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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RENATO SUTTANA 

 

Renato Sultana é natural de Barroso-MG. Mestre em Letras pela PUC-MG e doutor pela UNESP- Assis, é atualmente professor da Universidade federal da Grande Dourados. Imprimiu seu primeiro livro em 2002, sob o título de Visita do fantasma na noite, em edição particular. Em 2005 publicou o ensaio João Cabral de Melo Neto: o poeta e a voz da modernidade, fruto de sua pesquisa de doutoramento, e o livro de poemas Bichos, com ilustrações e prefácio do escritor e artista plástico português Nicolau Saião. Além desses, é autor dos livros Fim do verão (editora Virtual Books, 2009), Uma poética do deslimite: poema e imagem na obra de Manoel de Barros (Editora da UFGD, 2009) e Qualquer um (Virtual Books, 2010). Na internei, mantém o portal O Arquivo de Renato Sultana, que disponibiliza para acesso alguns livros de sua autoria, bem como trabalhos (originais e traduções) de outros autores. Pelas Edições Nephelibata tem também as traduções: Um cavaleiro no céu de Ambrose Bierce e A música de Erich Zann de H. P. Lovecraft. 

 

De
SUTTANA, Renato.  Outros bichos.  Capa: desenho de Alberto Lacer. 
São Pedro de
  Alcântara, SC: Edições Nephelibata, 2011.  99 p.  Ex. 51 de uma edição de 60. Formato
 23x20,5 cm.

 

            O CUPIM

          a dialética do cupim
          tem uma forma
          bastante clara:

          sua casa se constrói
          enquanto a nossa
          desaba.

 

O BOI (I)

Indiferente

aos elogios

o boi

 

não persegue nenhuma glória.

E é por isso que o dia

(esta tarde de vidro, esta

 

esmeraldina luz

que se levanta

em forma de colina

 

à sua frente)

lhe quadra

como luva.

 

(Nada há que ele não saiba

 

ou nada

 

que ele já não conheça

 

desde o princípio: as

surpresas do sol,

os pensamentos

 

do vento;

 

o vento

e algum secreto modo
de transformar-se
em relva
o que é sol, o que foi

noite.) No boi
o tempo se enraíza
profundamente.


E em seu vasto respirar
respira também
e aspira

à eternidade.

 

 


O PAVÃO

 

Não saberias o que dizer
diante de um pavão:
e no entanto a vaidade ali

 

é apenas
coisa do olho.
O pavão

sabe exatamente o que faz.
E, quando
abre na tarde simples

o seu sistema de cores,
é a teoria da luz
que ele interpreta

à sua própria maneira.

 

 

 

SUTTANA, RenatoBichos.  Apresentação e ilustrações de Nicolau Saião.  Guarapuava, PR:  edição do autor, 2005.  58 p. ilus.  Col. A.M. (EA)

SUTTANA, RenatoFim do verão.  Pará de Minas, MG: Editora Virualbooks, 2009.  114 p.  14x20 cm.  ISBN 978-85-60864-94-2   Col. A.M. (EA)

 

TALVEZ

O ouro de amanhã é talvez,
e certeza dos portos é quem sabe.
A verdade de amanhã,
engastada no fundo das minas —
é uma hipótese a que nos confiamos,
mas que não se confirma no vento.
(Que motivo teria para se confirmar?_
De hoje até amanhã tudo é hipótese —
e o vento, que não se esclarece num mapa.

 

SUTTANA, RenatoQualquer um.  Pará de Minas, MG: Editora Vritualbooks, 2009.  103 p.  14,5x29,5 cm.  978-85- 7953-203-0   Col. A.M. (EA)

 

LÁ SE FOI O DIA

Lá se foi o dia
em que eu te queria.

Lá se foi o encanto
que me deste tanto.

Lá se foi no vento
do meu pensamento

a esperança breve
que me deste, leve.

Lá se foi na turva
noite (ou numa curva

da comprida estrada
que levou a nada)

o que se partiu
quando o dia abriu:

o que foi escura
queda de uma altura.

Lá se foi o dia
em que eu te queria.

 

SUTTANA, RenatoVisita do fantasma na noite.  Guarapuava, PR: edição do autor, 2000.   98 p.  16x21,5 cm.  Capa: óleo de Holney Mendes.

 

Nesga

 

Esta nesga de sombra que eu percorro,

buscando o que não sei nem vou achar,

tem para mím a amplitude de um mar,

de um deserto de areias, onde corro

 

no encalço de um fantasma, sem lugar

de encontro e saciedade, de um só jorro

de água sonhada; onde me firo e morro

de meu próprio veneno a me tentar

 

entre o que sei e perco e me refoge,

para diante lançando-se: ontem e hoje

num só deserto, que atravesso e não.

 

Esta nesga de sombra sou eu mesmo,

a interrogar-me à noite, incerto e a esmo,

entre o cansaço, a sombra e a solidão.

   

SUTTANA, Renato.  Bichos imaginários. Natal, RN: Sol Negro, 2013.  48 p.  13x18,5 cm.  Capa com ilustração colada e caderno costurado a mão com linha. Tiragem: 115 exs. Ex. n. 113 na bibl. Antonio Miranda.

 

 

A Ninhada

 

(quase um prefacio)

 

os ovos frigirão pássaros

os pássaros engolirão as horas

as horas serão pias

 

um grande ponto de exclamação

dividirá ao meio

a tua confusão.

 

 

Os Leões Alados

 

“Leões alados, sem juba.”
Mário de Sá Carneiro

 

Sobre a linha dos muros,

vêm pousar, calados,

ásperos e ossudos,

inconfiáveis e duros,

os leões alados.

 

Como troféus maduros

dos outonos aguados —

com seus silêncios puros

e seus olhos vidrados —

falam de erros futuros.

 

Nas cercanias do vento,

sobre pátios obscuros,

sobre a pedra e o cimento,

alongam, por um momento,

seus silêncios agudos.

 

(Quem os vê sobre os muros,

à luz do meio-dia,

tem um pressentimento

e um doido pensamento

de que foi a luz do dia —

e a ânsia de atingimento,

de achar a direção —

que os gerou no vento:

 

movendo-os aos silêncios

espinhosos e ossudos.)

 

Por que estão lá, seguros

de si mesmos, pousados

sobre a linha dos muros?

Não há ninguém que o explique,

nem quem o justifique.

 

Como troféus pontudos

dos outonos lassos —

com seus silêncios curvos

e seus olhares baços —

falam de erros futuros:

 

pousados, como de pedra,

como de nuvem e vento,

ríspidos e agudos,

intocáveis e lentos,

sobre a linha dos muros.

 

 

SUTTANA, Renato.   Rapinário.  Ilhéus, Bahia: Mondrongo, 2015.  
122 p.  13x20 cm. Capra: detalhe da obra de Manoel Almeida de Sousa. Ex. bibl. Salomão Sousa.

 

 

 

         PARA TODAS AS PARTES

 

        Para todas as partes sou levado
         e por todos os ventos e correntes.
         Desço, e sou mar disperso, encapelado
         sem memória de pátria e sem parentes.

         Meu nome foi erro pronunciado
         num labirinto móvel de serpentes:
         e, absorto, às cegas, vou de lado a lado,
         falso de origens e de antecedentes

         Arrastado por ondas, por caprichos,
         por lances que aborreço e não domino,
         vou a pique, de encontro ao meu destino:

         vendo ao longe elevar-se dos seus nichos
         os fantasmas da insônia, que me exorta,
         que vem bater — pontual — à minha porta.

 

 

 

         FALTAM ASAS

 

        Faltam asas aos corvos, faltam ventos
         faltam desculpas, faltam pensamentos,

         faltam pretextos, faltam situações,
         faltam chuvas e nuvens e verões,

         faltam mapas e estradas, faltam ares
         sobre os quais o negror dos seus azares,

         o cinza do seu hálito, o granizo
         do seu grito, a efusão do seu aviso

         se estendem, verdadeiros, falta um muro,
         faltam paisagens para o seu futuro.

         Nesta insatisfatória primavera,
         em que nada se afirma e nada gera

         um desejo qualquer de direção,
         de superar a inércia, de ir à ação,

         de forçar o limite, ultrapassar,
         saltar a linha de só protelar,

         de não comparecer ao compromisso
         de dar ao gesto uma razão e um viço

         que nunca teve (e que jamais terá),
         porque a demora é que nos prende lá —

         faltam asas aos corvos, faltam ares,
         falta o oblívio, o sossego dos pesares,

         a justiça do próprio, do indiviso,
         da impensada pirueta, do improvisos,

         e o esquecimento simples que resolve
         o impasse em que o entusiasmo se dissolve,

         o desejo se afunda, o impulso esbarra
         como vencido pela enorme garra,

         pela pressão enorme da preguiça,
         que tudo prende — espessa e movediça—,

         por uma enorme coisa que não cabe
         na tarde neutra, que de nada sabe.

 

 

Página publicada em dezembro de 2011. Ampliada e republicada em julho de 2014. Ampliada em abril de 2018

 

 

 


 

 

 
 
 
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