clarescura
e rara
(como o do uirapuru
no fundo da floresta
cantando só
para ninguém ouvir)
que escutá-la agora
é quase vê-la:
é habitá-la.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
RICARDO ALEIXO
(Belo Horizonte, 1960) Dueño de una poesía que salta desde la enseñanza visual nada ortodoxa (lectura de concretos y Sebastiáo Nunes) a la relectura del legado neoafricano de Brasil y de las vanguardias críticas. Sus Orikis y Trivio, son libros de
lectura obligatoria de la nueva lírica brasileña. Su poética trasluce un afilado
sesgo crítico literario y social. También ejerce la música, la crítica, además de
ser una excelente artista plástico (poemas-objeto).
OBRA POÉTICA: Festim, 1992; A Roda do Mundo (Oríkis), con Edmiison de
Ameida Pereira, 1996; Trivio, 2001.
6 POETAS DE ARGENTINA & 6 POETAS DE BRASIL. Selección y prólofo; Teresa Arijón y Camila Do Valle. Traducción: Teresa Arijón. Buenos Aires: Bajo La Luna: 2011. 192 p. 20x13 cm. Incluye los poetas: (Argentina) Mariano Blatt, Oswaldo Bossi, Cucurto, Joavier Foiguet, Alejandro Rubio, José Villa/ (Brasil) Edimilson, Eduardo Jorge, Guilherme Zarvos, Renato Rezende, Ricardo Aleixo, Sérgio Bazar David. ISBN 978-987-9107-88-8. “Este libro há sido editado con la colaboración de la Embajada de Brasil em Buenos Aires.”
INCLUSO ÉSTA, AHORA, ES
Nunca pude escribir ni una
sola linea sobre las casas donde residí.
Nunca, para que tengas una idea,
alguna de ellas amaneció con
estruendos, grietas inexplicables o un
gato degollado junto a las rosas
y la huerta pequeña.
Eran casas, apenas. Estructuras,
antienigmas, piedras sobre
piedras. Incluso ésta, ahora, es
una mera máquina de signos —
demasiado gastados para que se extraiga
de ella, en la mejor de las hipótesis, más
que otra (mera) máquina de
signos gastados.
MESMO ESTA, AGORA, É
Nunca pude escrever nem uma
única linha sobre as casas onde morei,
Nunca, para você ter uma ideia,
alguma delas amanheceu comi
estrondos, fendas inexplicáveis ou um
gato degolado junto às rosas
e à pequena horta.
Eram casas, apenas. Estruturas,
antienigmas, pedras encimando
pedras. Mesmo esta, agora, é
uma mera máquina de signos —
demasiado gastos para que se extraia
dela, na melhor das hipóteses, mais
que uma outra (mera) máquina de
signos gastos.
LAS MITADES DEL CUERPO
Marianne
Moore
apreciaba animales
y atletas
en igual
escala. Motivo: el
"estilo"
de ambas
especies citadas
"es, proba
-blemente,
descuidado"; unos y
otros, di
-jo Miss
Moore en una entre
-vista,
alcanzan la
"exactitud" debido
a la práctica
que "las
mitades del cuerpo",
en ellos (en los
animales
y en los atletas que
poseen
un estilo),
adquirieron
"para
contra
-balancearse".
AS METADES DO CORPO
Marianne
Moore
apreciava animais
e atletas
em igual
escala. Motivo: el
"estilo"
de ambas
espécies citadas
"é, prova
-velmente,
desleixado"; uns e
outros, dis
-se Miss
Moore numa entre
-vista,
alcançam a
"exatidão" devido
a prática
que "as
metades do corpo"
neles (nos
animais
e nos atletas que
possuem
um estilo),
adquiriram
"para se
contra
-balançarem".
**************************************************************
Tradução de Adolfo Montejo Navas*
*De Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Culta do Brasil.
CINE-OLHO
Un
niño
no.
Era
más
un
felino,
un
Exu*
felinizado
raspando
entre
los
coches
un
punto
rayado
a
láser
en
la
noche
de
calle
llena
allí
cerca
del
Mercado.
De Orikis, 1996
* Exu: divinidad afrobahiana.
Nueva Poesía Brasileña
OÍA*
Repito lo que
recita el viento:
que las cosas vienen
a su tiempo,
que ellas saben
cual es el tiempo de ellas
que ese tiempo
casi nunca
es el de los vivientes,
pero, siendo así,
de fuerza es rendirse
a la fuerza de ellas
moviéndose, hoja
al viento, rasgacielos,
diosa celosa de las cosas
que le ofrezcan
y de cada cuerpo cuando
dance en la fiesta
en su nombre al viento
la vea: resplandeciente
aquí, ya acometiendo
allí -epa, Oiá-Ó!
De Orikis, 1996
* Oía: divinidad afrobahiana de los vientos y tas tempe
es su saludo.
BLANCOS*
ellos que son blancos y los que no son ellos
que son machos y los que no son ellos que
son adultos y los que no son ellos que son
cristianos y los que no son ellos que son ricos
y los que no son ellos que son sanos y los que
no son todos los que son mas no creen
que son como los otros que se entiendan
que se expliquen que se cuiden que se
De Revista de Patrimonio Histórico e Artístico Nacional, 25 (1997)
*El poema apareció originalmente dentro de una mancha negra com las
letras en blanco.
TINIEBLA
vacío hasta el
fondo
crispado en la
tiniebla
un día
más des
lízase hacia
dentro
de uno
de los tres
caminos
sin vuelta
De Trivio, 2001
*Nota: o tradutor Adolfo Montejo Navas é amigo comum nosso com Wagner Barja, e o convidamos a participar da exposição OBRANOME 2 no Museu Nacional de Brasília, durante a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília 2009. Montejo Navas prometeu-nos suas traduções ao castelhano e só na Espanha, em viagem, é que conseguimos os originais que estamos divulgando parcialmente no nosso Portal de Poesia Ibeoramericana, com os agradecimentos.
MEDUSA. revista de poesia e arte. Curitiba - PR Editor Ricardo Corona N. 10 - abr.-maio 20 Ex. bibl. Antonio Miranda
Página publicada em dezembro de 2008
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